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A Imagem da Moda como um Possível Viés na Formação Docente em Artes Visuais
Autora:
Jociele Lampert[1] - jocielelampert@uol.com.br

Resumo: O texto parte das tensões entre Artes Visuais, educação e a imagem da moda na contemporaneidade. Desta forma, ampara-se em uma reflexão teórica da educação para a compreensão crítica da arte, baseada nas concepções de Franz (2003) e Hernández (2002), como elemento articulador da cultura visual. A imagem da moda torna-se um possível viés entre a articulação do conteúdo e do contexto nas as aulas de Artes Visuais. Assim, a imagem da moda é considerada como um tema gerador, propiciando uma abordagem transmetodológica voltada aos estudos culturais.

Palavras-chave: Artes Visuais; Educação; Moda.

Abstract: The text some of the strains tension Visual Arts, education and the image from the fashion at the contemporary.

Key words:  Visual Arts; Education; fashion.

Acredito que a moda não deve mais ser vista como um “objeto” de banalidade, pois na contemporaneidade a MODA torna-se um objeto/conceito problematizador de tudo e de todos. Passando pela forma que vemos a estética do cotidiano, o modo como nos vestimos todos os dias, à forma como é considerado o conceito “do corpo” na sociedade; lembrando ainda, campanhas publicitárias, imagens de propagandas que literalmente nos atropelam todos os dias. Vejo que em nossa sociedade, mais se vê a forma do que o conteúdo das imagens que nos circulam.

Como ficam nossos jovens e crianças? Estarão eles a “mercê” desta sociedade repleta pelo espetáculo da imagem? Onde fica a ESCOLA nesta sociedade? Qual é o nosso papel como artistas e como professores na sociedade?

Estas foram algumas questões que me fizeram “pensar a IMAGEM DA MODA”, como temática de minha pesquisa desde a Graduação, passando pelo Mestrado e chegando ao Doutorado. Preocupa-me a forma como o professor de Artes Visuais, se vê como sujeito participante dessa sociedade e a forma como ele compreende o contexto e conteúdo.

Ser professor hoje indica ser professor/pesquisador. Buscar uma educação crítica e reflexiva exaustivamente todos os dias, articular a uma aprendizagem que se diga significativa e verdadeiramente, algo que ultrapasse o discurso ingênuo.

Como professora e pesquisadora que trabalha com a formação de professores, percebo a dificuldade que o professor (em formação inicial especificamente), tem em articular contexto e conteúdo. Ou seja, dificuldade em olhar para o cotidiano de seus próprios alunos e articular isto ao conteúdo proposto em Artes Visuais – isto na maioria das vezes torna o conteúdo de Artes Visuais elitista, como se fosse algo longe e fora da vida do aluno da escola. No entanto, há um discurso recorrente em cursos de formação de professores, aqueles sobre a importância e relevância do contexto.

É evidente que há dificuldade em articular teoria e prática na formação inicial de professores; as teorias são necessárias para embasar a prática educativa sim! Porém, o tempo e espaço de articulação que o professor (em formação inicial), tem será sempre uma problemática. Tendo em vista os novos currículos e reformulações de carga horária dos cursos de Licenciatura, em relação aos Estágios e ao tempo de permanência dos estagiários nas escolas, poderá ser uma medida possivelmente considerável como saída, para uma melhor articulação entre teoria e prática nos cursos de Licenciatura, no entanto não garantem que a situação mude.

Penso que a imagem da moda, articulada com o viés dos estudos culturais (passando pelos conceitos de cultura, identidade, diferença e representação social), pode ser um caminho para que o professor “olhe” para o contexto do aluno de forma investigativa e reflexiva. Ao abordar a temática da moda, relacionada coma a sociedade, o professor de Artes Visuais terá um fio condutor para trabalhar o conteúdo de Artes Visuais significativamente. A moda é um pré-texto para trabalhar o conteúdo de Artes Visuais na escola.  Não se trata de equiparar o sistema estético da moda com a Arte, mas sim buscar uma alternativa de reflexões para a Arte na Educação.

O que se busca no Ensino da Arte?

Articulações que construam conhecimento crítico e reflexivo para o aluno na escola.

A imagem da moda é uma temática que possibilita abordar e relacionar o tempo de produção e o tempo de recepção da obra de arte. O espetáculo que vivemos hoje na sociedade, não se configura apenas pela quantidade de imagens que circulam, mas sim nas relações sociais mediadas por estas imagens. Assim, um pensamento para a compreensão crítica da arte passa necessariamente por estas relações sociais, que por sua vez permeiam o cotidiano do aluno da escola (e do professor também).

Tessituras entre a compreensão crítica da arte e a interface artística arte-moda na contemporaneidade

Interface é um termo que pode remeter ao mundo da tecnologia, constituindo um dispositivo, que faz adaptações entre dois sistemas, ou seja, poderia ser considerado como um conjunto de elementos comuns entre duas ou mais áreas de conhecimento. Segundo Rosa (1998, p. 28), “em matéria de arte, a interface é um processo de passagem permitindo a diversas disciplinas coexistir em uma obra de arte”. Desta forma, a coexistência ou o ponto de encontro, entre duas áreas (ou dois sistemas), resultam em obras de natureza híbrida.

Seguindo este pensamento, o híbrido é uma característica da arte contemporânea, que tem como propósito negar a pureza dos meios, ou seja, romper com as categorias e suas especificidade nas linguagens visuais, propondo assim, que um sistema avance sobre o limite do outro. Uma das questões pertinentes, para que se reflita sobre obras híbridas na contemporaneidade, pode está no ato de apropriação, ou seja, nos ready-mades de Marcel Duchamp, que descontextualizou o que até então, seria considerado como obra de arte. Apropriou-se de objetos produzidos em série e escolhidos ao acaso, não causando alterações ou modificações, mas sim, os recontextualizando em tempo e espaço.

A arte contemporânea assume forma interdisciplinar entre linguagens, ao mesmo tempo em que propõe rupturas em um mundo hipermoderno, conforme Lipovetsky (2004). A tendência contemporânea refletida na arte é a crise social do homem, sua identidade enquanto sujeito globalizado e massificado. Atualizam-se novas configurações virtualizadas em obras que não mais se verificam em meios tradicionais, mas possibilitam ou potencializam variações de leituras e significados através de signos e contextos descentralizados deles próprios. Não se trata de dizer que a arte contemporânea está em crise, mas que sua leitura deverá assumir um contexto mais crítico e reflexivo. Segundo Parente & Maciel (in Basbaum 2001, p. 9):

Como fazer e pensar uma arte que surge do descompromisso com a forma, com a política, com o material, uma arte que se afirma como pura imagem dessemelhante, apolítica, imaterial, que se multiplica e se intensifica na variedade dos vazios? A arte hoje representa o próprio curto-circuito da representação em uma produção incessante de imagens. Os artistas produzem uma imagem que não é sua, que é imagem de imagens, e os críticos procuram atingir essa profusão de imagens na construção de outras imagens-texto, textos-imagem.

Vive-se em uma época de constante saturação de significados que habitam poéticas extremamente individuais, abstraindo-se de seus conceitos. Muitas vezes, a obra de arte contemporânea é relegada, sem medo, a ícone da imagem, do texto e do contexto a qual pertence. Enfim, suas contradições denotam uma certeza: a busca incessante por uma construção/formulação de poéticas singulares, uma forma da própria consciência do artista na inscrição em um sistema cultural atual.

Desde a explosão das vanguardas nas primeiras décadas do século XX até os dias atuais, a obra de arte contemporânea causa um sentimento de estranheza, de certa forma, porque são tantas as possibilidades e direções que parece possível se fazer de tudo, com tudo ou em qualquer direção – já não se pode mais definir a priori seus conceitos.

Paralelo a esta idéia, a experiência contemporânea conduz manobras simultaneamente mais abertas e precisas para decifrar os contatos sociais. Desta forma, se faz imprescindível uma investigação-crítica da própria arte, pois não se pode buscar a produção contemporânea apenas em um estudo empírico, mas sim procurar ligá-las a estudos filosóficos e sociológicos, a fim de lograr sua legitimação como saber específico.

A legitimação corresponde sentido ao acontecimento contemporâneo enquanto conceito de obra. Usando-se de materiais alternativos, isto é, não convencionais, rompendo barreiras e estereótipos, o artista ‘opta’ por um referencial social permeado de um conceito imaginário – o homem coisifica-se na era do distanciamento tecnológico. Segundo Morais (in Basbaum 2001, p. 177):

O homem nunca está de corpo presente: sua voz é ouvida no telefone, sua imagem aparece no vídeo da TV ou na página do jornal. As relações de homem a homem são cada vez mais abstratas, são estabelecidas através de signos e sinais. O homem coisifica-se. Se a roupa é uma segunda pele, a expansão do corpo (Mcluhan), é preciso arrancar a pele, buscar o sangue, as vísceras. Arte corporal, arte muscular.

De acordo com a referência de Morais, o artista assume sua veia artística quando possibilita uma arte vivencial, plurissensorial e afluente ao seu tempo. O corpo deixa de ser uma imagem e passa a ser um conceito instaurado de obra.

Talvez por isso, seja tão relevante o conceito de instauração introduzido por Tunga, segundo Lagnado (in Basbaum 2001, p. 371), “o conceito visava inicialmente substituir o uso impróprio dos termos ”instalação” e performance, uma vez que os desdobramentos de tais manifestações já haviam sido retratados no pensamento contemporâneo”. Como compreender a natureza de um gesto que instaura uma obra ou conceito? Para tal, busca-se a fugacidade dos acontecimentos ou manifestações artísticas que reafirmam o diálogo e a versatilidade de determinadas poéticas.

A produção emergente de Arte Contemporânea apresenta de um modo geral, o virtual, o efêmero e o erótico como seus motes que evidenciam estilos híbridos. Não se trata de buscar justificativa para a temática, mas sim de sublinhar o modo de operar as investigações e procedimentos psicológicos e antropológicos.

A instauração de uma obra de arte não representa, mas sim apresenta situações dirigidas pelo artista sem sua direta participação, mesclando configurações verificadas em impossibilidades. Desta forma, a tessitura da instauração contempla o tornar visível o invisível, perpassando pelo sentido do olhar do espectador ou leitor da obra de arte.

Para Archer (2001), a partir de Duchamp o mundo artístico cresce freneticamente com variada profusão de estilos, formas e práticas, onde todos os materiais, até mesmo, os não convencionais como: luz, ar, som, palavras, pessoas, comidas e roupas podem constituir suportes para idéias artísticas. 

Outro fato contemporâneo, que favorece o tecido híbrido da obra de arte atual, é que se vive em uma cultura de releitura e re-laboração, pois segundo Mendes (2001), não somente nas artes, mas em todas as outras áreas tudo já havia sido realizado e o que restava então, era juntar os fragmentos, recombinando-os de maneira para que fossem re-significados. 

De acordo com Archer (2001, p. 156), “a novidade não mais podia ser critério de julgamento, pois a novidade ou a originalidade, como eram percebidas, não podiam mais ser alcançadas, podendo até mesmo ser fraudulentas”.  Diante disto, tudo se tornou válido e a quebra de fronteiras entre as linguagens artísticas tornou-se elemento articulador na obra contemporânea: na arte contemporânea, as linguagens hibridizam-se, misturam-se e apropriam-se umas das outras. Não há limites, normas, regras ou critérios para definir se uma obra é contemporânea ou não.

Não há uma lista de critérios ou selos para definir o conceito de uma obra de arte contemporânea, o que ocorre talvez seja que o próprio contexto coloca possibilidades e elementos que propiciam o rompimento de peculiaridades das categorias artísticas, tendo este pensamento em vista, as obras de arte híbridas resultam no que Rosa (1998), chamou de interface artística.

 Em tempos contemporâneos pode-se partir para um conhecimento artístico abordando o que se denomina como sendo cultura visual. Estabelecendo conexões de compreensão de um texto visual (imagem), pode-se alcançar um conhecimento que levará necessariamente a um pensamento sobre ensino/aprendizagem de conteúdos relacionados à arte, tanto em contextos escolares quanto fora destes.

A proposta de compreensão da cultura visual significa, primeiro, reconhecer que se vive em um mundo repleto por imagens e imaginários (visuais) – a moda seria um destes imaginários, pois pressupõe a pesquisa e ao aproximar-se dos sujeitos, propicia a construção de conhecimento. A compreensão crítica de um objeto visual, como a moda, perpassa por questionamentos de como se compreende uma imagem? Ou ainda, como acontece a articulação entre o conteúdo de arte e a educação para a compreensão crítica? Refletir o desenvolvimento do pensamento sobre a arte, em consonância com a linguagem visual e verbal propõe compreensão do contexto social, e significativo da cultura contemporânea, que apresente um enfoque intertextual em favorecimento a uma educação também contemporânea.

Conforme Hernandez (2000, p.49) aponta:

"Uma interpretação que não é só verbal ou visual, mas sim une e vincula esses dois processos. Processos que vão além dos objetos, pois interpretar implica relacionar a biografia de cada um com os artefatos visuais, com objetos artísticos ou produtos culturais com os quais se relaciona. O que se persegue é o ensino do estabelecimento de conexões entre as produções culturais e a compreensão que cada pessoa, os diferentes grupos (culturais, sociais, etc.) elaboram. Trata-se, em suma, de ir além do “o quê” (são as coisas, as experiências, as versões) e começar-se a estabelecer os “porquês” dessas representações, o que as tornou possíveis, aquilo que mostram e o que excluem, os valores que consagram, etc."

Desta forma, buscar uma mediação do processo que favorece a compreensão da cultura visual mediante a aprendizagem de estratégias de interpretação diante de objetos (físicos e midiáticos), configura o pensamento da não banalização do objeto artístico. E no caso, específico da leitura de imagens vinculadas com a idéia da interface arte-moda, propõe a consideração de que estas imagens fazem parte de contextos visuais (históricos, sociais e culturais), que podem afetar a generalização das qualidades estéticas vivenciadas pelo homem contemporâneo. A moda gera a reflexão, definindo abordagens há um determinado conjunto de proposições sistematizadas ao redor de um dado objeto configurado como epistemológico. Desta forma, consolida um campo de saber interdisciplinar.

Coloca-se como paradigma cultural, o movimento estilístico da arte, onde se transpôs abordagens formalísticas e esteticistas que se propunham a análises de elementos da linguagem visual. Em contraponto disto, discute-se uma poética no ensino da arte contemporâneo/construtivista que aponta para uma concepção arraigada na ligação entre arte e vida, dos contextos sociais e culturais – legitimando apropriações psicológicas, sociológicas e antropológicas à arte.

A moda institui-se como papel fundamental na produção cultural, onde as formas econômicas, estéticas e sociais estiveram ligadas ao surgimento do modo de produção capitalista. Hoje, não há como negar que a moda inscreve-se em uma nova ordem de saberes. Como fenômeno que envolve criação, a moda contemporânea oscila entre o velho e o novo, entre o visual e o funcional, entre vida e sonho caracterizando-se pela sinalização da atualidade vivida por seus sujeitos.

Seguindo o pensamento de Barbosa (2004, p.21), quando se refere à sociedade de consumo diz que “hoje não existe moda: apenas modas, não existem regras: apenas escolhas e todos podem ser qualquer um”, chega-se a um estado onde a moda é tida como meio de um elemento diferenciador entre grupos sociais – desde a anti-moda dos anos 70 da contracultura até a moda contemporânea das releituras.

O sociólogo Michel Maffesoli (1996), aponta para um momento denominado “mundo imaginal”, entendido como um conjunto de complexidade no qual diversas manifestações da imagem, do imaginário, do simbólico e do jogo de aparências ocupam um lugar primordial na contemporaneidade, exprimindo “modulações pela primazia da aparência”. Desta forma, o homem contemporâneo estabelece relações de auto-estima e auto-imagem, o que propicia um paradigma entre indivíduo e sociedade.

Conforme Baudrillard (1991), a sociedade de consumo é criticada pela descaracterização da relação entre objeto consumido e sua utilidade, pois o foco do objeto como necessidade mudou, não é mais sua utilidade que determina a compra, mas seu estilo e incessantes diferenças agregadas como signo social. Neste sentido, o sistema cultural colabora com as necessidades não primárias, privilegiando uma estetização cotidiana aos sentidos do homem contemporâneo.

Atualmente, avançou-se muito nas reflexões sobre arte e seu ensino. Há uma busca incessante por novas metodologias de ensino e aprendizagem de artes nas escolas que visam a construção do conhecimento, da percepção, da imaginação e da capacidade crítica do aluno. Assim, o ensino de arte articula a realidade à educação, pois geralmente abrange conteúdos escolares e não-escolares, que estimulam a condição imagética de diferentes naturezas no educando, como por exemplo, as produções midiáticas divulgadas através dos meios de comunicação de massa – imagens que a todo o momento modificam-se e acompanham a história da sociedade de consumo.

Desta forma, podem ser abordados estudos culturais que, ao referenciar o ensino da arte, tratam de problemas vinculados ao gênero (Freedman, 1998), às manifestações da cultura pós-moderna, ao multiculturalismo e aos fenômenos de globalização ligados às novas tecnologias.

Pensar temas relacionados ao papel ocupado pelos indivíduos e pelos grupos sociais em processos de mudanças ou no conhecimento sobre as estruturas que afetam o homem e seu comportamento social, constitui um ponto central da perspectiva do processo educacional, permitindo uma compreensão crítica da realidade.

Deste modo, é enfatizada a aprendizagem significativa da imagem que mobiliza um ensino da arte de forma multicultural, pois podem ser abordados vários códigos que contemplem a diversidade cultural. A compreensão de uma imagem faz com que um conhecimento crítico se instaure, e através deste conhecimento construído, o sujeito significa seus valores e saberes. Ao ensino da arte cabe uma educação que aborde temas interculturais de forma transdisciplinar, intertextual e multimidiático.

A moda pode ser abordada frente à história da arte, por exemplo. A perspectiva cultural da imagem de moda pode ser trabalhada de forma que permita uma compreensão de qualquer conteúdo do ensino da arte, pois se analisa a história de maneira aberta e contextualizada, segundo o que Franz (2003, p.132) aponta:

"Um olhar para a arte a partir de uma perspectiva cultural significa, também, levar em conta o mundo pessoal de quem aprende, seus conhecimentos, idéias prévias e preconceitos. Significa valorizar a capacidade de relacionar os objetos artísticos com a vida das pessoas com as quais esta obra está em relação."

Despertar um olhar reflexivo e crítico que permita uma educação para a compreensão tem em uma de suas principais articulações, a preocupação com a realidade pessoal, social e cultural onde o sujeito se insere. Isto pressupõe significação entre conteúdo e sujeito. Assim, o estudo da imagem de moda abordado como fenômeno cultural, pode inferir estratégias didáticas para a compreensão crítica de arte. Desta forma, considera-se o caráter interdisciplinar e transdisciplinar da compreensão crítica (Hernandez 2000 e Efland, 1996), segundo os quais Franz (in Medeiros 2004), considera que a imagem deve ser compreendida, à medida que o sujeito estabelece conexões entre a diversidade de conhecimentos implicados na compreensão profunda de um objeto artístico, em conjunto com a vida pessoal e social de seu sistema cultural.

Conforme este pensamento, Franz (2003), configurou um instrumento de avaliação da educação para a compreensão crítica, que diz respeito à análise do objeto artístico. Os instrumentos de análise dividem-se em âmbitos de compreensão que são: Histórico/antropológico, estético/artístico, pedagógico, biográfico e crítico/social.

A compreensão de significado histórico/antropológico faz referência a imagens que são frutos de determinados contextos que a produziram e a legitimaram. Para compreender criticamente tal forma de texto visual é necessário ir além do que se vê aparentemente, nessa relação ficam explicados os pontos de conexão entre os significados da imagem e sua tradição: valores, costumes, crenças, idéias políticas e religiosas que a circulam.

A compreensão do significado estético/artístico propõe referência à compreensão da arte como produto de sistemas e representações instituídas e legitimadas por determinados valores estéticos de referentes grupos sociais. Neste âmbito, explora-se a percepção e a interpretação crítica do objeto/imagem em paralelismo ao objeto artístico, seguindo o paradigma sociocultural de que obras de arte devem ser vistas em relação à cultura artística e estética do contexto de origem.

A compreensão do significado pedagógico, segundo Franz (2003) se relaciona com a pedagogia de Freire (1999) e Giroux (1998), onde um objeto/imagem deve ser estudado através de uma pedagogia problematizadora e crítica, gerando questionamentos exclusivos ao professor-pesquisador. A compreensão do significado biográfico pode ser possibilitada a partir da valorização pessoal, da produção artística considerada como um impacto na construção da identidade, devendo haver uma contextualização partindo da imagem, de modo que o sujeito identifique seu próprio contexto, possibilitando a reflexão crítica de um sistema sociocultural.

A compreensão do significado crítico/social define-se a partir de perguntas que levam em conta a relação entre poder e saber, partindo de uma crítica cultural contemporânea na educação, compreendida como prática de representação do conhecimento construído socialmente e também intrinsecamente subjetivo.

Pode-se exemplificar este instrumento de análise de imagens, na obra "Uma longa caminhada no deserto", do artista Rasheed Araeen, instalação realizada em 1991. A obra apresenta a interface instalação em arte-moda, consiste em um aglomerado de sapatos usados em filas paralelas que lembram um caminho percorrido. Nesta interface, o artista faz uso do objeto característico da moda – o sapato, para compor sua poética. São apropriações de sapatos usados e dispostos de forma a conduzirem o olhar a duas colunas.

O título da obra remete a questão do caminhar e seus percursos, de onde viemos e para onde vamos? São questões que poderiam suscitar ao ler está obra. Além do mais, a artista apresenta o tempo como agente do conceito visualizado na obra, o sapato que foi calçado, já não é mais usado e quem teria calçado este sapato? Por onde teria andado? O desgaste causado pelo tempo e o caminho percorrido no deserto têm uma relação intrínseca entre o espectador e a obra.

Poderíamos questionar partindo da origem da obra? O porquê da escolha do deserto? A que época nos remete esta obra? A que cultura pertence estes sapatos? Há alguma conotação política na obra? Quais as relações de poder existentes na obra? A que época esta obra está associada? Onde encontramos esta obra? Que lugares estão representados? Do que trata a obra? Que papéis são representados na obra? Ela vende algo? Existe um vínculo de gênero presente na imagem? Quais as representações sociais presentes na imagem? A que cultura pertence esta imagem e por quê? Existem relações de contextos histórico na imagem? Existem relações de cultura representados na imagem?

Pode-se questionar ainda esteticamente: como foi produzida esta obra e qual recurso utilizado?   A respeito dos elementos da linguagem visual, o que se apresenta? Pode-se identificar alguma obra de arte que tenha alguma relação com esta imagem? Algum artista que se identifique com esta imagem? Frente à história da arte é possível localizar um período semelhante ao da imagem? Qual a relação objeto/espaço na obra? Quem produziu esta obra é um artista? Que parâmetros estéticos esta obra assimila?

Também se estendem a questionamentos como: quais são os recursos que o professor utilizaria ao trabalhar esta obra? Será que somente uma imagem seria suficiente? De que maneira poderia relacionar esta imagem com a história da arte? E com as outras áreas de conhecimento, esta relação seria possível? Que outro ambiente poderia ser criado a partir da imagem desta obra? O que o professor apreende da imagem desta obra? O que o aluno pode apreender desta obra? Por que se deve trabalhar uma imagem desta obra na aula de arte? Quais as possibilidades de aproximação do contexto desta obra com o contexto do aluno? Esta imagem é significativa para a sociedade? Quais assuntos ou temas podem ser abordados a partir da configuração da imagem?

Outras questões podem aparece ao ler a imagem de uma obra de arte contemporânea: Quais sonhos, desejos e fantasias que esta obra apresenta para quem a olha? Como os significados implícitos na imagem podem contribuir a formar idéias? O espectador/leitor poderia fazer parte do contexto da imagem desta obra? Como seria isto? Esta é uma imagem real? Como os fatos representados na imagem acontecem na realidade? Imagens como a de uma obra de arte são retratadas na mídia? Que idéia de mundo esta imagem representa?

Em uma educação para a compreensão crítica a história da arte, paralela à leitura de imagem deve ser compreendida como prática de representação (não deverá ser vista como um Kit ou modelo a ser seguido), que contribui para a configuração atual das relações de diferença e poder. Desta forma, a finalidade é ensinar a problematizar, ensinar a fazer novos questionamentos, justapondo diferentes interpretações da arte.

O interesse está em despertar uma compreensão da realidade, assim interpretando e significando uma contextualização reflexiva, dialógica e crítica por parte dos educandos, diferenciando um olhar consciente do ver espontâneo.

Referências bibliográficas:

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Notas:

[1] Professora efetiva da UDESC/CEART em Florianópolis; Doutoranda em Artes Visuais pela Escola de Comunicação e Artes (ECA/USP), na Linha de Pesquisa Ensino da Arte sob orientação da professora Dra. Ana Mae Barbosa, com a pesquisa intitulada “A IMAGEM DA MODA MUITO ALÉM DA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: PROPOSIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS”.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano V - Número 07 - Abril de 2007 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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