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O Sentido Semiótico do Signo de Arte Visual [1]
Autor: Vera Regina Vilela Bonnemasou [2] - vera_sou@uol.com.br

Resumo: Este trabalho surgiu do desejo de tornar mais determinado o que vem sendo até aqui considerado inefável – o objeto de arte visual. Para isso, partimos da noção de signo icônico ou hipoícone preconizada por Charles Sanders Peirce. Tendo por guia as categorias peirceanas, associamos as três modalidades às figuras da linguagem, tendo como objetivo o signo de arte visual, cuja retórica se respalda na noção de alotopia. O trabalho é permeado de  exemplos retóricos dos signos imagéticos, diagramáticos e metafóricos tirados da arte propriamente dita, e também de segmentos contíguos a ela, como a publicidade, a charge e a foto de imprensa.

Introdução: Tentando elucidar os três modos do signo icônico por meio dos níveis apresentados pelas categorias peirceanas, os relacionamos às figuras da linguagem ou da retórica. Num primeiro momento, associamos o hipoícone à metáfora considerada num sentido amplo, visto que a imagem e a metáfora, agora no sentido estrito, são figuras de linguagem. Só depois de algum tempo percebemos que, se alguma das figuras deve ser considerada como um sinônimo de hipoícone, esta deve ser, preferivelmente, a imagem. Seria este um processo semelhante à divisão do signo (sentido geral) em signo (representamen), objeto e interpretante. Assim, sendo o ícone uma imagem mental, o hipoícone seria uma imagem material, algo situado num nível inferior ao maior grau de iconicidade, definido por Lúcia Santaella como ícone puro[3].

Por outro lado, percebemos que Peirce não pensou especificamente nas figuras da linguagem ao fazer esta divisão, sendo antes uma classificação geral e abstrata; assim, o segundo modo, o Diagrama, não é uma figura, mas antes, um conceito matemático aplicado num outro contexto.Trata-se de uma analogia estrutural [4], ou seja, entre o signo e o objeto há uma similaridade que afeta as relações que mantêm as partes que compõem tanto o signo como o objeto. Assim, nosso referencial na perquirição do significado das três modalidades do hipoícone não foi a lingüística mas, em primeiro lugar, as categorias  definidas  por Peirce às quais procuramos adaptar as figuras da linguagem.

Para chegarmos a uma melhor compreensão do esquema do hipoícone em sua relação com as três categorias, partimos do que se poderia chamar o conceito estrito de imagem, “ligado ao seu caráter ontológicamente indicial e especular” [5] para, a partir deste, podermos conceituar as suas três modalidades.

A imagem

Martine Joly afirma que “o ponto comum entre as significações diferentes da palavra ‘imagem’ (visual, mental e virtual) parece ser, antes de mais nada, o da analogia”. [6] A imagem é considerada como algo que se assemelha a outra coisa, seja esta material ou imaterial, natural ou fabricada. [7] Entretanto, desde a sua origem, a imagem com seu significado de Imago ou imitari (reduplicar), possui uma oposição semântica, a da ótica e a da escritura. Assim como a letra, a figura não significa o que mostra mas torna-se imagem a medida em que é codificada retoricamente. [8]

Isto implica em que mesmo a imagem mais realista possui sempre uma brecha por onde pode-se fugir ao seu  sentido literal e justamente este salto, que constitui a sua retoricidade ou figuralidade é o sentido a que esta pode almejar. Assim, as figuras da retórica funcionam como códigos que irão permitir a interpretabilidade da imagem, desde que se admita que  perceber difere de interpretar, lembrando que a convenção está fortemente inscrita na imagem.

Relacionada dominantemente ao ícone, a imagem apresenta um sentido figurado. Sabe-se que esta designação feita por Peirce  não está desvinculada do sentido conferido ao ícone bizantino, como uma porta que se abre ao devoto para que ele possa se encontrar com a divindade. [9] É, assim, como epifania [10] que a imagem se relaciona com o ícone,  ou seja, como algo material que conduz ao aparecimento do espiritual ou inefável.

A imagem, como figura retórica, é associada à arbitrariedade da imaginação, capaz de aproximar duas coisas aparentemente distantes. Deste ponto de vista, ela estaria “aquém da reflexão e da percepção”, [11] sendo “obra da imaginação absoluta”. [12]

Isto pode ser relacionado com a figuração no sonho que não é feita para ser compreendida a não ser na sobredeterminação operada pelos mecanismos do deslocamento e da condensação os quais correspondem em uma retórica do inconsciente à metonímia e à metáfora. [13]

Concluindo, a imagem é essencialmente visual e analógica, relacionando-se com seu objeto mimeticamente, ao mesmo tempo em que possui um elemento retórico ou convencional que lhe é conferido pelo seu contexto.

Imagens

O primeiro modo do signo icônico,“Imagens”, tem o seu sentido instaurado pela idéia de imagem, como  foi visto acima, e embora isto pareça tautológico, na verdade é um insight que permite entender o que Peirce tinha em mente com esta discriminação entre imagem e metáfora, uma vez que especifica a distinção entre esses dois termos do ponto de vista retórico.Tendo o concreto da imagem como modelo - a sua literalidade, aparece claro o papel desta como figura, no contexto do esquema do hipoícone, pois, como vimos, mesmo neste primeiro nível já existe o “sentido investido”, como o denomina Schefer, e isto significa que algo é acrescentado à reprodução da aparência do real, ou seja, a semelhança não é destituída de codificação. Este é, aliás, o que se entende como  sendo o sentido semiótico.

Acreditamos, dentro do parâmetro adotado, que considera a Imagem o primeiro modo do hipoícone, como relacionada dominantemente ao seu aspecto qualitativo (o qual reside em sua materialidade, ou seja, em suas qualidades materiais), ser  pertinente associá-la à simples mimese e lembrar que  a imagem pode ser quase idêntica ao objeto representado, como ocorre nas figuras de cera ou dele divergir pela própria bidimensionalidade ou deformações que visam principalmente lhe acrescentar um sentido simbólico. Como exemplo deste primeiro modo, podemos citar as figuras de Modigliani com suas  formas alongadas ou as de Matisse onde a cor é que possui o elemento retórico pois pensa-se numa cor relacionada, por exemplo, ao contexto do corpo humano e aparece uma outra. [14] Algumas imagens surreais adeqüam-se a este primeiro item quando a alteração  por elas apresentadas ocorre dominantemente ao nível  sintático. É o caso da pintura “Abaporu” de Tarsila do Amaral (fig.1).
 
 

Fig.1. Abaporu. Tarsila do Amaral. Óleo sobre tela, 85x73 cm, 1928.
Fonte: Grandes personagens de nossa história. Mario de Andrade, p.936.

Percebe-se, deste modo, que a imagem se refere ao significante mas este funciona como uma ponte, ou, seria melhor dizer, uma porta, para se penetrar em seu verdadeiro sentido. Este se assemelha ao que acontece na linguagem verbal quando ocorre a paronomásia, ou “paramorfismo” - segundo Pignatari uma expressão mais adequada à “figura fundamental e distintiva do eixo paradigmático de forma genérica e abrangente” visto que é impróprio falar-se de uma paronomásia visual. [15] Assim, neste primeiro nível, podemos dar como exemplo visual o cartum “De la mística" (fig.2), no qual o paradigma se espalha pelo resto da composição.Talvez fosse melhor falarmos aqui em isomorfismo, palavra que, em nossa opinião, define melhor este caso que ocorre no primeiro nível do signo icônico.



Fig. 2. De la mística. Cartum. Maximo.
Fonte: Polemic Images: Metaphor and index in the language of political cartoons,Cristina Peñamarin. VS. 80/81,1998, p.131

Pensamos ser mais adequada a expressão “isomorfia” para caracterizar a semelhança mimética própria da imagem enquanto concordamos com Haroldo de Campos quando ele salienta que o termo “paramorfismo” possui o prefixo grego “para”, que se refere ao “aspecto diferencial, dialógico do processo... e possui o significado de “ao lado de” como em paródia “canto paralelo” [16]. Assim, reservamos este segundo termo que se adeqüa melhor à secundidade, ao segundo modo do hipoícone, o Diagrama.

Seguindo o esquema elaborado pelo Groupe Mu, a paronomásia é um metaplasmo que ocorre por adjunção repetitiva. Parece haver aqui, segundo Pignatari, o primeiro tipo de montagem, ao nível do significante [17], no qual aparecem todos os tipos de anagramas através do qual “o texto estabelece uma rede de conexões embutidas e acopladas por aglutinação”. [18]É preciso notar que, além destes casos de aglutinação interna por semelhança, existem também os que são proporcionados pela sinestesia, oferecendo a apreensão do estímulo como um todo. [19]

Concluindo este primeiro item, compreende-se que a materialidade de palavras, formas, cores, linhas, constitui para o poeta ou artista, o sentido, neste primeiro nível, mas as  imagens relacionam-se dominantemente com os valores que as fizeram imagem. [20]Daí podermos associá-las ao primeiro fator da comunicação verbal, via Jakobson, o emissor, e concomitantemente à função emotiva ou expressiva da linguagem.

Do exposto, fica claro que as três modalidades referem-se ao eixo de similaridade, entretanto no caso da imagem, o nível mais icônico, a semelhança é um caso de espelhamento do qual o mito de Narciso, assim como o de Pigmaleão, é o modelo. Entretanto há um outro aspecto da imagem, no qual o sentido essencial é talvez o de “emanação” do real, conforme foi definido por Barthes em relação à fotografia, mas que pode ser estendido, não tão propriamente, é verdade, a qualquer imagem: é  o sentido de traço  que também pode ser relacionado ao de marca como a que foi deixada sobre um véu pela face de Cristo, daí ela ser considerada, neste caso, como não feita pela mão do homem. Mas aqui já estamos no domínio do índice  que é relacionado ao segundo modo do hipoícone - o diagrama.

Diagramas

Referindo-se à uma similaridade entre estruturas, o diagrama  é um tipo de pensamento espacial, visto que não ocorre em seqüência ou linearmente, mas por justaposição como em uma colagem. [21]De uma certa forma, toda significação no signo icônico ocorre por justaposição, daí Pignatari postular três tipos em que esta pode se dar, relacionando-as com a idéia de montagem.Assim, nas palavras deste autor, “dependendo do desvio que o signo icônico-poético sofre, por atração do eixo de contigüidade, podemos distinguir três tipos de montagem:

a) Montagem 1- Montagem sintática ou montagem propriamente dita. A parataxe e o paramorfismo coordenam o processo.É a montagem do cubismo e mais ainda de Mondrian (...)
b) Montagem II- Montagem semântica ou colagem. (...) Pound, o cubismo, quando satura o código por meio de colagens e frotagens (...)

c) Montagem III- Montagem pragmática ou bricolagem: o universo da contigüidade invadindo o pólo da similaridade (...) os poemas-objetos; o pastiche.”

Na concepção deste autor, estes três tipos parecem dar conta dos signos icônicos, assim, poderíamos conceber  a montagem I como referente à Imagem, a montagem II ao Diagrama e a  montagem III à metáfora. Entretanto, consideramos mais pertinente considerar a montagem relacionada dominantemente ao diagrama, e suas modalidades  seriam  os três graus que ela pode assumir dentro desta chave.

Exemplar do primeiro modo do diagrama é o paromorfismo, cujo modelo é “Le violon d’Ingres” (fig.3), uma foto de Man Ray na qual os efes do violino são desenhados no corpo da mulher. É o caso descrito por Plaza como topológico-metonímico no qual os significantes “procuram a conexão sintagmática que alude à relação de contigüidade, produzindo um efeito de sentido. Os elementos deslocados podem, assim, ser “orientados” espacialmente e contextualmente, procurando novas organizações e cristalizações”. [22]
 
 

Fig. 3. Le violon d’Ingres . Fotografia. Man Ray.
Fonte: Internet.

Muito ligada a este deslizamento de significantes está a questão da alotropia. A retórica é para o Groupe Mu “a transformação regrada dos elementos de um enunciado tal que ao grau percebido de um elemento manifestado no enunciado, o receptor deve dialeticamente superpor um grau concebido. A operação apresenta as fases seguintes: produção de um desvio que se denomina alotropia, identificação e reavaliação do desvio”. [23]

A alotropia está  portanto relacionada ao índice, desde que indica uma disparidade entre uma parte e a  outra, daí poder ser também associada à metonímia. Em relação ao signo visual, a metonímia é a  figura principal, daí a importância do elemento indicial na semiótica da retórica. Pignatari [24] notou esta discrepância entre o postulado Jakobsoniano e as artes visuais, as quais, privilegiando o espaço, recaem na utilização da parte pelo todo mais que na transferência de sentido mais própria da linguagem literária.

Como segundo caso da segunda modalidade do diagrama, citamos a frotagem de Max Ernst, La fiancée du vent (fig. 4), forma de expressão que, no dizer de Pignatari, assim como a colagem, ocasiona a saturação do código..  Assim é que vemos impresso neste desenho o objeto que lhe deu origem, um índice genuíno, portanto, “na medida em que assinala a junção entre duas porções da experiência”. [25]



Fig. 4. La fiançée du vent. Frotage e lápis sobre papel, 1925.
Fonte: Histoire d’un art. Le dessin, p.226.

Finalmente o terceiro caso da segunda modalidade do diagrama, também pode relacionar-se à noção de bricolagem como é o caso da obra de Picasso “O touro” [26] (fig.5), uma colagem de dois elementos que conservam suas características específicas constituindo o que Pignatari designa como o terceiro tipo de montagem e que é definido como “o universo da contigüidade invadindo o pólo da similaridade”. [27]



Fig . 5. Cabeça de touro. Pablo Picasso, 1943.
Fonte: “Picasso by Picasso”, Time, nov. 1971.

Associando o diagrama ao conceito de montagem, no seu primeiro caso, relacionado à primeira categoria há a dominância da similaridade e do ícone. É a montagem propriamente dita. Enquanto no terceiro caso, a bricolagem é da ordem da contigüidade e relacionada ao símbolo, no segundo caso, a colagem propriamente dita faz a intersecção entre o primeiro e o terceiro,  sendo da ordem do índice. [28]

Metáforas

Chegamos finalmente à metáfora, a terceiridade do signo icônico, que devemos portanto relacionar ao símbolo como este é compreendido por Peirce – um signo convencional, isto querendo dizer que a metáfora é, de certa forma, arbitrária, não se funda numa semelhança mimética com a realidade, nem por qualquer semelhança de relações entre o signo e o objeto, mas é criada por um processo mental que associa ao sentido figurado, um outro signo. Este é o aspecto genuinamente metafórico, a mediação ou terceiridade, relacionada ao símbolo (generalidade). Mas a metáfora possui embutidos um índice(interação) e um ícone (similaridade) assimilando as características já  descritas do diagrama e da imagem. Daí que ela se distinga do símbolo, pois, ao contrário deste, a metáfora não pode ser interpretada literalmente – ela nunca diz  a verdade.
 

Se na metáfora verbal é fácil distinguir uma comparação de uma metáfora in praesentia, desde que na primeira temos o “como” que une os dois termos, ausente na segunda, na metáfora visual ambas se reduzem à uma comparação metafórica. Segundo o Groupe Mu as figuras in praesentia, consistem nas Interpenetrações e nos Acoplamentos; portanto, referem-se ao primeiro e ao segundo  nível do hipoícone. Assim, reservamos para a metáfora o domínio das figuras in absentia.

Diferentemente da Imagem, a metáfora admite ser parafraseada, embora de forma redutora, [29] o que lhe confere um sentido semântico. Assim, podemos dizer diante da tela de Magritte “O terapeuta” (fig.6) que a gaiola é a caixa torácica do ser humano e a capa é ao mesmo tempo o que cobre a gaiola para ajudar os pássaros a dormir e a capa que os fotógrafos tradicionais, antigamente, punham  sobre a cabeça antes de dizer a frase: Atenção, o passarinho vai sair. O chapéu e a bengala transmitem a idéia de viagem ou mesmo de  vagabundagem que pode ser relacionada à fábula de la Fontaine sobre duas pombas que habitavam o mesmo lar no qual uma se enfadava um pouco, daí uma das pombas já se encontrar fora da gaiola enquanto a atitude da outra demonstra uma certa apreensão. [30] Deste modo, podemos dizer que se trata de um viajante dividido entre o lar e os novos caminhos que deve percorrer.



Fig. 6. Le thérapeute. José Pierre Magritte.1937.
Fonte: Magritte,1984.

Como vimos, enquanto o elemento imagético possui um lado subjetivo de difícil tradução, o elemento diagramático pode ser explicado por meio da noção de alotropia, ou seja, da descontinuidade que aparece numa figura sugerindo que uma de suas partes deve ser substituída por outra, o que determina que a figura se torne isotópica. Deste modo, o elemento indicial consiste na indicação do gênero a que pertence determinado elemento. Quando consideramos um enunciado não aceitável, projetamos o grau concebido.

Colocamos neste terceiro item, a famosa colagem “Rencontre de deux sourires” (fig.7) de Max Ernst, na qual percebemos uma alotropia entre “a cabeça de pássaro” e o “corpo humano” que a contém. [31]Uma resolução desta  é considerar a cabeça de pássaro como o grau percebido icônico, e a cabeça suposta do ser cujo corpo está manifestado como o grau concebido.



Fig.7. Rencontre de deux sourires. Max Ernst.
Fonte: Traité du signe visuel.

Como exemplo de metáfora (conjunção em ausência) do signo plástico o Groupe Mu  fornece-nos a tela de Vasarely intitulada Bételgeuse, (fig.8) na qual aparecem fileiras constituídas por círculos e repentinamente surge um quadrado. A espectativa pelo círculo é engendrada na imagem pelo dispositivo regular imaginado por Vasarely.



Fig.8.Bételgeuse. Vasarely.
Fonte: Grupe Mu. Traité du signe visuel.

Mais interessante é a metáfora do signo plástico unido ao icônico, cujo exemplo ideal é “A grande onda” de Hokusai, a gravura mais famosa da série “Trinta e seis e cem vistas do Fuji” (fig.9), na qual aparece o monte Fuji eneveado, percebido entre as vagas espumantes. Esta gravura é citada pelo Groupe Mu como exemplo de acoplamento plástico desde que nela há uma integração plástica entre a montanha e a onda ( assim como entre esta e a barca), o que desemboca no sentido metafórico: o monte Fuji  - vaga imóvel, a vaga- montanha em movimento. [32]



Fig.9. A grande onda. Hokusai.
Fonte: Internet.

Segundo o esquema do signo icônico concebido por Peirce, a Metáfora aproxima-se mais da alegoria, sob a rubrica da qual destacamos figuras como a ironia, a hipérbole, a lítotes e o paradoxo, ficando a metáfora propriamente dita mais ao nível do modo predominantemente icônico, ou seja, a Imagem. A figura denominada paradoxo pode ser exemplificada com o poema objeto de Joan Brossa “Sem acaso” (fig.10).



Fig. 10. Sans hasard. Poema-objeto, 1988. Joan Brossa.
Fonte: Cult. Revista brasileira de literatura, p.44.

Martine Joly nos diz que a alegoria é, freqüentemente, confundida com o símbolo porque, como este, ela deixa o destinatário livre para fazer ou não uma interpretação literal, apenas com a diferença que a alegoria coloca, em relação imediata, imagens já vistas e códigos já conhecidos, com os quais estamos “familiarizados graças ao tesouro da intertextualidade”. [33]

Este estudo das figuras relacionadas ao signo visual de arte pode estender-se  à segmentos contíguos ao do objeto de arte propriamente dito, como a foto de imprensa e a publicidade. No primeiro caso temos a foto “O corpo de Che apresentado à imprensa” (fig.11) uma alegoria visto que é uma dupla citação da “Lição de anatomia” de Rembrandt e do “Cristo morto”de Mantegna. Deste modo, é acrescentado, à interpretação da foto, o significado de sacrifício e de dissecção. [34]



Fig.11. O corpo do Che apresentado à imprensa. Freddy Alborta. Out, 1967.
Fonte: L’image et les signes, Martine Joly. p.151.

Do segundo caso citamos uma das publicidades feitas por Carlos Moreno para a campanha  da marca Bom Bril, uma ironia a partir do retrato da Gioconda de Leonardo da Vinci, uma figura de linguagem correspondente a de estilo denominada paródia. (fig.12) A agência responsável pela campanha investiu na escolha de retratos, cada um referindo-se a um setor da sociedade, contando, para isso, com o sentido emocional do humor a determinar um alto poder retórico.


F
ig.12. Publicidade. Carlos Moreno.
Fonte: Soy contra capa de revista.1001 anúncios da Bom-bril. W Brasil, 2000.

Concluindo, vemos que o sentido instaurado em cada um dos três níveis examinados do signo icônico é determinante para a compreensão do signo de arte visual, não se podendo admitir que uma obra imagética seja decodificada segundo os parâmetros de outra diagramática ou metafórica. Mesmo considerando que nos três níveis a primeiridade é dominante há uma diferença determinada pela relação do signo ao objeto o que nos indica como o signo deve ser visado para que possa ser apanhado nas malhas da significação.

Referências Bibliográficas:

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FINGER, I. Metáfora e significação. Porto alegre: EDIPUCRS, 1996. GROUPE MU. Traité du signe visuel. Paris: Seuil,1970.
HALEY, M.C. The semeiosis of poetic metaphor.  Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press,1988. 

LEMINSKI, P. Jesus a.C. São Paulo: Brasiliense, Encanto Radical,

JOLY, M. L’image et les signes. Paris: Nathan,2002.

________. Introdução à análise das imagens. Campinas, S.P.: Papirus, 1999.

PLAZA, J. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva,1987.

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SANTAELLA, L. A percepção. Uma teoria semiótica, São Paulo: Experimento, 1993.

________. A teoria geral dos signos.Semiose e autogeração. São Paulo:Ática, 1995.

SCHEFER, J.L. A imagem: o Sentido investido, in A análise das imagens, Petrópolis: Vozes,1973.

Artigo em revista:

PIGNATARI, D. “Semiótica da montagem”,in Através, nº 1, São Paulo: Martins Fontes, 1983.

Catálogo:

FLORIÊVASKE, P. Exposição:500  Anos de Arte Russa, 2002.

Notas:

[1] Este trabalho foi apresentado com o título Le sens sémiotique du signe de l’art visuel no congresso da AISV, Association Internationel De Sémiotique Visue , realizado na Ciudad de México em dezembro de 2003. Apoio: Fapesp.

[2] Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
[3] Lucia Santaella, Teoria Geral dos Signos, p.153.
[4]A noção de estrutura em ciências humanas não difere muito do que em matemática se denomina um conjunto: um todo constituído por partes articuladas. As partes são chamadas de elementos, as articulações definidas por uma expressão indicadora de relações por meio da qual é possível obter qualquer elemento do conjunto. Esta expressão recebe o nome de modelo”. Cf. Barthes et al.,1971:8.
[5] Martine Joly, L’image et les signes, p.61.
[6] Martine Joly, Introdução à análise da imagem, p.38.
[7] Ibidem.
[8] Jean-Louis Schefer, A imagem: o sentido investido. In: A análise das imagens, p.127.
[9] Sabendo-se que o ícone peirceano  deriva da idéia do ícone russo, achamos interessante colocar aqui esta descrição:  “No vigor da oração dos grandes ascetas os ícones foram não só a janela que deixava ver os rostos neles representados, mas a porta pela qual estes rostos entravam no mundo sensível. É pelos ícones que desciam os santos aos fiéis que rezavam.” Pavel Floriêvaske . Exposição:500  Anos de Arte Russa.
[10]Aparição ou manifestação divina (Dic.Aurélio).Segundo Leminski são “epifanias  (em grego sobre-aparições), nós de histórias donde se desprende um sentido geral.(...) Esse procedimento de revelar ocultando tem um sabor, indisfarçavelmente, zen.Cf. Paulo Leminski, Jesus a.C., p. 58.
[11] André Breton, apud  Pierre Caminade, Image et métaphore, p. 69.
[12] Bachelard, apud Pierre Caminade, op. cit. , p.69.
[13]Haveria no sonho dois mecanismos principais pelos quais se dissimula e se revela o inconsciente; o primeiro é o mecanismo de condensação (verdichtung) que consiste na substituição de um significante por um outro significante” que “pode se aproximar da metáfora”.(...) A criação onírica da metáfora estaria ligada ao recalcamento.“O segundo mecanismo seria o da transferência (verschiebung). Ele corresponderia à metonímia.Cf. Pierre Caminade, Image et metaphore, p. 77-8.
[14] Groupe Mu, Traité du signe visuel, p. 281.
[15] Décio Pignatari, Semiótica da montagem in Através, p.168.
[16] Haroldo de Campos, apud Julio Plaza, Tradução Intersemiótica, p.90.
[17] Décio Pignatari, Semiótica e literatura, 169.
[18] Julio Plaza, Op. cit., p.82.
[19] Ibidem.
[20] Pierre Caminade, Image et métaphore, p.56.
[21] Vem a propósito a famosa frase de Apollinaire: “...é preciso que nossa inteligência se habitue a compreender sintético-ideograficamente em lugar de analítico-discursivamente”.Augusto de Campos et al., Teoria da poesia concreta, p.27.
[22] Julio Plaza, op. cit., 92.
[23] Groupe Mu, Traité du signe visuel, 256.
[24]Nota - Em certos sistemas icônicos, como na pintura, por exemplo, os fenômenos parecem inverter-se. Assim, o surrealismo , “metafórico”, é mais literário(baseando-se na contiguidade); o cubismo, “metonímico”, é antes paronomástico (paramórfico).” Cf. Décio Pignatari, Semiótica e literatura, p.156.
[25] Charles Sanders Peirce, Semiótica, p.67.
[26] Interessante é a observação feita pelo Groupe Mu (1992:404), que o fato das peças da bicicleta serem coladas em bronze é uma operação, em si mesma, retórica, pois faz com que o percebido sejam as  peças da bicicleta mas o concebido seja uma escultura, desde que o bronze conota a esculturalidade, isto sendo especialmente válido para a época em que a obra foi realizada.
[27] Décio Pignatari. “Semiótica da montagem”,in Através, p.170.
[28] Décio Pignatari, Semiótica da montagem in Através, p.170.
[29] Black nos diz que  “o conjunto de sentenças literais que foi obtido através de um proferimento metafórico nunca será capaz de informar e iluminar na mesma intensidade que a metáfora original, embora auxilie na sua interpretação”.Cf. Max Black,apud Ingrid Finger, Metáfora e significação, p.50.
[30] Yves Raynaud (org.). Magritte, p.61.
[31] Groupe Mu, Traité du sine visuel, p. 256.
[32] Groupe Mu, Traité du signe visuel, p.352-5.
[33] Martine Joly, L’image et les signes, p.143.
[34] Martine Joly, op.cit., p.148.
 
 


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