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OBS: Este texto é parte integrante da Editoria de Projetos pedagógicos, sob coordenação da Profª. Me. Anna Rita Araújo. Foi encomendado ao autor, não tendo sido selecionado pelo Conselho Acadêmico e, portanto, não configurando uma publicação da Revista Digital Art&.

Diálogos e reflexões com educadores: a instituição cultural como potencialidade na formação docente
Erick Orloski [1]

Ao ingressar no antigo curso de Educação Artística, no Instituto de Artes/UNESP em São Paulo, ainda não tinha uma clara pretensão de me tornar um educador. Mas no decorrer da graduação o que apenas poderia ser uma possibilidade mais segura de trabalho na área de arte se tornou meu interesse principal: a arte-educação. Na verdade o interesse residia justamente na questão do ensino, mas ainda muito enraizado numa concepção do professor polivalente de educação artística, onde escolhi então as artes cênicas como uma privilegiada integradora das linguagens artísticas.

Quase uma década depois minhas concepções passaram por uma profunda transformação, mas um compromisso sócio-político-educacional surgido ainda neste período da graduação vem acompanhando minha trajetória profissional: além de buscar ampliar e potencializar minha formação e atuação enquanto educador, contribuir para a formação de melhores educadores.

Após ministrar alguns cursos e oficinas para alunos do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (FEUSP) e de lecionar na educação infantil e no ensino fundamental na rede particular, no ano de 2001 tive a oportunidade de trabalhar com a então recém formada equipe do arteducação produções, experiência esta que foi um marco na minha formação profissional. As arte-educadoras Ana Amália Barbosa, Sofia Fan e a Profª Drª Rejane Coutinho reuniram uma equipe de educadores e artistas para a concepção e desenvolvimento do projeto de ação educativa da primeira exposição do Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo (CCBB-SP), Metro – A metrópole em você, com produção de Marcelo Dantas e obras do artista plástico Tunga. Desta experiência nasceu a equipe, da qual passei a ser integrante após esta exposição.

Segundo a linha de funcionamento do CCBB-SP, ação educativa é o projeto específico de atendimento ao público visitante das exposições de artes visuais – sendo este espontâneo, agendado e/ou escolar – realizado por arte-educadores, contratados e coordenados por uma equipe terceirizada, responsável pela proposta pedagógico-conceitual. O arteducação produções, de 2001 a 2005, foi responsável pela ação educativa de quinze (15) diferentes exposições no CCBB-SP, tendo como principal eixo teórico a Proposta Triangular [2] para o ensino de arte, no entanto não constituindo uma equipe fixa de trabalho, em função de uma política de rotatividade da instituição. O Programa Educativo do CCBB-SP se constitui como um setor mais amplo, que possui outros projetos além da ação educativa.

Nos anos de 2001 e 2002, agregado ao trabalho na ação educativa, o arteducação produções iniciou um projeto piloto intitulado Projeto Professor – Encontros no Centro, proporcionando encontros voltados a educadores que, a princípio, visitariam a exposição de artes visuais vigente com seus alunos. O incipiente projeto cresceu nestes dois anos e, em 2003, tornou-se um programa autônomo, o Diálogos e reflexões com educadores.

Participei de toda a gênese e transformação do projeto e identifiquei uma excelente oportunidade de pesquisa a partir deste trabalho. Também no ano de 2003 ingressei no curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Artes Visuais do Instituto de Artes UNESP, com um pré-projeto de pesquisa sobre a utilização da Proposta Triangular na formação de educadores em arte no projeto Diálogos e reflexões com educadores.

No decorrer de minha pesquisa pude acompanhar a consolidação do programa na instituição e com seu público específico, sendo que em relação a este último, também houve uma transformação em seu foco de interesse. Mas convém uma melhor contextualização acerca destes Diálogos.

O programa Diálogos e reflexões com educadores é constituído por encontros voltados a educadores, mas abertos ao público interessado em geral, que acompanham o calendário de exposições de artes visuais do CCBB-SP. A cada exposição é desenvolvido um encontro específico, oferecido em diversas datas para diferentes grupos de educadores, o que totaliza cerca de quatro (04) encontros diferentes no ano, numero de exposições que o CCBB-SP vem realizando por ano, desde 2004. Os encontros são gratuitos e têm a duração de quatro (04) horas, compreendendo geralmente uma visita à exposição e diferentes dinâmicas para aprofundamento, discussão e reflexão de temas ligados ao universo da exposição e da arte-educação. Embora exista um estímulo para que o educador freqüente os diferentes encontros do ano, os mesmos são independentes e não constituem um curso formalmente.

Parte deste estímulo se dá pelo material gráfico educativo oferecido aos participantes, em forma de encarte, sendo um específico para cada exposição/encontro e estes compõem um pequeno conjunto, em uma espécie de caixa-fichário. Este material contém um texto escrito sempre por dois pesquisadores, integrantes da equipe do arteducação produções – sob coordenação de Rejane Coutinho e com consultoria de Ana Mae Barbosa – além imagens da exposição e referências bibliográficas, virtuais e afins. Algumas das imagens são integradas ao corpo do texto e, desde o ano de 2004, são oferecidas também imagens em transparências, sugestão feita pelos próprios professores participantes dos encontros, tendo em vista a utilização na sala de aula.

O público participante vem aumentando significativamente desde 2003, em especial entre professores de escolas públicas e parece haver também uma potencial divulgação do programa no chamado boca-a-boca. Atualmente, a cada encontro, com cerca de cinqüenta (50) professores, aproximadamente 50% já participaram de encontros anteriores e os outros 50% são professores novos, muitas vezes trazidos por um colega, o que é um indicativo de o projeto continua crescendo.

Como mencionei antes, encontros como este são voltados a uma melhor preparação do professor que pretende trazer seus alunos a uma visita à exposição, visando dar subsídios teórico-práticos para o antes e o depois da visita, estimulando o professor ao desenvolvimento de um projeto pedagógico. Este não é exatamente um aspecto inovador do programa e todas as principais instituições culturais da cidade de São Paulo, que possuem um setor ou programa educativo, oferecem encontros similares, mas um aspecto que chamou a minha atenção enquanto pesquisador vem chamando atenção da equipe do arteducação produções é que os Diálogos vêm se configurando como um programa de formação contínua de educadores.

Muitos de seus participantes freqüentam os encontros independentemente de levarem seus alunos a uma visita à instituição, até porque é sabido das dificuldades de um professor em organizar este tipo de saída na escola, mesmo com o oferecimento – ainda que muito limitado – de ônibus gratuito às escolas públicas por parte do CCBB-SP. Na maioria dos casos, numa previsão mais otimista, o professor consegue organizar uma visita por semestre.

Então, o que exatamente estes professores vêm buscar no programa? Tal qual sugere o nome, os Diálogos e reflexões com educadores se configuraram como um espaço de trocas de informações e vivências, aonde educadores vêm buscando ampliar e potencializar sua formação, além de conhecer arte, em especial a arte contemporânea – de ainda restrito acesso bibliográfico – a qual o CCBB-SP vem privilegiando em sua programação, em especial a brasileira.

Existe uma sede muito grande deste público pela informação, em especial as que não estão nos livros de mais fácil acesso e o programa busca lidar cuidadosamente com esta demanda, pois um encontro de apenas quatro (04) horas é bastante limitado em relação ao que é possível trabalhar de informações. Mas há uma opção conceitual da equipe do arteducação produções em relação a como são ministrados os conteúdos: são trabalhadas informações essenciais, muitas advindas da própria visita a exposição, mas há uma priorização para questionamentos, que por sua vez levam os participantes a um processo de, de fato, diálogos e reflexões.

O professor é estimulado a uma pesquisa individual sobre o tema, mediante o enfoque que julgar mais adequado às suas necessidades, no intuito de que se torne agente de seu processo e desenvolva seu próprio projeto pedagógico. Portanto, não há receitas para a sala de aula no programa, na verdade, justamente ao contrário, os questionamentos são o estímulo ao professor enquanto pesquisador. Tanto o encontro, como o material gráfico educativo buscam amparar o professor neste processo, fornecendo informações, dicas e fontes de pesquisa, como livros, filmes, sites, outras instituições culturais, entre outros.

Em minha análise este aspecto despontou como fundamental no programa, razão pela qual mudei enfoque de pesquisa, que me levou à defesa da dissertação de mestrado Diálogos e reflexões com educadores: a instituição cultural como potencialidade na formação docente (2005) [3], sob orientação da Profª Drª Mirian Celeste Martins. O objetivo foi o de verificar o quanto à participação (referente ao ano de 2003) no programa influenciava o processo e formação contínua de um grupo de educadores, através de seus depoimentos.

Em função do enfoque qualitativo da pesquisa, optei por entrevistar um pequeno grupo de educadores, buscando que o mesmo fosse representativo em relação ao público do programa, embora não caracterizando uma amostragem. Foram selecionados então cinco (05) educadores: dois (02) professores de arte para o ensino fundamental e médio na rede municipal e estadual (sendo um homem e uma mulher), representativos do segmento onde se encontra a maioria dos professores de arte, também maioria no programa; uma (01) professora de 1ª série do ensino fundamental na rede municipal, representando não apenas os professores de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, mas também de educação infantil; um (01) professor de história para o ensino fundamental na rede municipal, representando os professores de outras áreas; e uma (01) professora universitária, do curso de licenciatura em artes visuais, que também havia trabalhado como educadora em instituições culturais, representando não apenas o ensino superior, como a educação não formal.

A característica fundamental do público freqüentador do programa é justamente a diversidade, dos diferentes segmentos do ensino formal (educação infantil ao ensino superior) à educação não-informal. Esta foi uma característica levantada não apenas por mim, mas também pelos próprios entrevistados, onde, por exemplo, o professor de história mencionou achar muito interessante e também sadia a participação dos diversos professores, incluindo até de educação física.

A quantidade reduzida de entrevistas buscou levar a uma análise mais aprofundada, no entanto, o número cinco (05) teve uma relação maior no todo da pesquisa. Na busca de uma unidade estético-conceitual, a estrutura da dissertação foi dividida em introdução e quatro capítulos, cada qual com o nome e uma relação estabelecida com uma das cinco (05) exposições de artes visuais do CCBB-SP no ano de 2003. Esta relação não obedeceu à ordem cronológica das exposições, mas as relações conceituais onde as exposições-títulos foram descritas e as conexões estabelecidas.

No capítulo I - Andy Warhol e Keith Haring: John Dewey e Donald Schön, encontro de mestres e discípulos, apresentei as principais bases teóricas da pesquisa, enfocando teorias sobre pensamento reflexivo e experiência, segundo John Dewey (1959,1994), e o conceito de professor reflexivo, segundo Donald Schön (1992, 2000) e seus críticos. No capítulo II - Ordenação e vertigem: análise do projeto Diálogos e reflexões com educadores e suas características, realizei uma descrição detalhada do programa, bem como da instituição promotora e da equipe realizadora. No capítulo III Pele, alma: depoimentos de educadores participantes do projeto foram feitas as análises das entrevistas coletadas dos cinco educadores selecionados. Finalmente no capítulo IV, Claraluz: considerações finais em meio à trama de luzes, sombras e perspectivas, apresentei as conclusões obtidas na pesquisa, consciente de que estas são sempre provisórias, pois sempre será possível analisá-las por novos ângulos, tendo em vista que um trabalho de pesquisa sempre se abre para outras questões.

Em minhas considerações finais, três aspectos fundamentais foram reiterados e ou potencializados por esta pesquisa, tendo em vista e formação contínua de educadores em arte em instituições culturais: a práxis, a experiência estética e autonomia.

O primeiro, é a necessidade de uma práxis, ou seja, uma complementaridade entre teoria e prática necessária ao exercício do educador e possivelmente a todo profissional. O diálogo entre as idéias de Donald Schön e Selma Garrido Pimenta (2000), ampliado por outros autores, apontou para importância da prática do professor reflexivo, alimentada por teorias, que por sua vez não se distanciam desta prática.

Programas de formação contínua de educadores em instituições culturais devem possuir uma fundamentação teórica, condizente com a sua prática, apresentando aos professores participantes as teorias que possam alimentar as suas práticas em sala de aula, bem como a pesquisa educacional. É importante que os professores se apropriem, mais do que de teorias e conceitos em si, do exercício do pensamento reflexivo e crítico em seu contínuo processo de formação e aprendizado. Isto quer dizer, são necessários projetos onde os professores não são apenas ouvintes. Neste sentido, um projeto como Diálogos, onde há um número reduzido de educadores por encontro, há um estímulo à participação mais ativa dos participantes.

O segundo aspecto está ligado à experiência estética, além da experiência do pensamento, à relação do educador com a obra de arte propriamente dita. Este contato, conforme venho reiterando, é o diferencial do museu e da instituição cultural em relação às universidades e às escolas, por exemplo, sendo fundamental que o educador se relacione com as obras de arte e que esta relação seja potencializada pelos programas de formação contínua, estimulando processos de reflexão e aprendizado que este exercício também promova o diálogo, reflexões coletivas, junto a outros educadores.

O último aspecto está relacionado à questão da autonomia do educador, no sentido do exercício voluntário, consciente e ativo, tal qual propõem os conceitos de pensamento reflexivo e experiência de Dewey e de professor reflexivo de Schön. Diferentemente da conotação dada pelas políticas de característica neoliberal, de transferir toda a responsabilidade – em especial dos problemas – da educação brasileira aos professores, programas de formação – em instituições culturais ou não – devem estimular os educadores a assumirem de maneira consciente e autônoma seu processo de formação e prática da sala de aula, pautadas pela reflexão e pela crítica, estabelecendo as devidas relações com o seus diversos contextos.

Em seu ainda curto período de existência o programa foi alvo de uma segunda pesquisa, esta realizada no ano de 2004 e encomendada pelo próprio CCBB-SP, com o objetivo de verificar o alcance do material e dos encontros no ambiente escolar. Setenta (70) professores das redes públicas e privada da cidade de São Paulo foram acompanhados ao longo do ano e seus projetos de aula foram analisados através dos trabalhos de seus alunos. O resultado evidencia o uso do material oferecido pelo programa através da apropriação de seus conteúdos pelos professores que construíram suas aulas com ele.

Esses resultados revelaram também uma maior diversificação de materiais e repertório na sala de aula, propostas mais inclusivas e voltadas para o contexto de vida dos alunos, e uma discussão sobre arte, principalmente sobre arte contemporânea, que chega a levantar problemas estéticos e filosóficos. Como efeito multiplicador esta pesquisa foi publicada com o título Artes Visuais: da exposição à sala de aula [4] (2005), de autoria das arte-educadoras Ana Mae Barbosa, Rejane Coutinho e Heloisa Margarido Salles.

Não foi possível a este texto mais do que uma pequena menção a esta última pesquisa, mas os leitores podem ter facilmente acesso à publicação [5], que se apresenta como uma das mais recentes de Ana Mae Barbosa. Optei neste texto por entrelaçar a história dos Diálogos e de minha pesquisa e, de certa forma, também minha trajetória profissional. A dissertação ainda não se encontra publicada, podendo ser consultada na biblioteca do Instituto de Artes UNESP.

Encerro este texto convidando os leitores – educadores ou não – a lerem a pesquisa e/ou o livro e, especialmente, a participarem dos encontros do programa, compartilhando conosco destes Diálogos e reflexões com educadores.

Diálogos e reflexões com educadores
Coordenação geral: Rejane Coutinho


Consultoria especial: Ana Mae Barbosa
Pesquisadores: Alberto Tembo, Ana Amália, Camila Lia, Christiane Coutinho, Erick Orloski, Guilherme Nakashato, José Minerini Neto, Moa Simplício.
Produtora executiva: Edna Onodera
Conceito, pesquisa e desenvolvimento: arteducação produções.
Patrocínio e realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Inscrições e informações: (11) 3113-3647/ (11) 3113-3649

Notas:

[1] Arte-educador, mestre em artes visuais pelo Instituto de Artes UNESP (linha de pesquisa Ensino e aprendizagem da arte), integrante da equipe do arteducação produções desde 2001, onde já atuou como supervisor da equipe de arte-educadores, coordenador de oficinas, assistente de coordenação da ação educativa, além de pesquisador, palestrante e co-organizador do programa Diálogos e reflexões com educadores. Professor da disciplina Trabalho de conclusão de curso (TCC), na Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade Montessori de Educação e Cultura (FAMEC).

[2] A referida proposta concebe o ensino de arte a partir de três esferas intercomunicantes: a leitura da obra de arte, sua contextualização e a produção e/ou fazer artístico. A proposta foi teorizada pela Profª Drª Ana Mae Barbosa (1989,1998), tendo sido absorvida, repensada e adaptada por diversas linhas de pensamento em ensino de arte no Brasil.

[3] ORLOSKI, Erick. Diálogos e reflexões com educadores: a instituição cultural como potencialidade na formação docente, 2005. (Dissertação de mestrado. Instituto de Artes/UNESP).

[4] Barbosa, Ana Mae; Coutinho, Rejane Galvão e Sales, Heloisa Margarido. Artes Visuais: da exposição à sala de aula. São Paulo, Edusp, 2005.

[5] Professores têm 50% de desconto na compra do livro na Edusp e no próprio CCBB-SP, ao apresentarem hollerit.

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano IV - Número 05 - Abril de 2006 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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