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Marketing Social e o Valor Social
Autor:
José Américo Sampaio (Zelito) - zelito@uol.com.br

O tema marketing social tem sido muito discutido e questionado no terceiro setor, em função de características extremamente mercantilistas e da dificuldade de utilização neste setor.

É verdade que os princípios em que os conceitos de marketing foram desenvolvidos são os das organizações do 2o setor. O objetivo de qualquer uma destas organizações é remunerar os seus acionistas, os proprietários, ou seja, aqueles que investem seu dinheiro com o objetivo de remunerar seu capital.

Se verificarmos as definições de marketing, em Philip Kotler, um dos mais renomados autores de Marketing, que o apresenta como ”o processo de atender a necessidades do mercado alvo de forma lucrativa”, ou a de Gilbert A. Churchill que define como “a essência do marketing é o desenvolvimento de trocas em que organizações e clientes participam voluntariamente de transações destinadas a trazer benefícios para ambos”, concluímos que marketing é um processo estratégico que trabalha com as relações entre a empresa e o cliente, na busca de resultados positivos para ambos.

Podemos analisar esta relação através das várias orientações que as empresas desenvolveram com seu mercado alvo, iniciando pela orientação de produção - do início da industrialização - que considerava como resultado de sucesso a boa administração da produção. Na seqüência, o sucesso da empresa passou a ser considerado a orientação pelo produto. Nestas duas formas de orientar a gestão da empresa, a visão do cliente era como alguém passivo na relação de troca, e o sucesso era determinado apenas pela gestão eficiente.

Em seguida, com a necessidade de influenciar o cliente na relação de troca, desenvolvem-se a  orientação da empresa por vendas. A partir deste momento, o cliente passa a ser considerado um elemento ativo no sistema da relação de troca.

Nesta nova situação, o Marketing surge para aprimorar a relação de troca. A empresa busca identificar o cliente, entender seus processos de decisão, suas necessidades e procura satisfazê-lo nesta relação de troca.

O sucesso agora é visto como o resultado da relação positiva entre as partes, cada um com sua força, estratégia e rapidez de movimentos para se adaptar a cada nova realidade. Na constatação desta nova realidade definida por forças ambientais, surge o conceito de marketing societal que objetiva responder com eficiência as necessidades dos clientes em melhorar o bem estar da sociedade.

O cliente mudou, a empresa mudou, a sociedade mudou, todos os elementos num processo de ação e reação estão constantemente se adaptando as novas realidades.

O primeiro setor, o governo, se modificou nesta evolução. Considerando apenas as mudanças ocorridas na metade do último século, como as conseqüências do pós-guerra, o início da divisão do mundo em duas partes, capitalismo e comunismo, como o bem e o mal, os anos de guerra fria, em que os governos buscavam provar sua superioridade na tecnologia e na melhor forma de vida para seus governados e nos anos 80, com o fim do comunismo, os governos capitalistas se adaptam a nova situação, passando a ser mais regulador e liberando o poder do mercado. Esta nova situação, o neoliberalismo, e os novos preceitos da globalização transformam as relações entre governos empresas e as pessoas, chegando ao final do século XX com o poder máximo do mercado.

No começo do século XXI, estamos vivendo outra grande mudança, chamada por alguns autores, de neo-imperialismo ou neocolonialismo, que novamente está provocando um desequilíbrio nas relações entre o poder e a sociedade civil.

Seria simplista afirmar que a partir dos anos 90, as razões principais para o desenvolvimento do Terceiro Setor foram somente em função destas mudanças O mais apropriado é considerar que esse desenvolvimento decorreu de um conjunto de mudanças que estariam criando um vetor resultante que proporcionou o desenvolvimento da consciência da sociedade civil, criando reações como o crescimento das organizações do terceiro setor em várias áreas, como pudemos ver, por exemplo, nos objetivos do Fórum Social Mundial.

À esta nova situação, em que a sociedade civil procura se organizar, estão sendo incorporados conceitos de gestão usados no segundo setor como; estratégia, eficiência, sucesso, resultados e o marketing.

No nosso caso, o marketing merece uma atenção maior,  tratado como o estudo e ações de como as relações de troca são efetuadas.

O autor Mike Hodson (1999) ao descrever as diferenças entre os setores, apresenta o esquema que mostra a natureza das transações nos diferentes setores. É a partir dele que podemos encontrar, de uma forma clara, como acontecem as relações de troca.

De acordo com o quadro, podemos verificar a clara relação de troca em cada um dos setores e a diferença que existe entre os setores público e privado e o terceiro setor.

No setor público, as relações entre as partes já estão bem definidas e o marketing político se desenvolveu, cuidando das  três formas de relações com o eleitor: na época de campanha, na época em que governa e na época em que é oposição. Cada um deles tem suas características específicas mas sempre com o mesmo objetivo, qual seja, o de obter o poder através do voto do eleitor.

No setor privado, onde tudo começou, o marketing é desenvolvido na relação de troca com o cliente. O objetivo final deste relacionamento é a efetiva e eficiente troca de bens ou serviços por dinheiro que por sua vez será trocado com o acionista de forma a atingir resultados positivos.

Já no Terceiro Setor, não acontece uma troca efetiva. Quando o financiador investe numa organização, a troca não acontece diretamente. Podemos listar inúmeras razões de troca indireta, que podem ser motivadas a partir de uma indignação, por valores morais, religiosos e até por motivos não éticos.  Sendo assim, vamos considerar o elemento fundamental de troca da ajuda/contribuição, como sendo a satisfação e o valor dado pela sociedade ao compartilhar dos objetivos que a organização propõe atingir.

Nas relações deste subsistema, desenvolve-se o marketing social ou o marketing que envolve causas sociais. O marketing social vem administrar estas relações.

Entre o financiador e a organização, o esforço de marketing tem como finalidade captar fundos para a organização. Na estratégia desenvolvida, tem como foco de troca, as realizações e resultados atingidos pela organização e a importância para o financiador da colaboração para com a organização e conseqüentemente para com a sociedade. A comunicação normalmente desenvolvida, apresenta a organização social, sua missão e realizações, assim como, aquilo que o financiador busca trocar com a organização, isto é, o que tem valor para ele. Este financiador pode ser tanto pessoa física como jurídica.

Nesta relação encontramos uma grande diferença entre o uso do marketing nas organizações do terceiro setor e do segundo setor. Nas empresas o esforço de marketing está relacionado diretamente aos resultados desta empresa, seus produtos ou serviços. São eles que diretamente estão envolvidos na troca, enquanto que no terceiro setor, a receita não é, na maioria das vezes, proveniente diretamente dos produtos ou serviços desenvolvidos pela organização, mas sim da receita de outro tipo de relacionamento com outros elementos.

Fica claro que os resultados alcançados pelas organizações e sua visibilidade são elementos importantes para a realização da troca, apesar de não estar diretamente relacionada.

Neste caso, quem desenvolve o esforço de marketing são as organizações sociais,  de acordo com suas estratégias na busca da sustentabilidade. As ferramentas de marketing podem ser as mesmas utilizadas nas empresas, mas considerando-se as diferenças básicas do objetivo da troca, o lucro e a missão.

Por outro lado, quando uma empresa desenvolve o marketing social, acontece uma forma de triangulação entre os setores. Em principio, a empresa que desenvolve o marketing social envolvendo uma organização social, optou pela forma de gestão de responsabilidade social empresarial no tema comunidade, ou seja, está preocupada, percebe que tem responsabilidade na relação  empresa/comunidade.

Neste caso, o esforço de marketing é desenvolvido pela empresa e utiliza a organização social como fim do esforço desenvolvido. A triangulação acontece quando a comunicação é desenvolvida, informando ao cliente que a empresa, de alguma forma, está contribuindo com alguma organização social e que desenvolve algum projeto social.

Esta contribuição pode ser direta ou indireta, ou a empresa comunica que desenvolve estratégias institucionais para colaborar com organizações sociais, utilizando recursos provenientes indiretamente dos resultados da troca com o cliente ou define diretamente a contribuição que o cliente estará fazendo no ato de troca, através da empresa. As duas formas têm o mesmo objetivo, criar um valor social para a marca ou para o produto. A estratégia só tem sentido porque o cliente alvo está valorizando ações que têm como objetivo melhorar as condições da sociedade e poderá ser uma vantagem competitiva diante da sua concorrência.

Esta mudança dos valores dos clientes, percebida pelas empresas, é de fato conseqüência de uma nova visão que a sociedade tem de si mesma, uma evolução na adaptação nesta nova realidade.

A diferença entre o esforço de marketing social desenvolvido por uma empresa e por uma organização social está na essência de sua razão de ser. Uma empresa busca seu sucesso através dos resultados alcançados na troca com o cliente e na sua perenidade, criando o valor social, enquanto uma organização social busca seu sucesso nos resultados de sua missão que,em princípio, se plenamente atingidos, será o seu glorioso fim.

Esta estratégia desenvolvida pelas empresas, de criar valor social a sua marca, apresenta desdobramentos que estão afetando as organizações sociais que precisam cada vez mais desenvolver estratégias e projetos que respondam às necessidades das empresas que financiam, e tendo, portanto, consciência das relações, dos objetivos e do objeto de troca entre as partes envolvidas.

Por outro lado, a empresa, ao desenvolver seu esforço de marketing social, deve observar as questões éticas que envolvem esta relação, como por exemplo; a relação entre o mal que podem estar causando à sociedade, ou seja, quais as conseqüências sociais daquilo que produzem e de como produzem, ao meio ambiente, ao público interno, à sociedade em geral etc. e o bem que comunicam estar fazendo. A relação entre o valor do investimento social em contrapartida ao valor gasto na comunicação deste investimento também deve ser analisada.

Outra forma que a empresa pode desenvolver o esforço de marketing social é contribuir com organizações que captam recursos para distribuir entre organizações que executam o serviço social que pode ser um Instituto ou fundação criado pela própria empresa.

Nesta estratégia de triangulação, é importante, tanto para a empresa, que terá que definir claramente como esta ajuda estará agregando valor a sua marca, como também a organização social, que deverá ter claro o valor que estará agregando a sua organização, além da verba recebida.

Para as organizações que desenvolvem produtos ou serviços e cobram por eles, sua estratégia de marketing estará mais próxima das empresas e desta forma deverão utilizar os conceitos de mercado, os quatros Ps e as ferramentas de marketing, considerando sempre sua missão.

Nesta relação, organização/usuário, aparece um complicador: existem organizações sem fins lucrativos que sobrevivem dos serviços prestados e desta forma se confundem com as empresas. Um hospital, universidade ou uma outra organização que presta serviços e tem sua receita basicamente dos resultados alcançados, sua estratégia de marketing estará muito próxima de uma empresa, que busca eficiência, qualidade, resultados e muitas vezes tem concorrência no mercado em que atuam. Mas com uma diferença contábil: não existe o lucro; o que poderá existir é a sobra, que deverá ser aplicada na própria organização e sob este ponto de vista, o paralelo entre sobra e lucro não está diretamente relacionado com o seu sucesso, como acontece nas empresas.

Já, as organizações que não cobram pelos serviços que prestam, a relação organização/usuário se desenvolve no estímulo da sociedade em utilizar seus serviços, as organizações que desenvolvem campanhas, estarão criando relação através de idéias ou mudanças de comportamento.

A primeira vez que foi utilizado o termo Marketing social, em 1971, seu objeto estava direcionado na relação de mudança de comportamento, envolvendo a aceitação e influência de idéias sociais. Os primeiros estudos foram desenvolvidos na análise das estratégias de comunicação de massa aplicadas às causas sociais.

Como processo de troca, neste caso, tínhamos de um lado o governo, primeiro setor, ou organizações do terceiro setor, que apresentavam um novo comportamento com intuito de melhorar a qualidade de vida. Problemas de saúde, planejamento familiar e outras idéias eram veiculadas através de meios de comunicação de massa.

Hoje encontramos muitas comunicações neste sentido. As organizações, que prestam serviços, apresentam seus sucessos e métodos, as que desenvolvem o apoio mútuo buscam se fortalecer como grupo e as que desenvolvem campanhas propõem mudanças sociais.

Acredito que através da análise das relações entre as partes envolvidas, contemplando os conceitos básicos de marketing como estratégico e observando a dinâmica orgânica das partes envolvidas, poderemos perceber a complexidade do termo Marketing Social e de que forma pode ser utilizado. Podemos constatar, principalmente, que existe uma grande mudança na percepção e participação do elemento essencial para que a troca aconteça, o consumidor.

Ele não é mais um componente passivo nesta relação de troca, ele percebe e constrói valor e cada vez mais sua compreensão do conceito de dignidade humana e da responsabilidade das conseqüências de seus atos irão interferir na decisão de troca.

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