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UMA CONVERSA SOBRE ESTÉTICA
Autora: Sônia Guaraldi - guaraldi@uol.com.br

Resumo:

Este texto trata da relação que o homem estabelece com os objetos chamados estéticos.Desejo levantar questões sobre a estética, tema complexo e denso, motivo este que o distancia de muitos professores que se propõe a trabalhar com arte. Não tenho a intenção de tratar o tema com profundidade, mas de maneira informal, como uma conversa, o qual possa desencadear reflexões e interesses para novos conhecimentos.

Palavras-chave: relação, objetos, estética, conhecimento.

Abstract:

This article deals with the relation that men establish with objects called esthetics. Usually art teacher does not devote himself to study this subject because of its complexity. I do not intend to deal with this subject deeply. I intend to be rather superficial so that it can further raise questions and develop reflections on the purpose of aiding courses in art.

O universo estético trata da relação que temos com os objetos, quaisquer  que sejam  seus antecedentes ou origens. Ou seja, trata da relação que mantemos com  objetos em tempo histórico, como  a pintura pré-histórica  das cavernas de Altamira (Espanha), um templo maia, uma catedral gótica, um palácio renascentista, ou um produto artístico de cultura contemporânea - um quadro de Marc Chagall, Jackson Pollock, um edifício de Antoni Gaudí ou um mural de José Clemente Orozco.


Pintura de bisonte, em Altamira

A essa  relação  com os objetos é que chamamos de estética. Sabemos, portanto, que, ao contrário do que ocorre com as obras  artísticas contemporâneas, os homens nem sempre mantiveram com certos objetos a mesma relação estética que mantemos hoje com eles.


Catedral gótica de Chartres

Fayga Ostrower (1999, P.267) nos fala que a capacidade de  criar formas expressivas contém uma  dose imensa do componente afetivo. Para criar, o homem precisa entregar-se de corpo e alma identificando-se com a matéria em questão, a fim de poder sondar as possibilidades de configurá-la em novos desdobramentos. Diz ela que se hoje em dia se entregasse uma pedra bruta a um excelente designer, propondo-lhe projetar, com lascas, um instrumento cortante que fosse ao mesmo tempo funcional e bonito, há dúvidas de que ele pudesse, com todos os recursos tecnológicos, apresentar soluções  melhores do que as produzidas pelos homens pré-históricos.


Templo maia, em Tikal.

Reconhecemos, pois, que, além das considerações utilitaristas, existiam inconscientes, mas verdadeiras motivações caracterizando o fazer, o como fazer. Entendemos  que, ao dar uma forma ou configuração a alguma matéria, o homem também se configura e dá forma ao  seu íntimo ser, na sua relação espiritual com a vida. Daí, a mensagem contida nessas formas, continuar relevante para nós até hoje.

Acho oportuno falar sobre a obra do artista José Bechara que esteve presente na XXV Bienal de São Paulo com trabalhos feitos em couro de fetos bovinos. Ele diz que ficou surpreso com um anúncio de uma revista que vira na Itália ao lado de uma bota de milhares de dólares. A legenda avisava que o couro da mesma era de animal raro, de uma presa já morta. A partir daí, sentindo-se arrasado diante de tamanho cinismo, sentiu a necessidade de vasculhar e entender essa situação. A obra deste artista nasce, assim, desta angústia. Ele dirigiu-se a um matadouro sem saber bem o que queria encontrar. Lá presenciou fetos bovinos já crescidos, misturados às vísceras de suas mães mortas. Ele acompanhou o processo de matança para saber o que havia antes de cada pele de animal. Procurou assim, em suas obras preservar as marcas de idade, procedências, e até pequenos acidentes como cortes em arame farpado no couro. É por isso que tetas e órgãos genitais estão presentes em suas obras como uma tentativa de registrar a existência ou o registro do animal. Não cabe aqui avaliarmos a obra de ninguém, mas apenas registrar uma experiência estética e simbólica do nosso tempo.


Obra de Bechara: sacos escrotais. Jornal O Globo - Segundo caderno -16/março de 2002. P.12.

Diz Fayga (1999) que a busca de ordenações  é nossa também. Ela nos atinge em nosso ser sensível. Consideramos como estética a sensibilidade contemporânea das relações estabelecidas pelo homem perante os objetos. Quando falamos em estética estamos tratando de um campo temático, amplo, ou seja, de tudo o que é objeto de relação, de comportamento ou da experiência de caráter estético que fale de uma paisagem natural, de uma flor, de um colibri ou de um objeto produzido pelo homem sem finalidade estética: uma jarra de cristal, uma lâmpada, uma mesa ou um automóvel. Nesse universo incluímos tanto os seres naturais quanto os objetos artificiais produzidos pelo trabalho humano. Entre eles, o que chamamos obras de arte, que, em nossa época, ocupam um lugar privilegiado dentro do rico e variado universo estético, o que no momento nos interessa.


Sagrada Família, de Gaudi.

Mas é preciso entender primeiro a realidade estética e saber que ela considera a totalidade, as manifestações diversas, naturais ou artificiais, artesanais ou artísticas, técnicas ou industriais. O estético na natureza, na arte, na vida pública ou privada, nos centros de trabalho ou de entretenimento, no lar ou na rua. Todos os elementos desse universo, por mais que se diferenciem entre si, têm algo em comum, que é o que justifica, a partir de nossa perspectiva contemporânea, sua inclusão nesse universo. Estamos falando de um modo de apropriação, contemplação ou comportamento humano específico diante de seus objetos. Faz-se necessária uma ciência especial que se ocupe desses objetos e do comportamento humano em relação a eles, assim como das condições individuais e sociais em que ocorrem esses objetos e esse comportamento.


Afresco de Orozco.

A realidade peculiar e o comportamento humano específico que constituem o objeto da estética não podem ser separados do todo em que se integram outras realidades e outros comportamentos humanos. Ela está ligada às ciências como a psicologia, a economia, a sociologia, a lingüística, a semiologia, a teoria da informação, a literatura e outras. Os objetos, às vezes, trazem experiências já existentes em outras ciências, mas a Estética as considera a partir de outro ângulo além daquele já percebido.

É bom sabermos que a estética apareceu com Baumgarten no século XVIII como um ramo da filosofia. Estética (do grego aisthesis, que significa, literalmente, sensação, percepção sensível) é entendida como uma teoria do saber sensível. Desta forma, abre-se um leque enorme de encaminhamentos e questionamentos que vão fortalecendo e firmando esses pensamentos numa disciplina autônoma, apesar de, até hoje, muitos não a aceitarem como uma verdadeira ciência. Essa nova área autônoma unificadora de agires humanos, estaria ligada, sobretudo à idéia do sentir; não com o coração e o sentimento, mas com os sentidos, com a rede de percepções físicas. O estabelecimento de beleza era constituído como objetivo supremo deste novo saber ou julgar manifestado pelo pensamento de acordo com o objeto de sensação.

Diz Luís Carmelo (2000) que o belo definia o novo valor estético. O belo identificava-se com as grandes obras dos gênios, não apenas pela sua finalidade técnica. Isso porque já existia toda uma rede de valores que não se restringia apenas à esfera técnico-científica (simetria, proporção, perspectiva...), racional ou moral. Novas formas de olhar, comunicar e perceber o mundo eram impostas. O objeto deste “novo julgar”, centrado no belo, viria a evoluir para uma metalinguagem da própria arte. Ela se explicaria a si mesma.

Não devemos, no entanto, nos esquecer que acadêmicos ou não, vivemos em nossas vidas momentos de situação estética, por mais ingênua, simples ou espontânea que seja nossa atitude como sujeitos nela. Ante a flor que se dá de presente, o vestido que se escolhe, o rosto que cativa ou a canção que nos agrada, vivemos essa relação  peculiar com o objeto que chamo de situação estética (OSTROWER, 1999). Diante de uma obra de arte a relação descrita acima é bem maior, embora nem por isso deixe de ser imediata e espontânea. Se falarmos de um nível reflexivo, temos diante da obra uma relação mais teórica, com diferentes pontos de generalidade, como a relação mantida pelo crítico e pelo historiador de arte.

Nessa altura do texto convém nos perguntarmos: Qual a importância da estética para o artista? Como ela interfere no processo criativo? Não será a estética mais uma teoria inútil? Discutirmos e refletirmos sobre essa questão é o melhor caminho. A estética não pretende ser uma teoria normativa e sim uma teoria fecunda para a prática artística. Ela interessa ao artista por motivos teóricos quando  contribui para desenvolver a capacidade criadora. Ou seja, ela ajudará o artista a descobrir o papel que pode desempenhar com sua arte na sociedade de seu tempo, orientando este artista no que diz respeito a conceitos e categorias na luta entre o velho e o novo, entre tradição e inovação. (OSTROWER, 1999, P.25)

Acreditamos que o artista não é por princípio um teórico, mas um pouco de teoria ajustada à prática não deve lhe faltar. Podemos exemplificar com alguns artistas-teóricos e reflexivos que deixaram suas marcas  no Renascimento, como Leonardo da Vinci e Alberti, nos tempos modernos, com Goethe, Schiller e Shelley, e em nossa época - o que não deixa de ser sintomático – com aquela em que mais proliferam os criadores do porte de Kandinsky, Malevich e Siqueiros na pintura; Stravisnky e Shonberg na música; Eisenstein no cinema; Eliot, Valéry,Machado e Octavio Paz na literatura e tantos outros. (OSTROWER, 1999, P. 25)

Percebemos então que a hostilidade do artista em relação à teoria não é absoluta e a muitos só  engrandeceu. Há idéias, normas ou convenções que, em determinado momento, são assumidas por artistas e, assim, canalizam a direção de suas práticas artísticas. Estamos falando da poética de determinado movimento artístico, termo usado na atualidade. Fazem parte da poética os manifestos, os programas artísticos, as declarações dos artistas contra os princípios, normas e convenções com as quais rompem ou em prol dos novos que impulsionam suas práticas. Portanto, há teorias e teorias. Aquelas que se estendem além da realidade a que respondem, que se distanciam da prática do artista e se tornam infecundas, outras que apontam para uma consciência maior da prática artística. Essa visão da estética ajudará o artista a evitar as freqüentes confissões de alguns acerca de seu  próprio ofício, nas quais nada mais fazem senão repetir os lugares-comuns já trilhados e desvinculados de uma vida atuante em consonância com o seu tempo.

Há muito ainda a ser dito sobre estética diante da complexidade de suas abordagens, mas entendemos que ela é inerente à natureza humana e por isso importante nas nossas reflexões sobre arte.

Referências:

BARBOSA, A.M. A imagem no ensino da arte. São Paulo:Perspectiva, 1999
CARMELO, L. A estética como desconotação praticada pela Modernidade. Rio de Janeiro: Abril, 2000.
FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro:Zahar Editores, 1976.
OSTROWER , F. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis:Vozes, 1999.
O GLOBO, Jornal.Segundo Caderno - 16/03/2002.

SANCHEZ, A.V. A necessidade da Arte. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1999.

 

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