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A VÍDEO-INSTALAÇÃO E AS ARTES VISUAIS NO ENSINO MÉDIO
Autora: Greice Cohn[1]

Resumo:

Este artigo baseia-se na dissertação de mestrado “O construtivismo da montagem godardiana e da vídeo-instalação – uma investigação teórico/prática para o ensino da arte”, defendida em setembro de 2004 no NUTES/UFRJ e na prática de ensino no Colégio Pedro II, Rio de Janeiro. Foca as relações entre arte, educação e tecnologia, colocando a vídeo-instalação no centro da cena educacional, propondo intervenções no ensino da arte no Ensino Médio. Propomos avaliar o potencial pedagógico da vídeo-instalação no ensino da arte, uma vez que esse tipo de obra, além de se apresentar como um espaço de confluência de diferentes mídias, atribui ao espectador um papel ativo na elaboração dos sentidos que a obra pode evocar. A partir da análise dos encontros de alunos de Artes Visuais da primeira série do Ensino Médio da Unidade Centro do Colégio Pedro II, com duas obras de vídeo-instalações contemporâneas, pudemos observar que esta linguagem traz uma abordagem construtivista nos seus modos de apresentação. Propomos, então, a apropriação desta linguagem na produção de materiais educativos para o ensino da arte no Ensino Médio.

Palavras chave: vídeo-instalação, ensino da arte; construtivismo.

Abstract:

This paper is based on the Master Dissertation submitted to the Post-Graduation Program of Educational Technology in Health Sciences, NUTES/UFRJ, “The constructivism of Godard and of video-installation: a theoretical-practical investigation for art teaching”, on september of 2004, and on the experience in art teaching at Pedro II College, Rio de Janeiro. It focus on the relationships between art, education and technology. It places video-installation in the center of the educational setting, suggesting interventions in the teaching of art in high school.  We propose evaluating the pedagogical potential of video-installation in art teaching, as not only does this kind of work present itself as a confluence space of different medias, but it also assigns the spectator an active role in the elaboration of the meanings that the piece of work may evoke. A research was carried out with Visual Arts students in the first year of high school at Pedro II College, Centro Unity. Parting from their contact with two contemporary works of video-installations, we could notice that this language presents a constructivist approach in its modes of presentation. Thus, we propose the appropriation of this language in the production of educational materials for the teaching of art in high school. 

Keywords: video-installation; art teaching; constructivism.

Podemos dizer, neste início do século XXI, que a apropriação das imagens e das mídias eletrônicas pelo sistema educacional já está encaminhada. Podemos afirmar, também, que há um esforço por parte das escolas da rede pública e privada dos centros urbanos no sentido de proporcionar a seus alunos o contato com as artes visuais, através de visitas a exposições em museus e centros culturais. A educação vem, assim, estabelecendo e valorizando o contato com a arte nas suas práticas de aprendizagem, ao mesmo tempo em que abre suas portas para a exploração e incorporação dos novos meios e tecnologias disponíveis no seu dia-a-dia. Entre esses novos meios está o vídeo.

Apesar de ter sido por décadas alvo de críticas, o vídeo, como mídia eletrônica descendente da TV, hoje já tem seu espaço reconhecido no espaço da educação formal. No que diz respeito ao ensino da arte, campo no qual atuo há quinze anos, o vídeo tem tido uma receptividade importante, permitindo um diálogo bastante produtivo e estimulante junto aos alunos. O vídeo é um instrumento com grande potencial de aprendizagem no campo das artes. Porém, observamos uma escassez quase total de materiais audiovisuais produzidos com esse objetivo. Além disso, é questionável a qualidade da maioria dos materiais disponíveis. Assim, os professores de arte têm hoje duas opções quando querem fazer uso de vídeos em sala de aula. A primeira é recorrer à veiculação de filmes produzidos para o circuito comercial, que contam a biografia romanceada dos grandes artistas; e a segunda, utilizar vídeos produzidos especificamente para o uso didático, os chamados “vídeos educativos”, que se propõem ensinar a arte.

Analisando as duas opções separadamente, percebemos haver problemas em ambas. Na apresentação de biografias de artistas aos meus alunos, tenho observado que seus comentários, após assistirem aos filmes, se restringem aos aspectos conteudísticos da obra, mais especificamente ao que é dito, ao texto. Nada é comentado sobre as imagens que acabaram de ver. Se pararmos para pensar que a disciplina em questão é Artes Visuais, poderíamos dizer que o elemento que deveria ser mais explorado, a imagem, foi totalmente sublimado na apresentação desta obra. Piorando a situação, observamos que o conteúdo que os alunos apreendem da obra, pouco se refere aos ideais filosóficos ou estéticos presentes na obra do artista apresentado, dizendo mais respeito aos detalhes biográficos deste artista, foco principal deste tipo de filme. É o caso, por exemplo, dos filmes Pollock, de Ed Harris, com Ed Harris e Marcia Gay Harden (2000) e Os Amores de Picasso, de James Ivory, com Anthony Hopkins, Warner (1996).

Já na segunda opção, a dos vídeos educativos, verificamos uma preocupação com os temas, os conteúdos das obras de arte, os estilos e movimentos artísticos, e também com a vida e obra de artistas consagrados. Porém, da mesma forma que nos filmes biográficos acima citados, nos chama a atenção que aqui também, a imagem muitas vezes continua a funcionar como a ilustração de um conteúdo, com a função de exemplificar o que já foi dito pelo texto em off ou pelas entrevistas utilizadas. É o caso, por exemplo, dos vídeos da coleção História Geral da Arte - Grandes Gênios da Pintura (Ediciones del Prado, 1996) e do vídeo Isto é arte? (Instituto Itaú Cultural, 2000), que analisaremos na primeira parte deste trabalho. O que nos leva a concluir que, apesar de tanto se afirmar que vivemos na era da imagem, ainda estamos na era do rádio, nos guiando muito mais pela audição, pelo texto dito, do que pela imagem propriamente dita.

Os materiais educativos disponíveis no mercado destinado ao ensino da arte são, em sua maioria, o que poderíamos chamar de vídeos sobre obras e não vídeo-obras. A tecnologia do vídeo é utilizada como mero instrumento de registro e documentação de obras e renegada enquanto linguagem artística visual e sonora, portadora de sentido em si mesma. São vídeos a serviço de um conteúdo específico, no caso, obras de arte, movimentos artísticos e biografias de artistas. Acreditamos que uma obra videográfica que traz no seu corpo outra obra visual (uma pintura, uma escultura, ou uma instalação), é uma imagem que aborda outra imagem, portanto, é um diálogo entre imagens. Um diálogo entre uma imagem em movimento (o vídeo) e uma imagem que, na maioria das vezes, é estática (pode ser uma pintura, um desenho, uma fotografia, uma escultura, ou mesmo obras mais dinâmicas, como os Parangolés de Hélio Oiticica, ou os Bichos de Lygia Clark, concebidas para serem manuseadas pelo público, interativas, e as vídeo–instalações). As possibilidades desse diálogo são inumeráveis, mas para que ele ocorra seria necessário que as duas imagens (o vídeo e a obra) fossem exploradas na sua plenitude e que o vídeo não fosse abordado apenas como um veículo reprodutor, mas como uma linguagem visual à parte, exercendo seu potencial representativo. Em circunstâncias ideais de ensino da arte com o audiovisual, a imagem do vídeo deveria ser abordada como uma forma que pensa a imagem das obras estudadas, uma forma que pensa a outra. Duas formas em diálogo, uma reforçando ou questionando a outra.

Seria preciso repensar a criação e elaboração de vídeos educativos, de modo que forma e conteúdo caminhassem juntos, em direção a uma apreensão plena da obra de arte ou do movimento artístico estudado.  Acreditamos que a integração entre forma e conteúdo num vídeo educativo pode proporcionar ao espectador uma apreensão do tipo construtivista. O vídeo educativo deixaria de ser um receptáculo e emissor de um conteúdo específico e se apresentaria como uma obra à parte, que dialoga com outras obras.

Vídeo-instalação – uma abordagem construtivista do audiovisual

Como professora de Artes Visuais do Colégio Pedro II, tive a oportunidade de vivenciar duas experiências com alunos do ensino médio da Unidade Centro, que me alertaram para novas possibilidades de construção do vídeo educativo. No decorrer do curso, levei alunos de diferentes turmas a duas exposições de arte contemporânea, onde estavam expostas algumas obras de vídeo-instalação, linguagem artística contemporânea que faz uso do vídeo. A receptividade dos alunos a este tipo de obra me permitiu perceber o valor pedagógico deste tipo de abordagem do vídeo, e encorajou-me a direcionar a minha pesquisa no sentido de explorar este tipo de abordagem no universo da educação formal.

Faremos a seguir um breve esclarecimento sobre a vídeo-instalação.

Vídeo-instalação: criando um novo espaço dentro e fora da tela

A vídeo-instalação é uma linguagem artística relativamente recente, que começou a se desenvolver na segunda metade do século XX, quando surgiram a televisão e o vídeo-tape. Ela faz uso da tecnologia do vídeo na construção de uma obra de arte, porém, propõe algumas mudanças na postura do espectador, que passa a transitar entre as formas de apreciação da obra visual e do espetáculo. Como Janus[2] muito bem coloca, o museu é o lugar do imóvel e para vê-lo precisamos nos mover; já o teatro, a televisão e o cinema são lugares do móvel, onde nós espectadores nos colocamos parados, para vê-los e ouvi-los. A vídeo-instalação propõe ao espectador as duas atitudes, simultaneamente. Ao mesmo tempo em que ela mostra imagens em movimento, exigindo tempo de observação por parte do espectador, também o coloca em movimento, ao ocupar o espaço de forma tridimensional, convidando o espectador a optar por uma direção do olhar e a se relacionar com o ambiente onde se situa a obra, que pode contar com várias telas, monitores, além de outros objetos. Uma ação física já estaria aí sugerida a partir da própria configuração da obra e de sua inscrição no espaço.

Mas não é só na atitude corporal que esta linguagem possibilita e faz ao espectador um convite a uma postura mais ativa e participante. Filha do casamento da instalação com a vídeo-arte, a vídeo-instalação atua no universo perceptivo do seu espectador, nele encorajando sua condição de criador e construtor de conceitos. É uma linguagem artística que propõe a participação, como veremos, construtivista por excelência.

Se a vídeo-arte já é vista como um sistema híbrido, a vídeo-instalação intensifica esta hibridização consideravelmente, pela própria complexidade que a concepção da obra traz. Ela adiciona ao espaço já híbrido da tela (que pode ser oriundo de várias fontes)[3], a preocupação com a ocupação do espaço real do ambiente que habita. É o museu, o cinema e o teatro juntos (sendo o “palco” de arena a referência mais adequada a este último), onde o espectador penetra e interage com a obra. É uma abordagem dinâmica pela própria forma com que se apresenta. Numa vídeo-instalação tudo pode se mover: as imagens projetadas nas telas; as próprias telas/suportes; o espaço/ambiente circundante à obra (objetos, piso, paredes); e, finalmente, os espectadores em seu passeio físico e mentalmente perceptivo. E é no aspecto perceptivo que reside a grande mudança que a vídeo-instalação promove na atitude espectatorial. Todos os movimentos que citamos (o do olhar por diversas telas, o das imagens nas telas, o das próprias telas) resultam numa mudança de atitude psíquica e emotiva que compõem os modos de percepção do espectador diante de uma obra de arte. Um movimento interno, sensível, sutil e delicado, que recorre tanto a dispositivos emocionais como racionais: um movimento criativo. Como lembra Ostrower, os processos criativos são caracterizados pela intuição e, sendo a percepção um processo criativo, esta é intuitiva também. Então, ao ordenar, intuímos, assim como quando intuímos “as opções, as comparações, as avaliações, as decisões” (OSTROWER, 1977, p.68).

Como já foi dito, uma vídeo-instalação é uma obra híbrida, que traz em seu corpo uma mistura de linguagens, algumas, inclusive, já assimiladas. Os espectadores do século XXI já sabem como se comportar diante da TV, diante de uma tela de cinema, nas platéias de teatros, nas salas de museus. Já tiveram também a oportunidade de experimentar, a partir das transformações que o Modernismo e o Pós-modernismo vêm proporcionando no campo das artes, diferentes modos de apreciação e participação diante de cada uma destas linguagens, quando apreendidas separadamente. O que a vídeo-instalação traz é uma oportunidade de vivenciarmos estes novos modos de apreensão num terreno de confluência, onde as combinações, aliadas à alteração dos sistemas representativos tradicionais, são os grandes responsáveis pelo caráter inovador de sua abordagem. É a sua composição híbrida e composta que nos permite reformular e reconstruir nossos conceitos sobre o que está diante de nós, nos possibilitando uma atitude espectatorial participativa, numa apreensão de tipo construtivista de uma obra de arte.

Morse separa as “artes de representação” das “artes de apresentação” (MORSE, 1990). Nas primeiras, incluem-se o teatro, o cinema, a pintura, nas palavras da autora, “artes mais ilusórias” (ibid.), em que o espectador é cuidadosamente separado do campo a ser contemplado, campo este que o remete a um “outro lugar” (respectivamente, pela separação palco/platéia no teatro; pela relação tela/platéia/ambiente escuro, no cinema; pela moldura, que isola a pintura do mundo real). Nestas “artes de representação” os mecanismos que criam a visão de um outro mundo são geralmente escondidos, promovendo uma “evocação de ausências que têm sido foco de exploração artística desde a Renascença” (ibid.). Já a vídeo-instalação se revelaria como uma das “artes de apresentação”, justamente por fazer parte de um grande desvio nas formas de arte em direção a uma renovação que começou seriamente nos anos sessenta, quando as vanguardas artísticas, já sem interesse pelo universo representativo tradicional, passam a explorar a não linearidade na abordagem narrativa, a fragmentação das imagens, e finalmente o aqui e agora, espaço/tempo no qual o espectador está presente, interagindo física e perceptivamente com a obra.

Como diz Morse, "as artes da apresentação e, particularmente a vídeo-instalação, são formas de arte privilegiadas por colocar este ambiente mediatizado/construído em jogo com o propósito da reflexão. De fato, a premissa subjacente da instalação parece ser que a experiência audiovisual suplementada sinestesicamente pode ser um tipo de aprendizado não apenas com a mente isolada, mas com o próprio corpo" (MORSE, 1990).

Para entendermos melhor os diversos aspectos responsáveis por caracterizar este tipo de obra como uma linguagem artística que traz uma abordagem construtivista de apresentação, vamos agora analisar duas vídeo-instalações visitadas pelos alunos do Colégio Pedro II, assim como as impressões que estas lhes causaram.

Relato de experiências

1- “Dream” (vídeo e objeto - 1996), Hadrian Pigott. Exposição Espelho Cego (Coleção de Marco Antonio Vilaça), Paço Imperial, Rio de Janeiro, 2001.

As segundas séries do Ensino Médio do Colégio Pedro II estavam estudando as novas linguagens da arte contemporânea. As turmas envolvidas eram compostas de alunos que na sua maioria nunca tinham ido a um museu, tendo, portanto, muito pouco contato com obras de arte no seu cotidiano. Os alunos foram levados ao Paço Imperial, para visitar a Exposição Espelho Cego (coleção de Marco Antonio Vilaça, um acervo de cerca de 450 obras de arte contemporânea), e se detiveram diante de uma obra de vídeo-instalação que muito os impressionou. A obra chama-se Dream (vídeo e objeto - 1996) do artista plástico Hadrian Pigott. A obra é composta por um ambiente pequeno (cerca de 4 metros quadrados), escuro, onde é apresentado um vídeo de aproximadamente 5 minutos, em preto e branco.

A imagem traz em primeiríssimo plano, duas mãos masculinas e uma pia de louça branca antiga, com um sabonete também branco. As mãos se lavam, se ensaboam, ensaboam a pia e a enxáguam depois, terminando por fechar a torneira. O som é realista e acompanha a imagem (som da água jorrando da torneira, que oscila de acordo com a força do jato). Esses simples atos (mãos que se lavam e se ensaboam, mãos que ensaboam e lavam a pia) são realizados através de gestos que traduzem um clima de sensualidade: mãos e pia se acariciam, pia se transforma em pele, água se reverte em fluidos, torneira se torna orifício onde o dedo penetra, evocando o receptivo, o feminino, em outro momento remete ao membro masculino jorrando esperma. A relação entre as mãos e a pia produz movimentos e ritmos que fazem alusão a uma relação sexual, metaforicamente. Só vemos mãos, sabonete e pia; o resto, imaginamos. Construímos uma relação sexual a partir do nosso repertório particular de imaginação e de vivências; cada um constrói, então, uma obra diferente. No final do vídeo a suposta relação sexual se consome, finda; após o jorro abundante que vem da torneira, tudo pára e silencia; só restam, espaçados, pingos que caem lentamente, as últimas gotas. Masculino e feminino podem ser evocados a partir das formas, texturas e ritmos apresentados.

O vídeo de Hadrian Pigott constrói uma metáfora entre a utilização de um objeto do cotidiano (pia), o ato de lavá-lo e uma relação erótico-sexual. Na sua linguagem metafórica, na economia e simplicidade de imagens, e na lentidão com que estas se desenrolam na tela, leva seus espectadores a pensar. O vídeo esconde as memórias e fantasias de relações sexuais de cada um que o assiste, assim como a experiência, os nós afetivos associados a estas experiências, enfim: o repertório particular de cada espectador.

As imagens no vídeo se desenrolam em diferentes planos (uns longos, outros mais curtos) com alguns cortes, mudanças de ângulos e de proximidade. O preto e branco quebram o naturalismo da cena “real” (o ato de lavar mãos e pia), provocando um distanciamento espectatorial. Este distanciamento também é provocado pelo ritmo da ação e pela plástica da imagem, que amplia os detalhes. O campo selecionado é restrito (apenas a pia e as mãos em primeiro plano), o que leva o espectador, a princípio, a pensar que talvez ele se abra, que algo mais se revele, algo que poderia estar ainda oculto, fora do campo. Mas logo percebemos que o que está fora do campo e do plano escolhido (mais partes do corpo desta pessoa, do cenário, etc.), não vai se revelar, que o campo escolhido é metafórico e contém os elementos necessários para que mergulhemos no universo proposto.

Os alunos viam e reviam, fascinados e excitados por encontrar isto (palavra usada por eles) no museu. Não queriam sair da sala, viam e reviam o vídeo repetidamente, o que me fez perceber de imediato, o impacto que esta obra tinha lhes causado. Imaginei que esta atração pela obra de Hadrian Piggot se devesse apenas à carga de sexualidade contida na mesma, associada à fase pela qual os alunos estão passando (têm entre 15 e 17 anos). Mas o desenrolar do processo me revelou muito mais do que esta primeira e superficial observação.

Para minha surpresa, ao ler os relatórios que eles escreveram sobre a visita ao museu, e ao debater sobre a exposição em sala de aula, me deparei com falas desfavoráveis à obra de Hadrian Pigott. Qualificavam-na de pornográfica e o artista como um depravado. Defendiam a idéia de que “isto não devia estar ali, pois não é arte”, numa clara atitude moralista e repreensiva em relação à obra. Em meio àquele turbilhão de falas revoltadas, comecei a me perguntar o porquê de tanto estranhamento e raiva vindos destes jovens, jovens acostumados a ver cenas eróticas cotidianamente na televisão (novelas, publicidade, fitas de vídeo), no cinema, em outdoors, fotografias de revistas, etc. Vivemos num mundo onde as imagens nos atingem com tal velocidade e incidência, que se tornam banalizadas. Se eles vêem cenas de sexo corriqueiramente na televisão, às vezes até explicitamente, por que aquele vídeo tinha-os incomodado tanto? Comecei a perceber então que era justamente o caráter metafórico, o não explícito, que os atormentava. Resolvi, então, investigar, conversando com eles, nesta direção. Para começar, propus uma reflexão sobre a diferença entre pornográfico e erótico. A seguir convidei-os a perceber que a obra não continha nenhuma explicitude sobre uma relação sexual (como eles costumam ver em cenas de vídeo, tv ou cinema); apenas sugeria, através de ritmos e movimentos com as mãos e poucos materiais do nosso cotidiano (pia, água e sabão, materiais que, apesar de pertencerem a um espaço de privacidade onde travamos um contato íntimo com o nosso corpo, não contém em si mesmos, referências diretas a um ato sexual), um clima erótico, numa suposta relação sexual que o espectador constrói com sua percepção.

Ao explicitar para eles a participação da nossa percepção, a importância das nossas experiências anteriores e do nosso universo imaginativo na percepção desta obra, e a participação do espectador como construtor do conceito da obra, percebi que era justamente aí que se encontrava o incômodo de meus alunos. Ao ver cenas de sexo nas novelas, nos filmes, nas revistas, etc, eles permanecem espectadores, distantes e, conseqüentemente alheios, exteriores a estas imagens. Eles não têm nada a ver com elas. Elas estão lá e eles aqui, do outro lado. Mas a obra de Hadrian Pigott tira-os deste lugar seguro e passivo, chama-os à participação, força-os a completá-la, imaginando, construindo a pseudo relação sexual (cada um a sua, de acordo com seus repertórios e experiências vividas). Coloca-os numa posição ativa e, conseqüentemente, responsável. Eles eram, tal qual a obra, construtores e co-autores desta relação que se insinuava. Foram chamados a criar. Cada um deles viu, com certeza, uma obra diferente. E era aí que residia o seu incômodo, era disto que eles tinham vergonha (digo vergonha, pois o sentimento de repulsa só apareceu após a saída da exposição, quando o senso crítico se instaurou com o distanciamento do momento da fruição). Concluí que a crítica e o constrangimento surgiram a partir desta participação, desta responsabilidade e co-autoria. Isto se tornara incômodo para eles.

Uma obra de arte contém elementos que evocam o processo criativo no seu espectador. O vídeo de Hadrian Pigott gerou nos alunos um processo de criação que os constrangeu, por esta obra abordar o erotismo (um tema delicado para adolescentes) e pela sua abordagem construtivista, que lhes tirou da confortável posição passiva a que estão habituados a ocupar diante das imagens eletrônicas. Atribuo as manifestações de crítica e revolta principalmente às propriedades pedagógicas desta obra.

2- “Tutti Veneziani”– vídeo-instalação de Maurício Dias (Brasil) e Walter Riedweg (Suiça) criada para a 48A Bienal de Veneza de 1999, exposta no Rio de Janeiro, de 8 de outubro a 1o de dezembro de 2002, na exposição O Outro Começa Onde Nossos Sentidos Se Encontram Com o Mundo, CCBB.

Tutti Veneziani é uma vídeo/instalação composta por dois vídeos, que são projetados simultaneamente em ambientes diferentes e subseqüentes. Na “ante-sala” escura de entrada vemos o primeiro vídeo (Andante) projetado no chão, como numa passarela preta, onde imagens de pessoas em tamanho natural (escala 1:1) andando, são vistas de cima (as câmeras as gravaram do teto, de uma altura de 18 metros acima do chão, causando um efeito ilusório, como se nós, espectadores, estivéssemos sobre um viaduto, vendo-as passar lá embaixo, ao mesmo tempo em que podemos passar e andar sobre e no meio deles). Estas pessoas andam e subitamente param (cada uma no seu tempo) e olham para cima, supostamente, para nós. Em seguida voltam a andar. Passam assim continuamente, sem que nós, à primeira vista, percebamos quem são. São pessoas comuns, transeuntes andando, dando uma paradinha, olhando para cima e recomeçando a andar. Este vídeo é cíclico e ininterrupto.

Seguimos para a segunda sala de projeção, onde encontramos um banco em frente a uma tela de aproximadamente 2,0 X 2,5m na parede. Podemos nos sentar ou permanecermos de pé em frente à tela. A primeira imagem que aparece no vídeo é um plano fechado de uma porta, focando sua maçaneta. A imagem se detém por alguns instantes neste plano, quando a porta se abre, o plano também, e surge uma mulher entrando normalmente neste ambiente, que agora conseguimos definir como um quarto. Ela tira sua roupa, fica completamente nua e torna a se vestir, com outra roupa. Sua ação é corriqueira e seus gestos naturais, como se ela estivesse sozinha neste ambiente íntimo. Naturalmente, troca de roupa. Enquanto se troca, após um espaço de tempo em silêncio total, sua voz surge em off, narrando o dia e o momento em que, supostamente, teria morrido, descrevendo como esta ação se deu. Esta narração acontece ao mesmo tempo em que ela troca de roupa e, quando ambas findam (a narração e a mudança de roupa), ela se dirige novamente à porta e antes de sair, olha fixamente para a câmera (conseqüentemente, para nós, espectadores), se detendo assim por alguns instantes, depois abre a porta e sai. O plano se fecha novamente na maçaneta da porta, que agora já está fechada.

Ao longo dos 50 minutos do vídeo mais 35 pessoas seguem este mesmo roteiro: entram por uma determinada (e diferente) porta, trocam de roupa (é sempre uma troca de uma roupa comum para uma roupa/uniforme de trabalho, ou vice-versa) enquanto sua voz em off relata como foi a sua morte, em seguida se dirigem à porta, encaram o espectador por alguns instantes, através do “olho da câmera”, e então saem. As cenas se sucedem num ritmo lento, como no tempo natural em que uma pessoa se troca. A câmera é estática, raramente faz algum movimento, somente se a pessoa se move, saindo do quadro para pegar alguma peça de roupa, então ela a acompanha. Percebemos a existência de três planos: 1) plano de detalhe na maçaneta; 2) plano médio (pessoa e quarto); 3) plano fechado na maçaneta. No plano médio, enquanto a pessoa troca de roupa, em cada “registro” (vamos denominar assim, pois são 36 personagens registrados) podemos encontrar um ângulo diferente: câmera focalizando a pessoa sob um ângulo lateral, ou frontal, ou câmera baixa, ou ainda câmera alta, mostrando sempre a pessoa e parte do ambiente onde ela habita.O primeiro plano sempre é a maçaneta da porta e o último também. Na maioria dos registros não há cortes, apenas quando a troca de roupa requer uma preparação mais detalhada (como no caso do garçom que veste uma gravata borboleta), então faz-se um pequeno e quase imperceptível corte de adiantamento da ação.

As roupas definem os personagens que as usam. O prefeito, o padre, o açougueiro, o médico, a faxineira, o oficial, etc. todos personagens da vida real, personagens venezianos, que gentilmente consentiram registrar a imagem de um momento íntimo e cotidiano de suas vidas, para a construção desta obra videográfica. Os relatos ocorrem, na sua maioria, em italiano, alguns em inglês ou francês. O ritmo é sempre lento, sem pressa, num tom coloquial e sereno, sem nenhuma carga de emotividade ou dramaticidade. Ao sairmos da sala de projeção e retornarmos à ante-sala, um olhar atento pode reconhecer nos transeuntes da passarela projetada no chão, os mesmos personagens vistos no vídeo anterior.

Os vídeos de Dias e Riedweg trazem à tona algumas questões importantes que mobilizam a arte contemporânea, tais como a relativização do tempo, os limites entre público e privado, entre individual e coletivo, as fronteiras entre real e imaginário.

Ao descrever esta obra videográfica, mencionamos em alguns momentos a palavra registro para descrever as diferentes gravações, pois este vídeo literalmente registra um momento íntimo dos seus personagens, no seu ambiente real de trabalho, moradia ou convivência; um momento do cotidiano de cada pessoa, que realmente acontece no seu dia-a-dia; uma troca de roupa registrada num plano único, fragmento de vida real, com o qual travamos contato através da câmera transparente que nos transpõe para dentro do quadro. Esta sensação de penetração no universo alheio somente é quebrada quando a pessoa filmada olha-nos nos olhos. Neste momento, a nossa realidade é confrontada com a do “personagem”, a distância (e a proximidade) entre nós se revela, ao mesmo tempo em que o seu olhar sobre nós nos revela; nos aproximamos e nos distanciamos ao mesmo tempo; ao ser revelada a presença da câmera (e do espectador), a obra se assume, se conta como tal, se diferencia da vida real. Segundo Arlindo Machado "o público televisivo é conhecedor de um código que o ajuda a distinguir o real do imaginário nas imagens que assiste. Para o autor existe uma única diferença que permite que o espectador saiba da natureza do que se apresenta na sua frente: “a direção apontada pelos olhos dos protagonistas” (MACHADO, 1995, p.83). Machado explica que:

"Nos sistemas figurativos, considera-se que quem olha direto para a câmera representa-se a si próprio e pressupõe a mediação de um aparato técnico entre ele e o espectador. Quem fala e age o tempo todo sem olhar para a câmera (como acontece amiúde no cinema) representa um outro e faz de conta que não existe uma câmera diante dele, nem que ele esteja sendo observado por um espectador: é como se os fatos estivessem acontecendo num mundo à parte, independentemente do ato da enunciação (ibid.)".

Ao mesmo tempo em que ao olharem para a câmera os personagens quebram a visão ficcional dos espectadores, eles revelam a própria realidade da obra e do aparato técnico que a constitui; mas o texto que ouvimos não nos deixa entrar na linguagem do universo jornalístico/informativo ou do documentário que nos conta uma história real, pois o que ouvimos (os relatos de suas mortes prévias) não nos permite permanecer no terreno da lógica do real. Há uma ambigüidade permanente na obra; realidade e ficção dialogam o tempo todo, nos deixando num campo flutuante e fascinante, diante desta questão.

A ficção está presente no texto, roteirizado pelos próprios participantes e gravado com suas vozes. Eles criaram estes textos a partir das perguntas que os autores lhes formularam: “Vamos imaginar que nos encontramos daqui a algum tempo, em algum bar do além, paramos para tomar uma cerveja, e nós lhe perguntamos: E aí? Como é que foi pra você? Morreu como, de que?”[4] Está também presente na construção das imagens, na própria mise-en-scène da obra, a partir do momento que essas pessoas foram convidadas a representar um ato do seu cotidiano (a troca de roupa), a fazê-lo diante de uma câmera, num horário e local previamente escolhidos. É um jogo combinado. Também se revela na primeira parte do vídeo (Andante), quando foram convidadas a caminhar de um lado para o outro, intercalando breves pausas, enquanto olham para as câmeras (novamente, para o espectador). Esta combinação de ficção, realidade e diálogo (o convite do olhar), produz o efeito que estamos analisando.

Como Mello discorre em sua crítica sobre a exposição,

"É notável verificarmos neste conjunto de video-instalações o quanto essa rede de conexões estabelecida com o outro e o quanto movimentos opostos entre o que é real e o que é construção intercambiam-se gerando uma ambigüidade capaz de nos fazer entrar num jogo narrativo muito mais complexo e desconcertante sobre os confrontos com a vida real e certos dilemas da sociedade contemporânea. Expandem-se, assim, as fronteiras entre o documentário e a ficção, o visível e o sugerido, o vivido e o imaginado.[5] "

Tutti Veneziani (“todos venezianos”, alusão ao popular tutti gente buonna (“todos gente boa”), bordão comum na coloquialidade italiana) produz uma sensação de cumplicidade e intimidade nos espectadores; sensação esta que os mantém presos no banco, mesmo após terem percebido que nada de diferente, de absolutamente novo vai acontecer na tela no restante dos cinqüenta minutos de projeção dos quais os espectadores já estão informados ao entrarem na sala. Mas as pessoas permanecem sentadas e assistindo. Não é a “voracidade contínua” diante das seqüências de imagens, mencionada por Barthes (1984), que os faz permanecerem atentos no pequeno banco duro e desconfortável, ou mesmo em pé. Não é a curiosidade voraz pela próxima imagem que virá, a responsável pela fruição atenta. Mas o prazer de compartilhar esta obra que nos oferece três dimensões temporais, nos fazendo ao mesmo tempo cúmplices e voyeurs do espetáculo de vida e morte alheios; nos projetando para dentro deste jogo, nos fazendo experimentar a sensação de pertencermos a este espetáculo constituído de tantas dimensões. Os três tempos a que me refiro são:

1 - O tempo da imagem que se desenrola a nossa frente: a pessoa troca de roupa.

2 - O tempo do relato que ouvimos, quando esta pessoa, de algum lugar/tempo narra o dia e hora de sua morte. Este momento logicamente teria que ter sido posterior ao momento da imagem captada, em relação a ela, estaria no futuro. Nós então vemos presente e ouvimos futuro, ou passado e presente simultaneamente.

3 - O terceiro tempo é o momento da morte relatada. Quando teria sido isto? Depois deste registro de imagem, obviamente. Mas quando? 

A dupla de autores brinca com os dois conceitos de tempo: CRONOS e KAIROS, respectivamente “tempo do relógio, e tempo psicológico, da percepção, nem sempre o tempo real”[6] . Afirmam que com este jogo entre os tempos, “a morte é um futuro projetado no passado” (ibid.).

Tutti Veneziani cria diversos “campos cegos” (BARTHES, 1984) nas suas seqüências. Ao relatarem suas mortes, as personagens levam os espectadores a imaginar outros cenários, outros tempos, outras situações além daquela que se apresenta na tela. Estas informações dadas nos relatos fazem com que nós, espectadores, coloquemo-los (os personagens) em outros cenários cotidianos, em outras dimensões temporais, em outros campos imaginários, encorpando a nossa percepção sobre os mesmos, concedendo-lhes mais realidade, mais consistência física, mesmo quando os relatos são por demais mágicos ou fantasiosos (como, por exemplo, o da mulher que diz que ao morrer estava alada, voando, ou o do cozinheiro que afirma que morreu ao fritar um polvo, atacado pelo animal que ainda estava vivo na cozinha). São campos cegos nos quais temos como guias a junção dos relatos com o nosso universo imaginário. Criamos para poder perceber e entender.

Em Tutti Veneziani o espectador se encontra imerso numa obra constituída de fragmentos, um quebra-cabeças sem unidade temporal cuja cronologia ele deve construir por si só. A ordem cronológica dos acontecimentos é quebrada, o que leva o espectador a abrir mão de suas formas habituais de apreensão e leitura no decorrer destas narrativas. A obra de Dias e Riedweg, como vimos anteriormente, nos convida a imaginar e criar a partir de memórias evocadas pelas imagens.As imagens nos guiam, mas nós fazemos o roteiro.

Esta vídeo-instalação provoca inicialmente no espectador o desejo de decifrar a lógica espaço/temporal da obra, a fim de encontrar um fio narrativo. Mas, aos poucos, é a própria abstração narrativa da obra que se impõe, levando o espectador a estabelecer associações livres entre diferentes temporalidades. É como se a não decifração lógica fosse justamente o ponto sensível criado por esta vídeo-instalação. Tutti Veneziani priva o espectador da continuidade temporal para fazê-lo oscilar entre narrativas contraditórias: morte e vida, vida pública e vida privada, individual e coletivo, tempo cronológico linear e tempo não linear. Em vez da evolução cronológica dos acontecimentos, o espectador acede a uma concepção bem mais complexa de tempo: onde existência é percebida como passagem e movimento. E é neste jogo que Tutti Veneziani envolve o espectador, chamando-o a participar da construção da obra, como passageiros de uma viagem a um novo tempo, tempo de movimento, tempo de decifração e de construção. Ele se torna, então, o “participante” das obras neoconcretas. Segundo os próprios autores "para relacionar o indivíduo e o corpo social no qual se insere, procuramos desenhar conceitos onde o(s) público(s) vê(em) suas questões refletidas, de forma tal a estimulá-lo(s) a participar da própria obra, não mais como objeto representado, mas enquanto sujeito atuante.[7] "

Fragmentos dos relatórios dos alunos sobre Tutti Veneziani

“[...] A tensão do filme se constrói a partir da expressão e indiferença nos rostos das pessoas e com o abrir e fechar das portas dos lugares onde se trocam, e não com suas histórias [...].

[...] O fato das pessoas contarem suas aspirações de morte enquanto trocam de roupa coincide por causa da vulnerabilidade apresentada; nos dois atos, pois em ambos os momentos existe uma exposição muito grande, tanto que (normalmente) trocamos de roupa entre quatro paredes e dividimos sentimentos como amor e morte apenas com pessoas muito íntimas. Outro aspecto interessante são as portas... é quase simbólica essa passagem, pois elas entram contam suas histórias de mortes imaginárias de forma tão passageira quanto trocam de roupa [...]”.

Pedro Cardoso Gorender

“[...] Gostei muito do filme devido a sua instabilidade de tempo, onde as vítimas contam suas próprias mortes [...]”.

Raphael Soares da Fonseca

“[...] O psicológico também varia, não só dos personagens, já que quem vê reflete muito sobre o valor da vida... O melhor do filme é o relato das mortes por suas próprias vidas, o que nos faz refletir sobre a verdadeira face da vida [...]”.

Renan Thomaka

“[...] O fato das pessoas tratarem o relato de suas mortes com indiferença dá uma certa proximidade com quem está assistindo ao filme, como se criasse um laço de compreensão. Mesmo que o filme não tenha esta intenção torna-se um filme reflexivo, ou seja, após vermos várias pessoas falando se duas possíveis mortes durante uns 50 minutos, acabamos sendo levados a pensar sobre as nossas [...]”.

Luana Souza da Rocha

“[...] O vídeo é uma maneira nova de arte, já que ele passa sensibilidade a quem vê. Ao contrário do que muitos pensam, arte não é apenas a cópia da realidade, com traços e cores bem desenhados [...]”.

Matheus B. de Moura

“[...] Eu não entendi um ponto do filme: não sei se as pessoas falavam de como tinham realmente morrido ou se falavam do modo como desejavam morrer [...]”.

Tami Estrela Figueiredo

Como podemos observar, perguntas que ficam no ar, palavras como “refletir”, “sensibilidade”, “simbolismos”, assim como o teor do que foi dito nos relatórios dos alunos, nos faz perceber que eles entraram no jogo perceptivo e reflexivo proposto pela obra, o que confirma a presença dos aspectos construtivistas na mesma.

Essas duas experiências nos trouxeram algumas perguntas: será que alguns desses aspectos que estamos chamando de “construtivistas” nestas vídeo-instalações não poderiam ser explorados na construção de vídeos educativos? Não seria bem-vindo este tipo de abordagem em materiais educativos para o ensino da arte, ou até, ousamos questionar, para o ensino de outras disciplinas? A resposta dos alunos não podem ser consideradas como um sinal verde para este tipo de apreensão? Não seria interessante, sob o ponto de vista pedagógico, a apropriação deste tipo de linguagem no campo educativo?

Este trabalho pretende deixar no ar estas perguntas a todos os educadores que utilizam o vídeo como instrumento de aprendizagem em sala de aula. A partir de nossa experiência nós podemos afirmar que este meio pode ser explorado de diferentes maneiras e que a vídeo-instalação tem muito a contribuir no sentido de proporcionar uma apreensão do tipo construtivista das mídias eletrônicas por parte dos alunos de ensino médio.

Nós demos continuidade à nossa pesquisa. Essas indagações nos levaram a buscar e pesquisar no universo das imagens em movimento, mais especificamente no cinema, obras que tivessem contribuições a dar ao ensino da arte, pelas suas próprias abordagens estéticas, obras que contivessem, entre outras propriedades, a de possibilitar uma participação ativa no espectador. Analisando e inspirando-nos nestas obras construímos, em caráter experimental, uma vídeo-instalação educativa[8] para ser utilizada no ensino da arte, material este cuja aplicação em sala de aula já está sendo testado.

Referências:

ARISTARCO, Guido e Teresa. O novo mundo das imagens eletrônicas. Rio de Janeiro:Edições 70, 1985.

BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1984.

DIAS, Maurício e RIEDWEG, Walter. O outro começa onde nossos sentidos encontram com o mundo. In: exposição O outro começa onde nossos sentidos encontram com o mundo, curadoria de Catherine David e Coord. geral de Mauro Saraiva. Entrevista e folder. Rio de Janeiro:CCBB, 2002.

MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo.São Paulo:Brasiliense,1988.

______. Pré-cinemas & pós-cinemas. São Paulo:Papirus, 1997.

MELLO, Christine. Canal Crítico, site www.canalcontemporâneo.art.br. Artigo. Rio de Janeiro:2002.

MORSE, Margaret. Vídeo-Installation Art – The body, the image and the space in-between in Illuminating video – an essential guide to video art. New York, Aperture/BAVC, 1990. 

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro:Vozes, 1977.

Notas:

[1] Profa. Ms. Colégio Pedro II

[2] Janus. Entre mil écrans móveis, define-se a vídeo-arte. Apud Guido e Teresa Aristarco, 1985.

[3] Nas palavras de Machado, após o surgimento das novas tecnologias no campo das imagens, “as imagens são compostas agora com base em fontes as mais diversas: arte é fotografia, parte é desenho, parte é vídeo, parte é texto produzido em geradores de caracteres e parte é modelo gerado em computador” (MACHADO, 1997, p.240).

[4] Maurício Dias, em entrevista à autora.

[5] MELLO, Christine. Canal Crítico, segmento do site www.canalcontemporâneo.art.br.

[6] Mauricio Dias, em entrevista à autora.

[7] Maurício Dias e Walter Riedweg. Texto do catálogo da exposição.

[8]Ruptura e Tradição – Passagens pelo século XIX e XX – Uma vídeo-instalação par o ensino da arte”. Laboratório de vídeo educativo, NUTES, UFRJ, 2004.

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano III - Número 04 - Outubro de 2005 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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