voltar ao menu de textos

A ARTE NA EDUCAÇÃO DO MST
AutorA: Ana Mae Barbosa - anamae@uol.com.br

Nas escolas do MST, que em geral são organizadas nas melhores edificações dos assentamentos ou nas melhores tendas nos acampamentos, a foto de Paulo Freire é pendurada com respeito. A despeito do esquecimento ao qual Paulo Freire vem sendo gradativamente condenado no Brasil os que têm consciência política valorizam suas idéias e sua obra em todo o mundo.

Nos Estados Unidos se atribui a Paulo Freire a raiz da Pedagogia Questionadora e da Pedagogia Cultural que a vanguarda da educação americana vem desenvolvendo. Foram os educadores questionadores e os adeptos da Pedagogia Cultural que fizeram um dos mais significativos protestos contra a Guerra do Iraque. Convocaram a população para ir aos museus que têm Arte da Mesopotamia, Arte Sumeriana, Arte da Babilônia e da Caldeia, enfim exemplares de Arte Antiga da região hoje denominada Iraque, armada de papel, prancheta e lápis para faz desenhos de observação nas galerias. Estão construindo um site com os resultados.

A desvalorização de Paulo Freire aqui começou quando ele ainda vivia, através da instituição educacional mais importante do Brasil, o MEC. Para planejar os Parâmetros Curriculares Nacionais contrataram um educador espanhol, que havia fracassado ao desenhar o próprio currículo nacional da Espanha, deixando de lado a extraordinária experiência de re-orientação curricular feita por Paulo Freire/Mário Cortela na Secretária Municipal de Educação (São Paulo).

Ainda bem que SME contratou alguns educadores já aposentados que participaram da inspiradora campanha de Reorientação Curricular Freire/Cortela para participarem dos trabalhos de revisão curricular atualizadora há quatro anos atrás. Foi um belo exemplo de respeito à experiência passada e de valorização do trabalho que deu certo. É graças ao trabalho de Paulo Freire, apesar da descontinuidade posterior, que os professores da rede pública municipal são considerados até hoje os mais bem preparados e mais questionadores do país.

Penso que os namoros do MST com a Arte têm não só a influencia de Sebastião Salgado, mas também de Paulo Freire. O grupo de Artes era o maior dentre a equipe de Reorientação Curricular de Paulo Freire e seu projeto educacional foi o que no Brasil mais espaço deu à Arte.

Ainda em 1995 lideres do assentamento de João Câmara no Rio Grande do Norte procuraram a Escolinha de Arte Newton Navarro em Natal pedindo professores para implementarem com eles um programa de Arte na sua escola. A Escolinha de Arte Newton Navarro é uma das poucas remanescentes do Movimento Escolinhas de Arte de Augusto Rodrigues que chegou a ter 132 unidades no Brasil e uma no Paraguai criada por Lívio Abramo.

Wandecí de Oliveira Holanda comandou a equipe de professores que dialogando com os lideres do assentamento levantou as necessidades do grupo de adolescentes e crianças com o qual iam trabalhar. Perguntei a ela o que os pais esperavam do ensino da Arte. Ela me contou que uma das mães lhe dissera: - Eu sei que Arte é coisa de rico, mas eu quero para meu filho.

A cidade de João Câmara tem um dos menores índices de desenvolvimento humano do Brasil. Apesar disto o trabalho foi muito bem sucedido. Fizeram Teatro com Lenilton Teixeira e Edson Moura dois dos melhores professores de Teatro do Brasil. Todos costuravam, meninos, meninas, mães e professores para fazerem os figurinos das peças aproveitando roupas velhas. O professor de música trabalhou com um sanfoneiro do assentamento e usaram o sistema de auto-falantes destinado à informação sobre os problemas comuns, desta vez para divertir a todos. Os professores de Artes Visuais os ensinaram a reciclar papel através de um projeto interligando Arte e Ecologia.

Enfim, formaram um grupo de adolescentes multiplicadores das experiências e conseguiram levar projetos semelhantes para outros assentamentos como Ceará Mirim, Pau d’Óleo, Taipú, etc. Da equipe de professores muitos foram alunos de Vera Rocha que desenvolveu o teatro popular em Natal a partir da Universidade.

A enorme experiência de Vera Rocha com Teatro em comunidades pobres a preparou muito bem para coordenar as disciplinas das Artes em outro bem articulado projeto de Educação do MST desta vez com a própria Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trata-se do Curso “Pedagogia da Terra” que tem lugar no Campus Avançado de Santa Cruz a três horas de Natal sob a Coordenação Geral da competente Profª. Drª. Marta Pernambuco.

MST e Universidade sentaram juntos para delinear o programa para “habilitar professores de áreas de assentamento por meio de curso superior para docência em Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental regular e para jovens e adultos”.[1]

O currículo interrelaciona atividades presenciais intensivas e ensino à distancia , mas o que impressiona muito é o largo espaço dado às Artes .

Há enorme preocupação em ampliar a cultura dos alunos/professores sem menosprezar a cultura que trazem. Valem créditos no currículo, por exemplo, vinte horas de atividades culturais que significam ir a espetáculos teatrais e de dança, ver exposições, assistir a vídeos, ir a Museus, etc, tudo programado em conjunto com professores, levando a discussões em grupo posteriormente.

Outras vinte horas são dedicadas ao fazer artístico através de três oficinas, entre as quais se dividem os sessenta alunos.

Os alunos são indicados pelos lideres dos 1620 assentamentos dos Estados do Nordeste, mas têm de enfrentar o Vestibular. Trata-se de alunos/professores que tem de passar por duas peneiras a do MST e a da Universidade.

Além das disciplinas propriamente pedagógicas o curso não perde de vista as peculiaridades do campo, a questão agrária, o cooperativismo, as características do semi-árido onde vivem, a ecologia, o multiculturalismo.

Em nome deste Multiculturalismo, nas atividades artísticas oferecidas para apreciação, se procura interrelacionar o erudito e o popular na articulação interna destes códigos: ver o que há de erudito no popular e vice versa. Para isto o Nordeste tem grandes mestres, entre eles Câmara Cascudo e Ariano Suassuna e mais recentemente Alembergue Quindins.

A dialogicidade de Paulo Freire articula disciplinas, ações, teoria e prática além de se  instituir como a metodologia dominante do curso.

Foi lá no Rio Grande do Norte que Paulo Freire no início dos anos 60 sistematizou sua Pedagogia e de lá está vindo esta resposta alvissareira.

Há mais cinco cursos universitários em outras universidades em parceria com movimentos sociais, mas nenhum deu tanto espaço para as ARTES como o da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

As Universidades Públicas começam a ser mais flexíveis podendo gerar diferentes modelos de ensino além dos modelos europeus e norte americanos que nos dominam. Estão criando cursos para atender a reais demandas sociais escapando, portanto, da ditadura das habilidades e competências meramente capitalistas.

A Universidade de São Paulo está dando um grande passo no sentido de responder às necessidades sociais com a criação do Campus Leste mas tem  o seu estatuto como entrave porque não permite duplicação de cursos. Como a USP já tem Curso de Medicina dificilmente vai ser possível criar outro na Zona Leste onde cursos ligados à área de Saúde estão se mostrando os mais necessários e são requeridos pelo Movimento dos Sem Universidade. Também estão sendo pedidos cursos de Artes. Espero que os dirigentes da USP percebam que só o código europeu e norte americano branco habita os currículos de Artes já existentes na USP e que se disponham a criar outros cursos de Artes com  características diferentes no Campus Leste.

Não estou falando de cursos de Artes para pobres, mas cursos Multiculturais de Arte como são multiculturais as disciplinas de Artes do curso Pedagogia da Terra da UFRGN.

Está na hora da USP aprender com os ex-alunos ousados. Marta Pernambuco estudou na USP.

O texto de Fabiana Borges no número 2 desta revista me animou a enviar este artigo. Ela disse: “É comum pensar em Arte junto ao movimento social como caridade criativa”. Sou um pouco mais agressiva que Fabiana, acho que algumas Fundações privadas financiam projetos de marketing social que são somente “caridade criativa” e só servem para publicidade da empresa, para se apropriarem de verbas públicas e para dar prestigio aos seus dirigentes.

Com o MST ainda é diferente. Eles sabem do que precisam.

Nota: [1] Entrevista com Marta Pernambuco.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano III - Número 04 - Outubro de 2005 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

OBS: Os textos publicados na Revista Art& só podem ser reproduzidos com autorização POR ESCRITO dos editores.