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Técnica Vocal e Repertório no Canto Coral
Autora: Claudia Helena Azevedo Alvarenga[1] - claudiaa@imagelink.com.br

Resumo: A técnica vocal é uma ferramenta útil e poderosa para todos os cantores nos coros. Entretanto, muitos cantores não percebem a importância dos vocalises para o crescimento de suas habilidades vocais. Os exercícios vocais devem estar relacionados ao repertório e ao estilo vocal do grupo. Se a técnica vocal e a música estiverem em sintonia, os ensaios corais podem ser não só mais agradáveis, como também mais qualificados e eficazes.

Palavras chave: música, coro, voz, técnica vocal.

Abstract: The vocal technique is a useful and powerful tool for all singers at choirs. However, many singers do not realize the importance of the vocalises to the growth of their vocal habilities. The vocal exercises should be connected to the repertoire and vocal style of the group. If vocal technique and music come together, the choral rehearsals can be not only more pleasant, but also more qualified and effective.

Keywords: music, choir, voice, vocal technique.

A preparação de grupos corais envolve vários aspectos, além das questões de música e voz propriamente ditas. Não basta que, individualmente, os cantores melhorem a qualidade e o desempenho vocal, mas é importante que estes progressos contribuam para uma boa sonoridade do coro. O preparador vocal ou regente deve estar atento aos avanços na utilização da voz feitos pelos coristas ao longo dos ensaios, observando como polir as arestas e realçar os atributos do grupo.

A maioria dos coros recebe todos os tipos de pessoas interessadas na atividade de cantar. Cantores com pouca ou nenhuma experiência vocal em que faz-se necessário construir toda uma vivência vocal, musical e coral. Os grupos recebem também cantores que já possuem experiência vocal e musical, às vezes como solistas, e aqui surgem outras dificuldades como, por exemplo, ajustar suas qualidades vocais a um trabalho de naipe, timbrar, ouvir-se e perceber-se no jogo das vozes. O trabalho de técnica vocal deve valorizar os diferentes níveis de desenvolvimento musical existentes dentro do coro para que cada um possa fazer o seu aprendizado, contribuindo para o equilíbrio musical do grupo.

A preparação vocal deve buscar também a autonomia dos cantores, realçando as conquistas individuais em cada etapa. As qualidades que cada cantor traz devem ser compartilhadas e, na medida do possível, aproveitadas por todos nas músicas. Assim, coristas que tocam instrumentos podem participar cantando e tocando em determinados arranjos, cantores que imitam vozes e timbres específicos devem, em alguma oportunidade, inserir suas experências no trabalho vocal do grupo.

As pessoas buscam o canto coral como atividade por diversos motivos, sejam estes musicais ou não. Alguns querem apenas cantar mais descontraidamente, outros querem aprofundar-se em questões de música, existem aqueles que estão ali apenas para uma atividade de lazer. Enfim, apesar de tantos objetivos diferentes entre si, há algo em comum nestes propósitos aparentemente dissonantes: a vontade de melhorar a qualidade de vida. É a partir da possibilidade de dar mais um passo à frente e de aprender algo a mais ou diferente que o regente pode tirar proveito aliando o fortalecimento musical-artístico do coro à satisfação contemplada de cada cantor.

Na atividade de canto coral a tarefa, é claro, concentra-se no ato de cantar. Cantar no ensaio é diferente de cantar em público. Do aprendizado de uma canção até sua apresentação para outras pessoas, passa-se por várias etapas: estudo da dicção, da acentuação, dos aspectos rítmicos e do significado do texto a ser cantado; treino da memória melódico-harmônica; realização de fraseados e dinâmicas; escuta e equilíbrio de cada voz com o naipe a que pertence, relação de cada naipe com o coro na canção, movimento e expressão do que se canta na hora da apresentação – todas essas situações envolvem aprendizados de natureza diversa e que se inter-relacionam .

Portanto, além das questões inerentes à técnica vocal - respiração, apoio, articulação (vogais e consoantes), ressonância, timbres, extensão, agilidade, entre tantas outras, é importante que esta apresente algumas características para que se torne uma aliada do aprendizado e do aprimoramento do repertório.

Os exercícios devem se constituir em um desafio para o grupo, mas um desafio que se perceba como superável. O corista deve entender que existe uma proposta que vai exigir mais naquele momento da sua escuta ou da sua respiração, da sua agilidade ou da qualidade da sua afinação, mas, ainda assim, deve sentir que este é um esforço transponível. O preparador pode e deve relacionar o repertório que os cantores estão estudando e os exercícios vocais realizados, mostrando pontos comuns existentes. Se a tarefa vocal sugerida parecer muito distante ou difícil, perderá o interesse. O corista não se sentirá encorajado a cumprí-la pois não vislumbrará algum avanço no seu aprendizado. Ao mesmo tempo, se o exercício vocal quase sempre funcionar ou aparentar-se a um simples aquecimento da musculatura para o canto, não despertará o interesse também. Afinal, isto pode ser feito enquanto se canta as canções do coro ao longo do ensaio.

Outra questão é o estímulo sonoro. O corista deve ter acesso ao exemplo vocal ao vivo sobre o que regente ou preparador quer ouvir do grupo, e não apenas à descrição do fato. O preparador vocal ou diretor deve cantar, mostrar o modelo do que ele quer ouvir, deve exemplificar e não apenas descrever com palavras. A descrição ajuda na construção das imagens sobre questões de afinação, fraseado, estrutura, timbres, articulação e dinâmica, mas a palavra não pode substituir a escuta e o contato com o exemplo vivo. A possibilidade de imitação é fundamental no aprendizado do canto. E, se nesse caso, regente e preparador vocal são duas pessoas diferentes, é muito importante que ambos compartilhem de um perfil vocal, de um gosto estético semelhante ou estejam muito ajustados durante o ensaio, pois se estas diferenças, de algum modo, saltarem, podem gerar um certo impasse no trabalho vocal.

A técnica vocal deve estar o mais próximo possível do objetivo musical do grupo, devendo ajudar na compreensão das músicas cantadas. O regente deve fazer uma leitura da música observando as exigências vocais do repertório. Por exemplo, se o repertório tem por característica, gêneros específicos da música brasileira, pode ser vantajoso extrair as estruturas rítmicas do arranjo para serem praticadas isoladamente em vocalises. Se há muitas canções no modo menor natural1, os vocalises podem já antecipar esta informação. Caso tenha muitos cromatismos2 dificultando a percepção harmônica3, é produtivo vocalizar mudando a tonalidade para que o grupo construa, aos poucos, a imagem harmônica. Se o arranjo pede que um naipe mude subitamente de timbre em um trecho, é preciso treinar essa agilidade também fora da música, aproveitando a oportunidade para sugerir o mesmo exercício a todos os naipes. Se uma determinada frase musical é longa devendo ser cantada sem cortes, antes mesmo de começar a ensinar a nova música, antecipar este momento no aquecimento vocal pode tornar o aprendizado mais fácil. Quando a frase musical aparecer na canção, muitos cantores logo a reconhecerão como o tema do aquecimento vocal e certamente estarão mais receptivos tanto à música quanto à própria prática da técnica vocal.

A técnica vocal pode resolver problemas que, de certa forma, ficaram crônicos na realização das músicas. Observando os trechos de maior dificuldade de realização, o regente pode criar estratégias que facilitem a assimilação de questões musicalmente mais complexas.

Para finalizar, o trabalho de técnica vocal não deve estar presente apenas em um determinado momento do ensaio, mas permeá-lo, não se limitando apenas aos minutos iniciais do encontro do grupo. Os exercícios gradativamente devem possibilitar uma realização do repertório com melhor qualidade artística. É importante conectar treinamento vocal e exigências do repertório. Aproximar os vocalises do cancioneiro realizado, fazendo com que aqueles fiquem cada vez mais musicais.

Afinal, os ensaios de grande parte dos coros são tão poucos durante a semana e tão curtos de duração que quanto mais os encontros combinarem qualidade artística e prazer de cantar, todos - preparadores, regentes e coristas – irão se beneficiar com a atividade de canto coral.

Referências:

COELHO, H.W. Técnica Vocal para Coros. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1994. 76p.

FERREIRA, A.B.H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1352.

GOULART, D. e COOPER M. Por todo canto: exercícios de técnica vocal. Rio de Janeiro: D. Goulart, 2000. 41p.

MARSOLA, M. e BAÊ, T. Canto: uma expressão: princípios básicos de uma técnica vocal. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001. 111p.

MED, B. Teoria da Música. Brasília: Musimed, 1996. p.10.

SOBREIRA, S.G. Desafinação Vocal. Rio de Janeiro, 2002. 193p.

Notas:

[1] Professora do CAp-UFRJ (Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Resumo Estendido de trabalho apresentado na palestra Técnica Vocal e a Preparação de Grupos Corais na I Jornada FAETEC de Música Coral em 24/06/2004 no Rio de Janeiro - RJ.

1. aquele cuja primeira terça da escala é um intervalo menor, e que apresenta um semitom entre o segundo e o terceiro e entre o quinto e sexto graus.

2. composto de uma série de semitons.

3. conjunto de sons dispostos em ordem simultânea.

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano IV - Número 05 - Abril de 2006 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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