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PERSPECTIVAS NO ENSINO DAS ARTES VISUAIS
Autora:
Teresa Eça - teresa@apecv.pt

Resumo: Este texto apresenta uma reflexão pessoal a partir de algumas perspectivas sobre a importância do ensino das artes visuais, centrando-se na via de uma educação artística para a compreensão.

Abstract: The paper presents a personal reflection about some rationales for art education focusing on a possible path of art education through contextual understanding.

De entre as variadas finalidades que consideramos importantes na educação, duas são muito especiais: queremos que os nossos estudantes sejam bem informados, ou seja que compreendam idéias importantes, úteis, belas e fundamentais e queremos também que eles tenham o apetite e a habilidade de pensar analiticamente e criticamente, que sejam capazes de especular e imaginar, de ver conexões entre idéias e serem capazes de usar os seus conhecimentos para enriquecer as suas vidas e contribuírem para a sua cultura. (Eisner, 1997)

1. As artes na educação

A partir de perspectivas psicológicas ou psicopedagógicas, a aprendizagem no campo das artes exige um pensamento de ordem superior (Vigostky, 1979). Na compreensão e produção artística desenvolvem-se estratégias intelectuais como por exemplo a análise, a inferência, a definição e resolução de problemas entre outras. Além disso quando um estudante realiza uma actividade de compreensão artística, potencia uma habilidade manual ou desenvolve um dos sentidos (o ouvido, a vista, etc.) mas também e sobretudo desenvolve a mente, quer dizer, as suas capacidades de discernir, interpretar, compreender, representar, imaginar.

Existem várias experiências actuais que demonstram a importância da arte educação ou educação artística no ensino[1], mostrando em particular como o desenvolvimento estético pode promover domínios de aprendizagem sócio-emocional, sócio-cultural e cognitivo. Na 30ª Conferência da Unesco, em Novembro de 1999, foi lançado um apelo global para a promoção da educação artística e da criatividade nas escolas, esta ONG tem trabalhado afincadamente neste tema desde o relatório de 1996[2] através da publicação de relatórios e conferências[3] para a divulgação dos benefícios da educação artística para a aprendizagem e para o desenvolvimento sustentável dos povos. As artes são uma via de conhecimento caracterizado pela utilização constante de estratégias de compreensão e a educação pelas artes apresenta amplas referências sobre questões como a universalidade ou a variedade da experiência humana, similares às que se podem levantar pelos físicos sobre a ordem e o caos ou os modelos de representação do universo. No entanto a escola como instituição onde o conhecimento se deve adquirir não parece reconhecer por completo a importância das artes, por vezes tidas como disciplinas secundárias tanto por educadores como por alunos e encarregados de educação. Tal se deve a uma má compreensão e até desconhecimento do papel das artes no desenvolvimento da criança e do adolescente.

2. Diferentes perspectivas sobre a importância das artes visuais             

Embora se parta do princípio que todas as artes devam fazer parte do ensino, este artigo foca essencialmente questões relativas ao ensino das artes visuais. Segundo Hernandez (1997) a Educação artística tem vindo a justificar a sua importância como área curricular por diferentes razões ao longo da sua história, os argumentos que a justificam revelam o espírito da época e a visão muitas vezes política do que se pretende ser a sociedade do futuro. Por exemplo:

- O argumento Industrial considera que as destrezas, os critérios e o gosto veiculado pelas artes contribuem para o desenvolvimento do país;

- O argumento histórico utiliza como argumento o fato de que a arte tem um papel reconhecido pela história;

- O argumento baseado no desenvolvimento econômico diz que a arte é uma maneira de acompanhar os países mais desenvolvidos;

- O argumento moral considera que a educação artística contribui para a educação moral das crianças através do cultivo da sua vida espiritual e emocional;

- O argumento expressivo acredita que as crianças devem poder projetar os seus sentimentos e emoções e o seu mundo interior através da arte;

- O argumento cognitivo considera que a arte favorece o desenvolvimento intelectual das crianças, este ponto de vista teve maior enfoque a partir da revolução cognitivista e da educação conceptual dos anos sessenta;

- O argumento perceptivo defende a necessidade de que através da arte as crianças podem desenvolver a sua percepção visual, na dimensão estética e através da observação e análise dos elementos formais, desenvolver habilidades plásticas;

- O argumento criativo argumenta que se a escola deve favorecer o desenvolvimento de capacidades criativas as artes são de vital importância para esse desenvolvimento;

- O argumento comunicativo considera que se vivemos numa cultura dominada pela imagem é importante que os estudantes aprendam a ler e a produzir imagens. Alguns aspectos da semiótica e a importância da aprendizagem de conceitos da linguagem formal são os eixos que sustentam essa forma de racionalidade;

- O argumento interdisciplinar pretende que se a Educação artística quer ter um reconhecimento similar às outras matérias do currículo deve organizar os seus conteúdos segundo quatro grandes áreas: Estética, História, Crítica e Oficina. Este argumento surgiu nos Estados Unidos nos fins dos anos sessenta e foi divulgado com o apoio da Fundação Getty com o nome de DBAE (Discipline Based Art Education);<

- O argumento cultural considera que a arte é uma manifestação cultural e que os artistas realizam representações que são mediadoras de significados em cada época e cultura. A compreensão (na sua dupla dimensão de interpretação e produção) de esses significados é o objetivo prioritário da Educação artística para alguns docentes do início dos anos noventa. Esta tendência filia-se no contexto da denominada pós modernidade cultural, revendo o atual estado da arte e o papel que exercem as imagens (reais e virtuais) na construção de representações sociais.

3. Educação artística para a compreensão

Atualmente, acreditamos que o argumento cultural definido por Hernandez (1997) é o mais adequado para justificar e desenvolver programas de Educação visual em todos os níveis de ensino, não só porque apresenta uma visão atual da arte e da sociedade mas também porque propõe a Educação artística para a compreensão, o esquema da figura 1 sistematiza sumariamente esta abordagem. Conceito útil numa atualidade onde o que se considera arte se caracteriza pela dissolução dos seus limites (tanto dos media como dos conceitos), o que leva a que as manifestações e objetos artísticos se mostrem mais para ser compreendidos (os seus significados) do que para serem vistas (como estímulos visuais). Esta preocupação com o significado da arte coincide com um interesse similar noutros campos como a antropologia ou a psicologia e com um conceito de cultura como fator explicativo de representações e comportamentos dos seres humanos (Hernandez, 1996).

Saber Ver

Ver/fazer

Saber Fazer

Saber interpretar

A Percepção Visual

Estabelecer pontes entre as duas ações através de uma linguagem que articula e veicula os media visuais

Representação

Conjunto de técnicas e atitudes conducentes ao processo de criação na produção artística

 

1. Percepção Visual

2. Linguagem Visual e plástica

3. Expressão gráfico-plástica

4. Leitura, análise e interpretação de imagens

Procedimentos

Observação da informação visual

Uso da linguagem visual e plástica

Técnicas da expressão gráfico-plástica

Tecnologia, transformação, experimentação

Observação e análise de formas e imagens e textos visuais

Sistemas de concepções

Percepção Visual

Linguagem Visual e Plástica

Expressão gráfico-plástica (criação, expressividade, imagem)

Análise crítica

Desconstrução de textos e imagens

Valores, normas e atitudes

Sensibilização para os fenómenos estéticos

Desenvolvimento da capacidade crítica

Interesse pela realização das atividades gráfico-plásticas (interesse, constância, auto-exigência...)

Figura 1: Linhas Orientadoras da  Educação Visual (a partir de Hernández, F. (1997) Educación y Cultura Visual. Sevilla: Morón)

Esta nova visão da Educação visual situa a interpretação no centro do programa de ensino. Segundo Parsons (1992) a linguagem é o mediador do processo de interpretação visual que não é só verbal ou visual mas também se vincula nos processos artísticos.

Tomemos como finalidade principal da Educação visual: Favorecer a compreensão da cultura visual através de estratégias de interpretação a partir de objetos (físicos ou midiáticos) que constituem a cultura visual. Este tipo de enfoque engloba muitos processos cognitivos e metacognitivos e vai para além da simples resolução de problemas de produção artística. A cultura visual é um universo de significados, a educação para a compreensão da cultura visual pretende estudar a dinâmica social da linguagem que clarifica e estabiliza a multiplicidade de significados através dos quais o mundo se apreende e representa (Hernandez,1997).

Exemplos da prática pedagógica têm vindo a ilustrar esta perspectiva. Numa escola primária[4] dos arredores de Barcelona após uma visita a uma exposição de obras de Lucien Freud onde os alunos viram como corpos propositadamente deformados poderiam ser belos, a professora pediu aos alunos para abordarem visualmente o tema do corpo humano; cada aluno trouxe para a sala de aulas uma imagem do corpo, na maioria os alunos, influenciados pela aprendizagem do corpo humano em ciências, traziam imagens de fragmentos do corpo: uma cabeça, um pé, um braço, alguns trouxeram imagens de anúncios publicitários. Com a ajuda da professora interpretaram as imagens levantando questões tão variadas como as relativas ao funcionamento do corpo; à relação da pessoa com o seu corpo; à relação do corpo com o ambiente; diferentes modos de representar o corpo segundo culturas e crenças. O debate seguiu para questões de gênero e de raça e no final deste projeto de trabalho as crianças representaram o seu próprio corpo em suportes plásticos. Noutra escola primária[5] desta cidade uma outra professora foi com os alunos visitar uma exposição de quatro mulheres pintoras, surgiu a pergunta porque existem tão poucas mulheres na história da arte? As crianças a partir de enciclopédias foram listando nomes de artistas-mulheres, datas das suas biografias e locais de origem. Organizaram a informação aprendendo noções de geografia, história e arte; apesar da tenra idade (8-9 anos) discutiram o papel da mulher na sociedade em diferentes contextos com rigor e seriedade.

Num atelier de tempos livres na zona centro de Portugal, a professora propôs às crianças o tema: ‘a arte pode contar histórias’, as crianças partiram da interpretação pessoal de obras de Paula Rego; Norman Rockell e Marc Chagall para fazerem oral e visualmente as suas histórias, pelo meio foram aprendendo muitas coisas; discutindo diferentes maneiras de viver, locais e culturas; apercebendo-se de como a sua cultura era rica e de como as outras culturas também o eram. Este projeto fez parte de um intercâmbio com uma outra escola primária nos Estados Unidos[6], através da troca de desenhos das crianças e sua interpretação os meninos e meninas tiveram acesso a outros universos de ser e de fazer. No ano seguinte as professoras continuaram este tipo de partilha com o tema: ‘os meus jogos preferidos’.

Neste ano (2005) está em curso um outro projeto de intercâmbio dirigido pelo Professor Kinichi Fukumoto[7] com vários países sobre o tema: “Creating Imaginative Lunch for a Foreign Friend”, para crianças dos 7 aos 13 anos. Na escola portuguesa que está a participar as crianças sentem que aprendem e compreendem coisas úteis sobre história; geografia, arte e gastronomia, a professora acredita que os alunos estão de facto a desenvolver capacidades de pensamento e reflexão crítica sobre cultura[8].  

Tais práticas centram-se no desenvolvimento de trabalhos de projeto sobre um tema relacionado com o quotidiano das crianças, proporcionam espaços de pesquisa, diálogo e produção artística. Para tal ser possível a educação visual necessita rever a sua concepção de cultura, tendo em conta fatores sociais, nomeadamente os aspectos semiológicos da cultura. Uma concepção de cultura que inclua a proliferação de imagens pelos massmedia e os seus significados múltiplos para um público diversificado e multicultural. (Duncum, 1997). A cultura visual engloba representações de diferentes artes visuais, formas estéticas de diferentes culturas e épocas: desde as pinturas rupestres à Internet, dos mantras às pinturas abstratas de Sean Scully; das instalações de Ana Mendieta aos anúncios publicitários da Benetton., da cultura legitimada pelas elites à considerada como cultura popular. (Hernandez, 1997).A educação artística para a compreensão é diferente das tendências centradas no ensino da habilidade reprodutora ou interpretativa (o desenho, a arte infantil), no desenvolvimento de uma atitude libertadora (expressão plástica), no reconhecimento de códigos analíticos da imagem (atual Educação Visual). A educação artística para a compreensão é, sobretudo a interpretação e valorização das produções artísticas e das manifestações simbólicas de caráter visual das diferentes épocas e culturas. Este tipo de educação requer conhecimentos interdisciplinares que permitam a abordagem das diferentes culturas de outras épocas e lugares (conhecimento histórico e antropológico), para favorecer a aprendizagem de estratégias de interpretação (conhecimento estético e crítico) e a realização de produções com diferentes media e recursos (conhecimento prático). A relação entre estes saberes favorece o desenvolvimento crítico e relacional (Freedman, 1992). Assim as crianças podem: (1) Adquirir um conhecimento de si mesmo e do mundo; (2) Contribuir para a estruturação do conhecimento transdisciplinar; (3) Favorecer atitudes de interpretação, relação, crítica e transferência em relação ao mundo que os rodeia; (4) Estar em processo de constante aprendizagem.

O conhecimento aparece assim, para cada indivíduo, como um processo dialético que tem lugar em contextos sociais, culturais e históricos específicos. Conhecer pode também ser o processo de examinar a realidade questionando e construindo visões e versões não só perante a realidade, mas também perante outros problemas e realidades (Hernandez, 1997, p. 61).

Referências:

DUNCUM, P. 1997 Art Education for New Times. Studies in Art Education.38 (2), 69-79.
EISNER, E. (1997) Cognition and Representation. Phi Delta Kapan, 78,(5), 348-353.
GARDNER, H. (1994) Educación artística y desarrollo humano. Barcelona: Paidós. (1990).
HERNANDEZ, F. (1997) Educación y Cultura Visual. Sevilla: Morón.
________. (1996) Para un diálogo crítico con el constructivismo psicológico. Revista Argentina de Educación, 24, 49-68.
PARSONS, M.J. (19879 How  we understand art. Cambridge: Cambridge University Press.
VYGOTSKY, L.S. (1979) El desarrollo de los processos psicológicos superiores. Madrid: Critica.

Notas:

[1] Programa Humanitas: USA: United School District of Los Angeles; Project Zero da Universidade de Harvard, USA: AAAE; Escola Primária Aracy Barreto Sacchis, Brasil; Projecto Entre dois rios: Austrália; Projecto Reviewing Education and the Arts Project: USA,  Universidade de Harvard.

[2] Comission Internationale pour l’éducation pour le XXI siècle , Relatório para a UNESCO publicado em português pelas Ed. Asa : ‘ Educação: um tesouro a descobrir’.

[3] http://www.unesco.org/culture/lea

[4] Exemplo referido por Fernando Hernandez na sua comunicação no 14º Encontro Nacional da Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual, Abril 2002, Évora, Portugal.

[5] Exemplo referido por Fernando Hernandez na sua comunicação no 14º Encontro Nacional da Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual, Abril 2002, Évora, Portugal

[6] A descrição do projecto pode visitar-se em http://www.geocities.com/aiea2000/

[7] Dept. of Arts Education, Hyogo University of Teacher Education, Japan.

[8] Os resultados deste projecto serão apresentados no Congresso Internacional da InSEA, em Viseu/Portugal – Março 2006, http://insea2006.apecv.pt/ 

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano III - Número 03 - Abril de 2005 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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