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Weblog nas Artes Visuais: experiência e possibilidade
Autora: Kátia Alexandra de Godoi e Silva[1] - katigodoi@gmail.com e ka.godoi@bol.com.br

Resumo: Este trabalho relata a contribuição do uso do weblog, na elaboração de uma proposta de trabalho realizada nas disciplinas de Multimeios e Desenho, em um curso de graduação em Artes Visuais. Do surgimento do problema aos resultados obtidos com o trabalho proposto, todo o processo é narrado com textos e imagens postadas pelos alunos nos weblogs.

Palavras-chave: Weblog, artes visuais, multimeios, desenho, interação.

Abstract: This work reports the contribution made by the use of weblogs in the elaboration of a work proposal realized in disciplines of Multimedia and Drawing, in the graduate course in Visual Arts. From the detection of the problem to the results obtained through the proposed method, the entire process is narrated with the aid of texts and pictures posted by students in weblogs.

Key words: Weblog, visual arts, multimedia, drawing, interaction.

Introdução

Alunos, professores e coordenadores de cursos de formação de professores estão cada vez mais conscientes da importância da formação para uso das tecnologias educacionais, com isso nos cursos, vêm sendo pensadas alternativas que passam pela criação de projetos interligando disciplinas com o uso da tecnologia.

Durante um trimestre, propôs-se à utilização de weblogs como ambientes de aprendizagem e de desenvolvimento de projetos. A experimentação realizou-se no período de outubro de 2005 a dezembro de 2005, na Faculdade de Artes do Paraná, envolvendo professores e alunos das disciplinas de Multimeios[2] e Desenho[3] do Curso de Artes Visuais.

Sendo assim, este artigo traz o relato de uma experiência do uso de weblogs e a articulação entre duas disciplinas, com o intuito de contribuir para a construção de novas alternativas metodológicas para a formação de professores no uso das tecnologias educacionais informatizadas.

Conceituação de Weblog

Para compreender o conceito de weblog é preciso sistematizar dois elementos iniciais e fundamentais: o primeiro é que o weblog possui uma estrutura-padrão, um formato específico com algumas variáveis e por isso são facilmente distinguíveis na Internet, esta estrutura é determinada por um conjunto de blocos de conteúdo textual ou imagético permanentemente renovado; o segundo é que o weblog é organizado em função do tempo, ou seja, com as últimas atualizações na parte superior do weblog e as mais antigas logo abaixo, organizadas de acordo com a data de publicação do bloco de texto, privilegiando a atualização mais recente, permitindo então que o visitante saiba quando o weblog foi atualizado.

Weblog ou, simplesmente, blog, pode ser descrito como um website com mensagens organizadas em ordem cronológica reversa e com uma interface de edição simplificada, através da qual seu autor pode inserir novos posts sem a necessidade de escrever qualquer tipo de código em HTML.

Um weblog é construído através de programas e/ou ferramentas disponíveis na rede, localizadas em sites, que proporcionam atualização instantânea da página. Um dos elementos que diferencia o weblog de outros sites diz respeito à facilidade com que este tipo de página pode ser construído, além da descentralização de sua manutenção, já que seus usuários têm a possibilidade de postar de qualquer lugar em que haja um computador conectado à rede.

Em linhas gerais, os weblogs segundo GUTIERREZ [2005], caracterizam-se por serem: relatos pessoais partindo de um ponto de vista próprio; por possuírem estrutura hipertextual; por se constituírem de textos serem curtos e postados em blocos padronizados; por estes blocos de texto ou posts estarem organizados em ordem cronológica reversa; por cada bloco de texto possuir um link permanente de acesso; por permitirem o acesso público e gratuito ao conteúdo da página; por serem contextualizados e enriquecidos por comentários; por serem freqüentemente atualizados; por terem as postagens mais antigas arquivadas, permanecendo à disposição; por serem intertextuais e interdependentes, possuindo ligação com outros textos.

A decisão pelo uso de weblogs, na experiência descrita a seguir, se deu pelo ângulo da sua funcionalidade, por se diferenciar de todas as outras formas de relacionamento virtual [e-mail, chat, instant messages, listas de discussão, etc.] justamente pela sua dinamicidade e interação possibilitadas pela facilidade de acesso e de atualização.

Experiência e Possibilidade

O inesperado surpreende-nos. É que nos instalamos de maneira segura em nossas teorias e idéias, e estas não têm estruturas para acolher o novo. Entretanto, o novo brota sem parar. Não podemos jamais prever como se apresentará, mas deve-se esperar sua chegada, ou seja, esperar o inesperado. E quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever nossas teorias e idéias, em vez de deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de recebê-lo.

Edgar Morin

No ano de 2005, ao assumir como professora colaboradora da disciplina de Multimeios, percebeu-se a necessidade de apresentar uma proposta de trabalho que envolvesse os alunos efetivamente com a construção do conhecimento. Qual proposta metodologia poderia atender às expectativas do uso do computador na formação de professores de Artes Visuais?

Dessa forma, foi apresentada uma proposta de trabalho para os alunos: a produção de um weblog com apoio da disciplina de Desenho. Após a apresentação da proposta, aconteceu um fato inesperado, os alunos tornaram-se inquietos e apreensivos. A inquietação foi geral, todos queria um esclarecimento do que realmente iria acontecer. Foi proposto então, um debate, com a finalidade de localizar onde se encontrava o problema, e ficou claro, que eles estavam preocupados e apreensivos com várias questões, mas o foco principal era a ‘privacidade’.

O passo seguinte foi uma pesquisa na web sobre o uso do weblog na formação de professores, surgindo assim, a necessidade de um outro debate. Desta vez, mais tranqüilos e conscientes de como seria o trabalho, cada aluno deu início a produção de seu próprio weblog.

A proposta iniciou com a participação de alunos e professores. O acesso e publicação no ambiente era livre e era estimulada a participação dos alunos na elaboração de textos e inserção de imagens. E assim, foram criando seus weblogs e os usando como ambiente de testes, diário de aprendizagem, repositório de informações e espaço para reflexões de toda a ordem:

[...] “a partir desse blog estarei divulgando pesquisas realizadas para as disciplinas de Desenho e Multimeios do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade de Artes do Paraná”.[4]

"Agora vou começar de verdade a ‘memoriar’ sobre minha produção de desenho ou me ‘desmemoriar’ de vez estando neste blog”.[5]

"Os avanços da comunicação parecem estimular a covardia e a impessoalidade. São comunicações rasas e narcisistas”.

"Em se tratando de narcisismo... exponho-me aqui com todas nas sombras e luzes e a intimidade de meu projeto de desenho […]. Ainda sangrando pela invasão, exponho-me de maneira impessoal, meus sentimentos e reais valores divergem da mídia formatada”.

"A poesia afasta-se quando se impõe impessoalidade. A identidade, as emoções do traço feito por uma mão, tudo se perde. Sequer resta o cheiro do papel. Sequer resta envolvimento. Sinto falta da materialidade no computador. Vejo algo que somente é projetado, uma ilusão de códigos, uma ilusão impalpável. No entanto reconheço sua importância e utilizo seus códigos freqüentemente. E, ainda sentindo a falta da poesia, tento expressar-me”.[6]

O que ficou evidente no decorrer da proposta foi o envolvimento dos alunos e os resultados foram crescendo qualitativamente. Todos começaram a compreender o ambiente e os processos que nele se movimentavam. Os weblogs começaram a adquirir a dimensão do projeto, que foi se manifestando nos posts e na inserção de imagens. Para Bakhtin [2000, p. 344] “o autor não pode ser dissociado de suas imagens”, uma vez que é parte de suas composições. Por isso, no projeto, além dos textos, a inserção de registros de imagens foi fundamental, pois a educação e a pesquisa devem abrir espaço para outras expressões que não somente a escrita.

Olha aí mais uma ondinha, essa agora eu extraí através do media player, é um dó cantado pelo vocalista do grupo Ventania, exatamente aos 18 segundos da faixa ‘só para loucos’ do disco, quando ele pronuncia a palavra ‘careta’ prolongando o fonema da silaba ‘re’. O cantor que costuma cantar aos berros possui uma voz muito rouca, o que me instigou a fazer a analise visual do seu timbre”.[7]

Fig. 1 - Onda extraída através do software media player. Weblog de Mauricio Muck <http://maumuck.zip.net/> Acesso agosto de 2006.

Sinceramente não gostei do resultado. Voltei com as leituras de Alice através do Espelho que também não estava mais me atraindo tanto quanto antes. Estava ficando impaciente com a personalidade de Alice e não suportava mais suas ‘brilhantes’ descobertas. Acho que talvez porque os desenhos estavam se tornando menos ‘psicodélicos’ nessa história, ou a estava associando com parte do contexto histórico que não curto”.[8]

Fig. 2 – Desenho de Priscila <http://priccelipric.zip.net/> Acesso agosto de 2006.

Descansei o lápis e o papel, achei que não tinha como ir mais a frente, estava o dia todo sem conseguir estudar, desenhar ou prestar atenção em aulas, reuniões ou palestras

Estive completamente viciada em um jogo de computador que chama Snake II. Nele uma cobrinha vai andando, girando e cada vez que come uma bolinha aumenta seu rabo”.[9]

Fig. 3 – Imagem extraída do jogo Snake II. Ana Lucia Canetti <http://memorialdesenho.zip.net/> Acesso agosto de 2006.

As imagens mostram os diversos momentos de cada um e registram a realidade de uma época. Mostram, também, as diferentes formas e ritmos de aprender. Uma aluna expressou:

O desenho não me basta, recorro à poesia, Fernando Pessoa me basta”:

‘O que me dói não é o que há no coração

Mas essas coisas lindas que nunca existirão...

São as formas sem forma

Que passam sem que a dor as possa conhecer ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza fosse árvore e, uma a uma,

Caíssem suas folhas, entre o vestígio e a bruma’.[10]

Se um weblog permite narrar a si mesmo, torna possível o distanciamento necessário para observar-se, rever-se, ressignificar-se. Um movimento entre o conhecimento de si e de seu processo de aprendizagem. Ao discutir o desenho autobiográfico Venturi [2005] afirma: “Talvez eu pudesse denominar estes desenhos de ‘esferificações’, para me apropriar da idéia de Jung de esferificação, ou seja, o processo no qual o indivíduo busca a totalização do ser, o tornar-se ele mesmo-individuação”.[11]

O ato de postar textos e inserir imagens apontou para a possibilidade do diálogo e da cooperação. Os comentários foram surgindo e trouxe para o grupo a consciência da existência do outro, que se apresenta em forma de texto [Bakhtin, 2000], e a consciência de serem parte de uma rede, onde outros textos mesclariam os textos concluídos.

Progressivamente, os posts foram gerando comentários, que geraram outros comentários e outros posts. Na reciprocidade dos diálogos foi possível perceber a autonomia e solidariedade que lhes permitiram auxiliar os colegas compartilhando seus conhecimentos.

Fig. 4 – Comentários no weblog da Prof.ª Kátia Godoi. <http://katiagodoi.zip.net>. Acesso agosto de 2006.

Fig. – 5 Comentários no weblog de Josiane Tlick. <http://josetlik.zip.net/> Acesso agosto de 2006.

A participação dos professores foi de oferecer sugestões e desafios, sem dar soluções prontas. Nesse sentido, as intervenções durante o projeto foram de intervir a partir do contexto e da linguagem do educando [FREIRE, 2002], e respeitando o processo de construção do conhecimento de cada um.

Essa experiência utilizando weblogs como ambiente virtual de aprendizagem, possibilitou um grande enriquecimento das relações constituídas na sala de aula. Segundo Bandeira [2005]: “com o uso da Internet obteve-se uma ampliação do debate, trocas de experiências e um maior envolvimento dos professores e alunos em suas práticas cotidianas, de ensinar e aprender”.

Considerações Finais

O uso dos computadores como ferramenta de aprendizagem pode auxiliar na inserção de um novo paradigma de ensino. Laurente [2000], Moran [2000] e Valente [2000] acreditam que a Internet, embora esteja em processo de desenvolvimento, é um instrumento sedutor, que propicia ao aluno mais possibilidades de ação, interação e exploração do que o modelo pedagógico tradicional, contribuindo para que docentes e pesquisadores, professores e alunos possam interagir e trocar idéias, além de motivar esses últimos pela novidade e pelas possibilidades inesgotáveis de pesquisa que oferece.

A relativa novidade do tema, e o acelerado desenvolvimento de tudo que o cerca, não permitem um fechamento completo. Ouviremos muito ainda sobre os weblogs e suas possibilidades na educação. Tanto do ponto de vista dos educadores quanto do ponto de vista de outras áreas e de seu desenvolvimento como tecnologia.

As reflexões que levaram a escrever esse artigo, encaminham o trabalho a uma aposta cada vez maior nas possibilidades de construção de conhecimento coletivo, compartilhado em redes e, sobretudo, que respeite a ação dos envolvidos nesse processo. Espera-se, portanto, compartilhar este conhecimento com professores e abrir espaço para discussões cada vez mais presente de reformulações nas propostas de estruturação do trabalho pedagógico.

Referências

BANDEIRA, D.A. Desvelar conceitos, ensinar e aprender desenho. Revista Científica da FAP, Curitiba: n. 1, 2006.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

GUTIERREZ, S. Weblogs e educação: contribuição para a construção de uma teoria. On-line. Revista Novas Tecnologias na Educação. Porto Alegre: CINTED-UFRGS, v.3, n. 1, maio, 2005.

LAURENTI, M.E.A. A Internet na educação à distância. Revista Lúmen, v. 6, n. 13, dez. 2000. Edição especial.

MORAN, J.M. A utilização pedagógica da Internet na construção da aprendizagem. Primeiro Fórum de Discussão. Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, ABT/MG, 30 jun. 2000.

MORIN, E. Sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.

VALENTE, J.A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Unicamp/Nied, 2000.

Notas:

[1] Professora Colaboradora da FAP – Faculdade de Artes do Paraná. Designer pela FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado. Arte – Educadora pela FAP – Faculdade de Artes Visuais. Aluna especial no Mestrado em Design da UFPR.

[2] Disciplina do 3° ano do curso de Artes Visuais da FAP, denominada Multimeios – Computação Gráfica. Ministrada pela professora colaboradora: Kátia Alexandra de Godoi e Silva.

[3] Disciplina optativa do 3° ano do curso de Artes Visuais da FAP. Ministrada pela professora Denise Adriana Bandeira, no ano de 2005.

[4] Weblog de Kátia Leilane <http://kleilane.zip.net/> Aluna do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[5] Weblog de Ana Lucia Caneti <http://memorialdesenho.zip.net/> Aluna do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[6] Weblog de Adriana Kaminski <http://adrimpessoal.zip.net/> Aluna do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[7] Weblog de Mauricio Muck <http://maumuck.zip.net/> Aluno do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[8] Weblog de Priscila <http://priccelipric.zip.net/> Aluna do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[9] Weblog de Ana Lucia Caneti <http://memorialdesenho.zip.net/> Aluna do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[10] Weblog de Teila <http://augustaangelica.zip.net/> Aluna do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

[11] Weblog de Eliseu Raphael Venturi <http://raphaelventuri.zip.net/> Aluno do 3º ano do curso de Artes Visuais - Faculdade de Artes do Paraná - 2005.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano IV - Número 06 - Outubro de 2006 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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