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Palestra de abertura do VII Congresso Internacional de Arte Terapia em Setembro de 2003 em Madrid, a convite do Seminário Internacional de Mestrados em Arte Terapia em Madrid.
Autor:
Ana Mae Barbosa

No Brasil, os pioneiros no uso da arte para a busca da sanidade mental foram, no Rio, a doutora Nise da Silveira, em São Paulo, Osório César, e no Recife, Ulysses Pernambucano. Curiosamente, estes pioneiros, a despeito de diferenças de abordagem científica - uma mais junguiana, os outros mais freudianos -, têm em comum a paixão pela arte e a preocupação com os problemas políticos e sociais. Essa preocupação levou Ulysses Pernambucano, tendo Noemia Varela como assistente, a se dedicar principalmente à educação das crianças e adolescentes deficientes e à educação de suas famílias para aceitá-los e ajudá-los, despendendo esforços para evitar o confinamento. As preocupações político-sociais levaram a doutora Nise à prisão durante a Ditadura de 32-46 conhecida no Brasil como "Estado Novo" e Osório César a se engajar no Partido Comunista. Aliás, é interessante lembrar que Osório César, tendo sido casado com Tarsila do Amaral (uma expoente do Modernismo Brasileiro),despertou a sua consciência social, e foi no período em que estiveram juntos que ela pintou um dos cinco quadros mais importantes da sua produção, "Os Operários", hoje na coleção do Palácio de Inverno do Governo, em Campos do Jordão, São Paulo.

O acervo dos pacientes da Doutora Nise está sendo preservado no Museu do Inconsciente, em Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, e tem sido mostrado em excelentes exposições. O de Osório César foi encontrado em 1983 num depósito do Juquerí por Heloísa Ferraz. Até então, eram conhecidos apenas trabalhos de alguns de seus pacientes-artistas em mãos de colecionadores e em museus como o Masp e o MAC. Foi necessário um esforço de quatro anos de pesquisa e restauração para recuperar o que se julgava perdido. Quanto ao de Ulysses Pernambucano não tenho notícias do paradeiro.

O conhecimento do trabalho destes pioneiros muito contribuirá para o entendimento da cultura dos fins dos anos 40, época em que a atuação dos cientistas-humanistas provocou impacto se rebelando contra a censura, não só política, mas cultural também. Aquele foi o período da primeira re-democratização brasileira, momento histórico marcado pelo interesse na humanização das instituições, desde a escola até o hospital. Nise da Silveira, Osório César e Ulysses Pernambucano foram agentes provocadores do processo de humanização da psiquiatria confinada.

Hoje o Movimento de Arte Terapia é muito ativo no Brasil. Temos várias Associações Profissionais como a Brasileira de Arte Terapia presidida por Joya Eliezer, a Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos (AURORA fundada entre 96 e 98). Há dois anos foi fundada a Associação Brasil Central de Arteterapia (Goiás, Distrito Federal e Tocantins) e existem também as Associações do Espirito Santo, de Santa Catarina, de Minas Gerais, de Pernambuco, da Bahia, de São Paulo (terapeutas fundadoras, presentes ao III Congresso de Arte Terapia, Madrí, 2003: Selma Ciornai, Eloisa Fagalli, Iraci Savianni e Cristina Alessandrinni), do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro (fundadora presente, Angela Philipini).

Estas oito Associações estaduais e regionais se juntaram o ano passado para formar a União Brasileira de Associações de Arte Terapia com a intenção de estabelecer parâmetros nacionais para formação e credenciamento dos arte-terapeutas e sugerir um currículo mínimo de Arte Terapia para o país, enfatizando que as disciplinas especificas de Arte Terapia só podem ser ensinadas por arte terapeutas.

No Brasil, os Cursos Universitários de Arte Terapia são em nível de Especialização, contemplando disciplinas de Arte e de Psicologia, recebendo, portanto, artistas, arte-educadores e profissionais da área de saúde (psicologia, psicopedagogia, terapia ocupacional, psicanálise etc). Ainda não temos Mestrados em Arte Terapia, mas é só uma questão de tempo para que se organizem. Equipes capazes, nós temos.

Existem vários cursos de Arte Terapia no Brasil, mas os pioneiros (anos 70 e 80) que geraram muitos cursos que formaram a maioria dos professores que hoje atuam nas universidades foram: o Curso que Joya Eliezer ministrava em seu consultório em São Paulo, o Curso da Clínica Pomar no Rio de Janeiro, criado por Angela Philipini, e o Curso de Arte Terapia do Sedes Sapientiae, uma instituição acadêmica muito importante e combatente pela liberdade na época da mais recente Ditadura no país (1964-1984). Este último foi organizado com a competente orientação de Selma Ciornai, com mestrado em Arte Terapia pela Universidade da Califórnia e doutorado em Psicologia pelo Saybrook Institute. Estes três cursos foram a célula mater dos cursos de Arte Terapia no Brasil. Os dois últimos continuam na liderança na Formação de Arte Terapeutas no país. Quanto a Joya Eliezer, ela ampliou as fronteiras da intimidade de seu consultório, mas não deixou de lado as tarefas pioneiras e agora coordena, com Joel Giglio, no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas (UNICAMP, uma prestigiosa universidade pública estadual), o curso "A arte nas organizações".

Na Universidade de São Paulo, a qual pertenço, também há um curso de Arte Terapia intitulado "Praxis Artística e Praxis Clínica", ligado ao Curso de Terapia Ocupacional. Ainda em São Paulo a Universidade São Judas Tadeu (privada), tem um curso organizado por um grupo dirigido por algum tempo pela Músico-Terapeuta Sonia Bufarah Tommasi.

Recentemente Arte-Terapeutas de São Paulo criaram cursos itinerantes que vêm sendo oferecidos a Universidades privadas em diferentes Estados do país. Um deles no Rio Grande do Norte, na Universidade Potiguar, já formou duas turmas. Cristina Alessandrini, do grupo AlquimiArte, é a coordenadora. Em Recife um curso de Arte Terapia do qual tenho ouvido somente críticas positivas é estimulado pela Clínica Pomar.

O movimento de Arte Terapia no Rio Grande do Sul é muito ativo e os primeiros cursos lá ministrados tiveram como professores os grupos do Rio e São Paulo. O primeiro foi dado por Joya Eliezer, na Clinica Novo Rumo, mas, ao que me parece, ainda não se tratava de Curso de pós-graduação ligado a Universidades. Logo depois, Selma Ciornai ministrou, no Instituto da Família, de Porto Alegre, um curso que já está na segunda turma; Ligia Diniz e Gislaine Guimarães, alunas, respectivamente, de Angela Philipini e Selma Ciornai criaram no Rio Grande do Sul outros Cursos de Arte Terapia e há também o da Faculdade FEVALE.

Em Minas Gerais, Maria Otília Souza, diretora da Integrarte, e Maria Blandina coordenam Cursos de Arte Terapia. Na cidade de Vitória, Glícia Manso iniciou este ano um programa de Arte Terapia na Universidade Federal do Espírito Santo. Até então, só havia um Curso de Arte Terapia, ligado a uma Universidade Federal (Goiás). As Universidades Federais, que são públicas, têm muito prestígio no país não só porque são gratuitas para os estudantes, mas principalmente pela alta qualidade intelectual de seus professores. Para a credibilidade da acadêmica da área de Arte Terapia é cada vez mais importante a criação de cursos nas universidades públicas. Fenômeno interessante é o de Goiânia, capital de Goiás, um Estado no Centro do Brasil. Lá uma inquieta Arte Terapeuta, Ana Claudia Afonso Valladares, criou o primeiro curso de Arte Terapia em uma Universidade Federal, a Universidade de Goiás. De sua cidade Claudia me informou "Tivemos dois concursos públicos para Arte terapeutas na Prefeitura, trabalhos em um Centro Livre de Artes e na área de saúde mental (NAPS- Núcleo de Assistência Psicossocial - área ambulatorial em Psiquiatria). Existem trabalhos com crianças abandonadas também. Eu estou trabalhando com crianças hospitalizadas em um hospital de Doenças Infecciosas e Parasitárias."

Trabalhos excepcionais são feitos nas APAEs de todo o país e, dentre os trabalhos com deficientes físicos e lesados cerebrais, destaco o realizado, já há trinta anos, por Ana Alice Francisquetti na AACD de São Paulo e o do Hospital Sarah em Brasília feito por Zezé, Alice Martins e Claudia Simas. Esta última está desenvolvendo atividades de Arte através de computador com um grupo de adultos que nasceram com paralisia cerebral. Trata-se de trabalho pioneiro no Brasil graças a um esforço interdisciplinar de técnicos de informática, designers e terapeutas funcionais que colaboram com Cláudia Simas. Toda a tecnologia é produzida e/ou adaptada pelo próprio Hospital Sarah.

Quando dirigi o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (87 a 93), Armanda Tojal criou um setor de exposições para deficientes visuais e físicos com obras que poderiam ser tocadas, reproduções em relevo de pinturas e modos de expor que possibilitasse a aproximação de cadeirantes às obras. Este projeto foi mantido por Amanda, através de financiamento externo, até 2002. Em 2003, Tojal migrou para a Pinacoteca do Estado.

Ainda no MAC, durante minha direção, Sylvio Coutinho criou um programa de Arte para idosos, o primeiro atendimento a este grupo na USP, que deu lugar à Universidade da Terceira Idade na referida instituição. É uma experiência de excelência que funciona até hoje (2003). Há mais de dez anos o Very Special Arts do Brasil, que tem abrigo na FUNARTE (órgão do governo Federal), vinha, sob a direção de Albertina Brasil (infelizmente falecida em fins de 2003), difundindo e estimulando o trabalho de Artes com deficientes físicos e mentais. Inúmeros grupos de dança foram criados e, no Congresso de Educação Inclusiva em 2002, em Belo Horizonte, mil e duzentos deficientes físicos e mentais se apresentaram em grupos de dança, teatro, música e exposições de Artes Plásticas junto com outros artistas.

Uma equipe muito pequena, mas extraordinariamente bem preparada, colaborava com Albertina Brasil. Espero que continuem com o mesmo ânimo que os movia quando Albertina os liderava. Os anais dos Congressos do VSA têm textos muito importantes. Além deles, vários livros sobre Arte-Terapia foram publicados por especialistas brasileiros:

Selma Ciornai - Da contra cultura à menopausa: Vivências e mitos da passagem.

Maria Margarida Carvalho (org.) - A arte cura?

Liomar Quinto de Andrade - Terapias expressivas.

Sônia Maria Castelo Branco Fortuna - Terapias expressivas.

Angela Philipini - Cartografias da coragem.

Jo Beneton - Trilhas associativas.

Maria Cristina Urrutigaray - A transformação pessoal pelas imagens.

Maria Heloisa Ferraz - Arte e Loucura: limites do imprevisível.

Cristina Dias Alessandrini - Tramas criadoras.

Heloisa Fagali (org) - As múltiplas faces do aprender.

Susan Bello - Pintando sua alma.

Em meu livro Tópicos Utópicos há um capítulo sobre a diversidade mental. No prelo temos Percursos em Arte Terapia, um livro em dois volumes escrito pelos professores do Sedes Sapientiae. Duas Revistas vêm sendo publicadas com muito sucesso: Arte Terapia; Reflexões do Sedes Sapientiae e Imagens da transformação da Clínica Pomar.

Isto é uma pequena amostragem de nossa inquietação. Que os/as colegas do Brasil que me lêem completem o mapa cognitivo da Arte Terapia em nosso país.

Referências Bibliográficas citadas:

DA CONTRACULTURA A MENOPAUSA - VIVENCIAS E MITOS DA PASSAGEM - Selma Ciornai - Através da escrita de Selma Ciornai, o leitor é conduzido a vislumbrar como é do casamento da paixão e da razão, que pode surgir o ato amoroso da produção de conhecimento. Transitando pela complexidade do campo de questões pertinentes à passagem inerente à menopausa, seu texto desenha um cenário, com delicadeza e sistemático espírito crítico, que oferece uma contribuição significativa ao estudo deste tema..TERAPIAS EXPRESSIVAS - Sonia Maria Castelo Branco Fortuna - O acompanhamento de pacientes idosos demenciados é um desafio para os profissionais e para os cuidadores familiares. Na prática, a irreversibilidade da doença geralmente desestimula investimentos em pessoas que se tornam cada vez mais ausentes e mentalmente comprometidas. Sua qualidade de vida torna-se cada vez mais deficiente. As interações com a família costumam ser fonte de ônus físico e psicológico crescentes. Melhorar as condições de vida dos pacientes é, assim, um objetivo clínico e ético da mais alta relevância. Este livro relata uma experiência clínica de atendimento a uma paciente com diagnóstico de Doença de Alzheimer. Foram usadas terapias expressivas e técnicas da arteterapia. Ajustadas à evolução da moléstia e às características da paciente, elas contribuíram para melhorar e manter a sua qualidade de vida e das relações familiares, e, possivelmente, para retardar o curso da moléstia..TERAPIAS EXPRESSIVAS - Liomar Quinto de Andrade - A arte não se limita apenas ao estético. Ela tem uma função simbólica, criando substitutos da vida, sem nunca ser descrição do real. Neste livro o autor procura mostrar que a arte passa a ser um instrumento técnico e conceitual, que revela a interioridade do ser humano. A arteterapia integra-se como um dos mais importantes métodos de trabalho com o ser humano..ARTETERAPIA - TRANSFORMAÇÃO PESSOAL PELAS IMAGENS - Maria Cristina Urrutigaray - A arteterapia, de acordo com os temas abordados neste livro, também pode ser aplicada como princípio técnico no desenvolvimento de cada disciplina, atuando como método auxiliar aos temas geradores, e proporcionando a criação de ambientes propícios à aprendizagem. O livro aborda os seguintes tópicos - Universo da Arte como Abordagem Simbólica; Arte como Método Terapêutico; Arteterapia - Um instrumento de Desenvolvimento Pessoal; O Emprego da Cor em Arteterapia; A Individuação pelas Imagens na Arte Terapia.

Nota:

Agradeço a Selma Ciornai, Joya Eliezer e Marisa Pirola as informações que me deram para traçar um panorama da Arte Terapia no Brasil.

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano II - Número 01 - Abril de 2004 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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