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Subverter tudo, construir tudo (...) Ocasionar o caos, organizar a construção - Resenha do livro Escritos de artistas - anos 60/70, organizado pelas historiadoras Cecília Cotrim e Glória Ferreira.
Autor: Arthur Leandro - etetuba@uol.com.br

O livro reúne textos produzidos por artistas e grupos de variadas tendências, áreas de atuação e nacionalidades, inclusive inúmeros brasileiros, que oferecem diversos pontos de vista e refletem o pensamento estético contemporâneo. A coletânea traz tanto escritos por vezes considerados clássicos até agora indisponíveis no Brasil, quanto ensaios que, na reflexão particular do artista, indicam uma nova abordagem da sua produção. Reproduzidos sempre na íntegra e seguindo a ordem de publicação original ou, em alguns casos, de sua produção, sugerem os possíveis diálogos dessas várias vozes, independentemente de rótulos.

O que os artistas têm a dizer? Leonardo da Vinci tratou de deixar tratados para as gerações posteriores, inclusive um sobre a pintura que influencia o gosto de muita gente, ainda em nossos dias. Mas, se a prática moderna nos deixou acostumados a ter somente críticos falando dos trabalhos dos artistas em catálogos, jornais, e outros veículos, isso não quer dizer que artistas sejam apenas habilidosos executores ingênuos de objetos geniais. Ao contrário, o fazer artístico se aproxima do que, nas "Teses sobre Feuerbach", Marx diz ser a "atividade revolucionária", "atividade crítica-prática". E se conhecemos a parte prática da arte, é a teoria/crítica que lhe dá suporte que a Editora Jorge Zahar traz à tona com o lançamento do livro Escritos de artistas - anos 60/70, organizado pelas historiadoras Cecília Cotrim e Glória Ferreira.

O livro reúne 51 textos (grande maioria inéditos em português) assinados por 2 grupos e 46 artistas, de nacionalidades distintas, que são expoentes dessa geração: Ad Reinhardt, Richard Serra, Joseph Beuys, John Cage, Victor Grippo, Paul Scharits, Robert Smithson, ou brasileiros como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Cildo Meireles, Grupo Rex, Artur Barrio, Paulo Bruscky, entre outros, tomam parte na publicação.

Os textos escolhidos (garimpados como ouro e publicados na íntegra) tratam de temas variados que vão da relação entre arte e política à definição do próprio termo "arte", passando pelas intenções dos artistas e seus processos de produção. E o resultado? Talvez seja o que Glória Ferreira identifica no prefácio: artistas se arriscando no terreno da crítica e a revelação do embate dos produtores com outros agentes do circuito. Talvez seja o registro histórico do pensamento artístico de uma época. Talvez seja a História da Arte escrita pela ótica do artista... Mas talvez seja o complemento que faltava para a arte ser entendida como atividade revolucionária, capaz de provocar mudanças de comportamento.

No item 6 do "Esquema geral da nova objetividade", texto publicado na coletânea, Hélio Oiticicca conclama essa mudança de costumes, e, para isso, ele diz que não basta "apenas martelar contra a arte do passado ou contra os conceitos antigos (...), mas criar novas condições experimentais, em que o artista assume o papel de proposicionista ou empresário ou mesmo educador". John Cage vai por um caminho próximo: em "O futuro da musica", diz que não é mais possível discriminar o "barulho", e que "tudo é válido. Entretanto, nem tudo é tentado". E se a especulação de Cage e as proposições de Hélio Oiticica não forem de todo convincentes, o titulo do texto transcrito da palestra que Beyus fez na Itália indica a confirmação da última hipótese. Para Beuys, "A revolução somos nós"!, e ele afirma que quando o homem quer "mudar as condições de seu mal-estar" começa a mudar pela esfera cultural, pelo modo de pensar, e que "só a partir desse momento, (...) será possível pensar em mudar o resto".

Mas que ordem de afinidades poderíamos eleger entre a experiência da escrita desenvolvida por artistas que trabalharam no período delineado pela grade histórica dos anos 60/70 e as proposições atuais? A pergunta é feita no posfácio por Cecília Cotrim, a partir do enunciado de Antonio Manuel, quando este explicava que o "...bode é de 'bode', e também de 'body arte'". Se tentasse responder esse questionamento aqui daria bode, poderia estar sendo reducionista, e são os artistas da nossa geração que provavelmente responderão. Mas aproveito a liberdade poética que Cecília demonstra na sua análise para dizer que "as palavras dão carne à imagem-tempo", dão carne ao bode e à (ao?) body, e também uso as palavras de Antonio Manuel para dar titulo a este texto, de um depoimento sobre as "Urnas quentes", em outubro de 1968, e bem que as autoras também poderiam colocá-las como sub-título dessa obra...

Notas:

FERREIRA, GLORIA - Glória Ferreira, doutora em história da arte pela Sorbonne, é professora da Escola de Belas Artes da UFRJ. Foi coordenadora do Espaço Arte Brasileira Contemporânea do Inap-Funarte e curadora, entre outras exposições, de 'Hélio Oiticica e a cena americana'. Diretora da coleção Arte+, publicada por esta editora, organizou diversos livros, como 'Trilogias. Conversas entre Nelson Felix e Glória Ferreira'. É co-editora da revista Arte&Ensaios.

COTRIM, CECILIA - Cecpilia Cotrim de Mello, doutora pela Sorbonne, é pesquisadora e professora de história da arte moderna e contemporânea no Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio. Junto com Glória Ferreira, organizou o livro Clement Greenberg e o debate crítico (Jorge Zahar, 1997).

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano IV - Número 06 - Outubro de 2006 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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