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PROJETO "VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?" DA ESCOLA ESTADUAL RODRIGUES ALVES
Autor: Ricardo Barros - ricarbarros@uol.com.br

1. Objetivo e justificativa

O objetivo do presente artigo é divulgar e avaliar o Projeto “Você tem fome de quê?” que é uma iniciativa da Coordenação Pedagógica do período noturno e dos Professores da Escola Estadual Rodrigues Alves, que tem como principal objetivo a inclusão cultural de nossos estudantes. O termo está relacionado à necessidade de incentivar nossos estudantes a conhecerem os espaços culturais da cidade e a conhecerem a produção cultural brasileira. O Projeto quer, antes de tudo, gerar o interesse e o gosto dos alunos pela produção cultural em todas suas instâncias. Assim, o Projeto se caracteriza por associar o conhecimento aprendido em sala de aula com as manifestações culturais através de visitas a exposições de arte, teatros, cinemas, bem como permitir a vinda de artistas que queiram expor seus trabalhos na escola ou divulgar suas idéias a respeito da arte e da produção da cultura.

O nome do Projeto foi baseado na letra da música Comida, do grupo musical Titãs, pois a idéia da canção era mostrar que a humanidade precisava mais do que simplesmente comida para sobreviver. Era importante a diversão, o balé, o teatro, enfim, a arte e a cultura alimentam a alma e o espírito.

No dizer de Ana Mae Barbosa: “A Arte não tem importância para o homem somente como instrumento para desenvolver sua criatividade, sua percepção etc., mas tem importância em si mesma, como assunto, como objeto de estudos.”[2]

2. Tempo de duração do Projeto

O Projeto teve início no ano de 2003 e permanece em andamento em 2005. Ele nasceu fruto de uma perspectiva democrática de educação, na qual nossos alunos e professores decidem a continuidade ou não do mesmo, nas reuniões de planejamento no início do ano. Assim, durante o início de 2005, foram realizadas discussões com professores e com os representantes eleitos nas salas do período noturno que decidiram pela continuidade do Projeto.

3. A Escola Estadual Rodrigues Alves

A Escola Rodrigues Alves surgiu no ano de 1909, quando o estado era governado pelo Dr. Manoel Joaquim de Albuquerque Lins. Naquela época a escola foi instalada num casarão construído na esquina da avenida Paulista com a rua Pamplona. À época, o Estado pagava cerca de 300 mil réis ao proprietário do prédio.

Com advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o crescimento da cidade e a vinda de imigrantes geraram uma necessidade maior de abertura de vagas e a escola da Avenida Paulista foi transferida para um edifício construído em frente ao sanatório Santa Catarina (hoje, Hospital Santa Catarina). No princípio de 1919, a atual sede ficou pronta e custou para o governo, 300 contos de réis. Recebeu o nome de Rodrigues Alves devido ao presidente que fora reeleito, mas morrera naquele ano. O prédio foi inaugurado em 7 de setembro de 1919, mas já havia começado a funcionar em 1º de janeiro.

Em 1932, a escola fechou suas portas por ocasião da Revolução Constitucionalista, para preservar a vida das crianças e abrigar as tropas revolucionárias paulistas.

Em 1959, a escola comemorou seu jubileu de ouro, com grandes solenidades realizadas na avenida Paulista.

Em 1979 foi construído um novo prédio com três andares e uma quadra suspensa. De acordo com o Plano de Gestão:

Esse prédio foi construído para atender o público em geral e também alunos deficientes físicos e tem apenas rampas de acesso entre os andares para facilitar a locomoção”.[3]

Atualmente a escola possui 21 salas de aula distribuídas para o ensino fundamental (ciclos 1 e 2), nos períodos da manhã e da tarde, e, a partir de 1991 foi instalado neste estabelecimento, os curso de Ensino Fundamental (ciclo 2) e Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (antigo curso supletivo), no período noturno. Além dessas salas, o prédio conta com uma classe especial para alunos com necessidades especiais (D.M.) e uma classe de Ensino à Distância, no período noturno, freqüentada por 198 alunos que se revezam durante a semana para assistirem as aulas. A escola possui na atualidade cerca de 1750 matrículas, distribuídas entre os períodos citados. O curso noturno, especificamente, possui 15 salas de Educação de Jovens e adultos e 1 Telesala. São estudantes, na sua grande maioria trabalhadores, que residem em bairros distantes, mas freqüentam a escola devido à proximidade do local de serviço.

A Rodrigues Alves possui uma localização privilegiada: em plena avenida Paulista, coração financeiro e cultural da cidade de São Paulo, a unidade escolar tem uma situação privilegiada quando falamos de um projeto de divulgação cultural.

4. O diagnóstico

Apesar de estarmos num local privilegiado, muitos alunos não freqüentavam cinemas ou peças de teatro por não conhecerem ou estarem distantes desses ambientes. Alguns tinham vergonha de entrar nesses locais, identificando-os como espaços da elite. Nosso intuito foi quebrar essa mística, permitindo ao aluno se relacionar com os espaços culturais sem medo e enfim, tomar conta do que de fato é dele.

5. As discussões e a organização do Projeto

No início, achávamos que deveríamos levar os alunos em determinados momentos, fora do horário de aulas. Mas isso seria inviável na medida em que se tratava de alunos trabalhadores que não tinham outros momentos para irem a espaços culturais. Nas diversas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (H.T.P.C.s) então, decidimos que aquelas saídas deveriam ocorrer no horário das aulas. O primeiro preconceito que deveríamos quebrar era o de mostrar ao aluno que as saídas culturais também eram importantes momentos de aprendizagem. Afinal, por que não irmos a um cinema assistir a um filme interessante para discutirmos História? Por que não irmos a uma exposição de arte contemporânea para discutirmos o que é arte? Por que não irmos a um espetáculo teatral para discutirmos literatura? Enfim, essa é a idéia principal do Projeto: aproximar a produção cultural do estudante, ajudando-o a perceber que o conhecimento está em toda parte e não somente na sala de aula, ou seja, fazer da cidade e dos espaços da cultura um imenso espaço educativo, uma majestosa sala de aula. 

Outra questão que se colocava no início do Projeto era: como resgatar o conhecimento adquirido durante as saídas culturais na sala de aula? Procuramos discutir nas H.T.P.C.s que seria muito importante a produção pelos alunos de uma reflexão que poderia ser obtida na forma de uma exposição de fotografias retiradas nos locais visitados, ou de redações sobre uma peça ou um filme ou até através de uma simples e prosaica discussão na sala de aula. O importante é que de fato, houvesse algo a ser registrado. Alguma coisa para resgatar a experiência vivida no momento da saída. Seria importante também que a produção dos alunos fosse exposta nos principais locais da escola para gerar o interesse dos demais nas visitas.

No artigo “Avaliação educacional escolar: para além do autoritarismo”[4], o educador Luckesi afirma que a avaliação é um meio e não um fim em si mesma; não se dá em um vazio conceitual, mas mostra, na prática, as concepções de mundo e educação que nós, educadores, temos.

6. E assim foi feito...

Os professores da escola “vestiram a camisa” do Projeto e propuseram diversas saídas: firmamos um convênio com o Itaú Cultural e participamos de diversas exposições exibidas por lá. Conseguimos junto ao Núcleo de Ação Educativa daquela instituição a prioridade para as visitas por parte dos alunos da Escola Rodrigues Alves. Assim, durante 18 dias, dos meses de maio a junho de 2004 tivemos a reserva de horários para que os arte educadores do Instituto nos atendessem dando explicações e sensibilizando os alunos a partir das exposições daquele espaço. Naquele momento a exposição era a Emoção Artificial 2.0, que discutia a arte contemporânea e a arte digital. Ao mesmo tempo, nas H.T.P.C.s, os professores eram orientados através de textos elaborados pela Coordenação Pedagógica da escola e por visitas especiais ao Itaú Cultural. Em 2004 realizamos visitas ao Museu de Numismática e em 2005, acabamos de encerrar as visitas à exposição CORPO, que analisava as diversas representações do Corpo na arte contemporânea.

Além do Itaú cultural, foram realizadas visitas à Galeria do SESI, Galeria do SESC, Centro Cultural de São Paulo – setor de teatro, Cine Geminy (que, aliás, foi locado pela escola para passar filmes como “Adeus Lênin”, “Lutero” etc.)

A área de Ciências e Biologia organizou também um passeio para o Zoológico, em novembro de 2004 e um junho de 2005, para compreender melhor a questão ecológica e a fisiologia animal. O resultado foi muito positivo. Uma das formas de se observar isso foi a participação do noturno na Feira Cultural da Escola nos anos de 2003 e 2004. Os alunos tiveram uma sensibilidade maior na arrumação dos stands e compreenderam a melhor a importância da produção da cultura. Eles fizeram uma identificação colada no chão como em algumas exposições de arte visitadas, afinal como afirma Vygotsky:

(...) quanto mais veja, ouça e experimente, quanto mais aprenda e assimile, quanto mais elementos da realidade disponha em sua experiência, tanto mais considerável e produtiva será como outras circustâncias, a atividade de sua imaginação.”[5]

O Projeto está em pleno vapor e é um diferencial para a Escola. Acreditamos que ele possibilite ao aluno fruir a arte e encarar a educação de uma forma mais interessante e significativa.

Referências:

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização na Escola Pública: A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985.

ABRAMOPVICH, Fanny. Quem Educa Quem? São Paulo: Summus, 1985

FUSARI, José Cerchi. O Papel do Planejamento na Formação do Educador. São Paulo: SE/CENP, 1988.

CAMARGO, Luiz. (organizador). Arte-Educação: da Pré-Escola à Modernidade. São Paulo: Nobel, 1989.

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a Arte. São Paulo: Ática, 1985.

FERRAZ, Heloísa C. de T. e FUSARI, Maria F. de Rezende. Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

Plano de Gestão e Projeto Pedagógico da Escola Estadual Rodrigues Alves. São Paulo, agosto de 2004.

Nota:

[1] Professor Coordenador da Escola Estadual Rodrigues Alves da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Pesquisador (mestrado) em Educação do Departamento de Metodologia do Ensino da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

[2] BARBOSA, Ana Mae. Teoria e Prática na Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975.

[3] Plano de Gestão da Escola Estadual Rodrigues Alves, aprovado em 2004.

[4] LUCKESI, Cipriano Carlos. “Avaliação Educacional Escolar: Para Além do Autoritarismo” in ANDE, 5 e 6 (10 e 11): 46-51, 1986.

[5] VYGOTSKY, Lev Semenovich. LA IMAGINACIÓN Y EL ARTE EN LA INFANCIA. (ensayo psicológico). Madrid: Akal Bolsillo, 2ª edição, 1990.

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano III - Número 04 - Outubro de 2005 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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