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Luz da Luz
Autora:
Anna Barros[1] - barrosann@terra.com.br

Resumo: O texto aborda a apresentação crítica da exposição LUZ DA LUZ, realizada no SESC Pinheiros, São Paulo, de 29 de setembro de 2006 a 14 de janeiro de 2007; ela foi parte de um evento internacional que uniu arte e ciência e teve uma programação integrada a seminários e oficinas, sempre tendo o fenômeno luz como sujeito e objeto. A ênfase foi dada, portanto, à experimentação e percepção do momento em que o fenômeno ocorre e não à sua representação. O conceito da curadoria foi de transformar todo o prédio do SESC Pinheiros em um grande espaço de arte, onde as pessoas seriam surpreendidas por trabalhos em lugares não convencionais para exposições, isto é, as obras foram espalhadas pelos sete andares. Buscou-se a apresentação de um conjunto de obras que exemplificasse o uso da luz-fenômeno por artistas que já estavam produzindo obras dentro desta diretriz, mas realizadas dentro de uma ampla gama de técnicas provenientes de descobertas científicas da óptica, da eletricidade e de novas tecnologias digitais, ou do material mítico dos primórdios da humanidade, com o uso da luz solar. Todo o evento funcionou como um catalizador de atenções por sua natureza inovadora, buscando mergulhar o público em experiências além da tradição, numa integração ao novo.

Palavras-chave: Luz-fenômeno, arte, ciência, novas percepções, exposição, palestras.

Abstract: The text approaches the critical view of the LIGHT OF LIGHT exhibition on display at SESC Pinheiros, São Paulo, from September 29, 2006 to January 14, 2007. This exhibition was part of an international event uniting art and science and its program included seminars and workshops displaying the light phenomenon as subject and object (of the works). The emphasis aimed at the experimentation and perception of the moment when the phenomenon occurs and not its representation. The concept of the curators was to transform the entire SESC building into a large art space where visitors would be surprised by works in unexpected exhibition spaces, so they displayed the works on all the seven floors. The exhibition was composed of a series of works showing examples of the use of the light-phenomenon by artists that were already making works following this guide-line, but created within a broad range of electro-electronic techniques or the mythic material of the humankind beginning, the sun light. The entire event worked as a catalyst of attentions due to its innovative nature, making the audience dive into experiences beyond tradition in an integration of the new.

Key-words: Key-words: light as phenomenon, art, science, new perceptions, exposition.

Introdução

O projeto que se realizou sob o nome de LUZ DA LUZ, teve origem na fascinação que a luz-fenômeno tem exercido sobre a autora norteando sua arte e a busca de conhecimento do material dentro da história da arte contemporânea sobre o assunto. A proposta apresentada ao SESC detalhava a realização de um evento interdisciplinar entre arte e ciência, constando de seminários, oficinas e exposições tendo o fenômeno luz, como sujeito e objeto.

Desde o início da humanidade, a luz foi importante como fonte de vida. Nos tempos hodiernos a luz artificial une-se à natural para tornar mais fácil e produtiva a permanência do homem na Terra.

Uma abordagem da luz significa entrar no âmago de todas as formas de conhecimento. É essa união das várias áreas do conhecimento o que é proposto neste evento. A interdisciplinaridade é atualmente a maneira de se processar, em maior profundidade, o enorme conhecimento que temos acumulado.

Não se pode mais separar completamente os produtos da ciência dos da arte uma vez que eles interagem, mas se complementam.

Pequena Digressão Histórica

É por meio da matéria que o artista toma conhecimento das dificuldades de encarnar seu sentimento-pensamento. A luz é a matéria – não matérica, mais misteriosa. Sendo imaterial sempre provem de uma fonte material, necessitando de que algo se consuma para lhe dar vida.

A luz é elemento básico para nossa visão e existência, e as idéias que temos sobre ela correspondem intimamente aos conceitos de ordem superior que nos regem a vida, uma vez que é nessa ordem que inserimos tais experiências; sua linguagem é a mais primordial e a mais sublime, modelando-nos o existir.

Para a expressão do sensível, na representação de uma realidade que transcende o próprio real, o ser criativo conta com uma luz interior, sem a qual a visão não se completa. A ambição enorme do artista – pois na re-apresentação do mundo está implícita sua recriação – vai demandar que a experiência do sensível seja ampliada para além da representação, pela apresentação ou delimitação de experiências perceptivas, só possíveis por meio da vivência direta do fenômeno quando acontecendo, ou pela geração de um mundo paralelo àquele em que vivemos e com suas próprias leis.

Desde o início da humanidade, a luz foi importante como fonte de vida. Nos tempos hodiernos a luz artificial une-se à natural para tornar mais fácil e produtiva a permanência do homem na Terra.

Abordar a luz significa entrar no âmago de todas as formas de conhecimento. Essa união das várias áreas do conhecimento é o que se propõe para este evento.

No âmbito da arte contemporânea, a procura por novos meios expressivos fez com que os artistas buscassem dois vetores extremos nas técnicas e conceitos de criar arte com a luz: nas descobertas científicas da óptica, na eletricidade e nas novas tecnologias digitais, ou no material mítico dos primórdios da humanidade, com o uso do fogo e da luz solar. Uma constante é a luz como fenômeno, ao mesmo tempo sujeito e objeto da criação.

Os primeiros artistas apaixonados pela luz, no surgir da eletricidade, foram os artistas do Futurismo e da Bauhaus. Moholy-Nagy chegou a sugerir a criação de uma “Academia de luz,” onde seria possível unir o conhecimento científico à busca estética. Seu Modulador de Luz e Espaço, 1923-30 é considerado a primeira escultura com luz projetada e cinética.

A primeira consideração a fazer quando refletimos sobre luz é a fonte de energia da qual ela se origina. Na década de 70, havia uma necessidade de voltar a formas comunitárias de arte, possibilitadoras de propiciarem uma maior integração entre arte e sociedade, e também um desejo de encontrar qualidades perdidas com a civilização, entre elas, as do sagrado. Os earthworks (trabalhos na terra) apresentam-se como ocasiões especialmente demonstrativas dessas premissas e trazem alguns momentos marcantes quanto ao emprego de energias naturais, geradoras de luz, compondo um espaço criativo. Belíssimos exemplos da união luz solar e ciência aplicada podemos encontrar nos trabalhos de Nancy Holt – 1998, Missoula Ranch Locators – 1972, Sun tunnels[2] - Utah - 1973/1976, Up and under - Nokia – Finlande.

Dan Flavin, no minimalismo, inaugura o uso do tubo de luz fluorescente como objeto de arte, o que foi chamado de totem, cujo exemplo pode ser a Árvore Nominalista, 1963-64.

Na Califórnia, paralelamente ao minimalismo, um outro grupo denominado pelos críticos como Light and Space Art, embrenhou-se em uma nova pesquisa na qual a percepção do fenômeno era o produto final e não o objeto; para tanto, usaram a interação luz-espaço de maneira totalmente nova, desenvolvendo trabalhos desmaterializados, onde predominava a densidade luminosa, seja de origem natural seja artificial. Dois nomes importantes dessa arte: Robert Irwin e James Turrell[3].

Luz Artificial

A chamada Arte da Luz, cujo material é a fonte elétrica de luz, só se originou devido à mudança da sensibilidade do público, na passagem de uma maneira de pensar mecânica para a técnica e também pela mudança na abordagem dos artistas, que deixaram de tentar adequar a luz à pintura e à escultura tradicionais, explorando possibilidades novas ainda não reconhecidas como arte. Em si, o tubo de luz, só se torna viável ao fazer artístico, muito em função da inclusão, pelos artistas minimalistas, de plásticos e metais altamente polidos industrialmente.

John Perreault define a Arte da Luz como aquela que usa a luz, não só como material, mas também como assunto, a "luz literal" que, para ele, é a mais adiantada das representantes dessa arte.

A abordagem da luz, como agente corroborador de efeitos perceptivos, resulta em trabalhos diferentes daqueles onde ela é, em si mesma, o meio que ativa a percepção. Uma classificação, ampla e básica, de duas maneiras distintas do uso da luz in natura, na arte, resulta dessa diferença. Dentro do primeiro grupo estão incluídas todas as projeções de formas luminosas, obtidas, quer pela passagem da luz através de recortes em outros materiais, de montagens cinéticas ou de películas fotográficas, quer pelo gerar dessas formas luminosas por meio de técnicas elétrico-mecânicas ou eletrônicas.

O segundo grupo traz a luz como meio de ativar diretamente a percepção, seja como parte de um objeto, seja produzindo uma ambiência luminosa. Muitos desses objetos são oriundos da arte cinética, onde a luz cria uma ligação espacial antes negada no objeto, iniciando sua interação ambiental, embora ainda se conserve mais focada no objeto como tal. Na arte cinética Julio Le Parc vai criar projeções luminosas em movimento, em grande escala, e Microtempo 16, 1966, de Nicolas Schoffer já nos domínios da cultura digital, é uma construção cibernético-espaço-dinâmica, onde existem dispositivos que tornam o conjunto sensível à luz e ao som ambientes.

Projeto

Para o projeto LUZ DA LUZ, foram levados todos esses conceitos em consideração, buscando trazer alguns artistas que poderiam exemplificar esse enorme campo de possibilidades luminosas.

Período da exposição: entre Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2006 e janeiro 2007.

A Exposição LUZ DA LUZ

A exposição LUZ DA LUZ busca parâmetros na História da Arte que a precede e levanta novas conjeturas como soem fazer os trabalhos de cada artista.

O prédio do SESC Pinheiros já é em si um grande projeto de luz, local especial para abrigar trabalhos de arte espalhados por todo o prédio, em uma museografia não convencional, onde o espaço é ativado por uma nova percepção, que causa impacto e demanda que o visitante descubra as obras aí apresentadas, em jogos de luz diferentes, durante o dia e durante a noite.

A presença de artistas brasileiros e internacionais, dando palestras e workshops possibilitaram ao público entrar mais no conhecimento e apreciação de obras, de natureza inovadora.

O oriente e o ocidente unem-se na instalação sonora de Yumi Kori e Bernhard Gal. As sombras misteriosas e interativas do inverno Finlandês inspiram a de Hanna Haaslathi, trazendo a dança como suporte dialogístico.

Regina Silveira une a luz à sombra, em um duplo acontecimento em que o poético e o tecnológico se complementam; Raquel Kogan propicia um encontro dentro de nós mesmos em espaços-luz ilusórios; Guto Lacaz banha de luz a piscina num mergulho verde de néon; Eder Santos aborda o poético e o intimismo em um mundo encantado, recriado em vídeo; Lucas Bambozzi produz um vídeo, tendo por protagonistas as ruas e a presença do público ao redor do SESC, devolvendo essa informação em projeção luminosa às janelas da fachada. Anna Barros une a luz solar com a tecnológica, fazendo da íris de seus olhos um suporte de percepção das ruas avistadas das janelas do sétimo andar, ao som criado por Anselmo Guerra, e recria uma das janelas no segundo andar.

Dois grupos: SCIArts, artistas e cientistas unidos, criam um objeto-luz,  em metal inteligente, em sintonia com o sol e devolvem sua dança, em tempo real, aos usuários da internet;  SDVila cria um viveiro onde o jardim natural se confunde com uma cascata em luz digital, a dialogar com o som de Wilson Sukorski.

Dentro dos ideais do SESC, de incluir a comunidade nas diferentes formas que o conhecimento e a cultura assumem, o evento foi plenamente realizado, com uma visitação maciça de 70.000 pessoas.

Firmou-se como um evento interdisciplinar entre arte e ciência, o qual além da exposição de arte abarcou uma programação integrada de seminários, oficinas e exposições, tendo o fenômeno luz como sujeito e objeto.

Apresentação Analítica do Evento

A - Artes visuais

Técnicas tradicionais e técnicas digitais.

No universo cultural em que hoje vivemos, a arte está associada à ciência e à tecnologia nos processos criativos e nos processos de pesquisa em busca de novas linguagens expressivas. A luz é a matéria e o veículo para a atualização de importantes obras de arte nas categorias analógica e digital. O termo artes visuais pode ser contestado pois os outros sentidos entram em função na apreciação das obras.

1- A exposição de arte - Bernhard Gal (Áustria))

Bernhard é compositor musical e pesquisa as interações de condições temporo-espaciais cabíveis, bem como seu impacto sobre a imaginação e a percepção humanas. Busca uma relação entre música e arquitetura, o que para ele serve de aprofundamento no conhecimento das interações entre tempo e espaço. Tem vários projetos com Yumi Kori.

Yumi Kori (Japão) - É arquiteta e artista, com um escritório em Tóquio, Studio Myu,  tendo recebido importantes prêmios; leciona arquitetura no Barnard College and Columbia University, in New York City. A instalação apresentada pelos dois artistas em conjunto, Infinitation, tece uma trama visual sonora no espaço que se transforma em uma paisagem de infinitude e meditação, misturando posturas ocidentais e orientais perante a obra de arte. A obra compõe-se de centenas de bexigas transparentes, que dão  impressão  ao visitante de estar flutuando no espaço. Os espelhos, colocados em situações estratégicas, transmitem uma visão de infinitude ao  trabalho. A obra exige uma adaptação ao ambiente escuro, onde só é possível penetrar sobre uma estreita passarela de madeira.

Yumi trabalha de maneira semelhante aos artistas da Light and Space Art[4], na Califórnia que buscam um remanejamento da experiência perceptiva, a qual se constitui no próprio trabalho pois a obra só existe plenamente depois que o fruidor aprende a conceder-lhe um tempo experiencial mais longo do  que é concedido à visitação de uma obra de arte. O som de Gal contribui para gerar uma atmosfera indefinida de paz e mergulho em profundidades sensoriais. É difícil aquilatar até onde o visitante brasileiro mergulhou nas condições pretendidas pelos artistas, mas, os comentários que  circularam foram de encantamento e poesia, sobre uma obra onde o especial era vivenciar a experiência proposta.

Criamos uma instalação que busca reencarnar uma sensação de “infinito”. Nosso trabalho dá às pessoas a oportunidade de descobrir uma outra dimensão na cidade além das funções convencionais, dos significados preconcebidos e das escalas mensuráveis” (palavras dos artistas). 

Fig.1 – Yumi Kori e Bernhard Gal - Foto de Rodrigo Barbosa

Hanna Haaslathi (Finlândia) - Engenharia e desenvolvimento do software- Yves Bernard (iMAL)

Hanna é de Helsink. Graduou-se no Media Lab at the University of Arts and Design. É membro do corpo de diretoria da Sociedade Finlandesa de Novas Mídias. Tem trabalhado com filme, teatro, dança. Na obra escolhida, uma instalação, a sombra humana é transformada em uma mídia interativa. A princípio é um espaço vazio. Quando alguém penetra no quadrado de luz, aí presente, surgem sombras que rodeiam a pessoa e a perseguem. Ela se vê em uma terra de sombras, onde sombras interativas projetadas ao redor de seus pés fazem contato com outras sombras no quadrado de luz. As pessoas podem se contatar por meio das estruturas visuais criadas pelas sombras. Quanto mais pessoas em cena mais complexa se torna a dança. White Square busca quebrar o controle e a relação de comando que as pessoas têm com a tecnologia, trazendo uma relação mais intuitiva e física.

O programa do computador é ativado por sensores ultravioleta, com a presença do ser humano. A instalação também pode ser vista como um espaço arquitetônico de mídia, que convida as pessoas a se moverem, expressando-se em uma interação corporal. É um trabalho que, embora seja gerado por tecnologia pesada, encanta todas as idades pela sua linguagem poética, singela e direta. White Square ganhou o Prêmio especial no 11e Prix Möbius des Multimédias, em Atenas, 2005.

Fig.2 – White Square, de Hanna Haaslath - Foto de Rodrigo Barbosa

Brasil - A luz projetada por tecnologia eletrônica-vídeo tem dois representantes na mostra, Eder Santos e Lucas Bambozzi.

Eder Santos - Call Waiting II, 2006 - Criação: Eder Santos - Produção: Emvideo -         Vídeo-instalação

Eder é um dos mais proeminentes artistas brasileiros em vídeo e vídeo instalação e tem mostrado seu trabalho mais no exterior do que no Brasil. Em 1983 iniciou sua carreira com imagens em super-8 e vídeo, passando a dinamizar o espaço real com vídeo instalações onde explora novas possibilidades tecnológicas, formas e suportes de projeção, em uma ampliação de suas possibilidades artísticas. Permeia seus trabalhos com memórias, lembranças, ativadas de maneira poética e nostálgica. Mais do que registro de imagens é registro de sensações experimentadas e prontas a ativar a experiência do vedor. A vídeo-instalação, Call Waiting, apresentada em LUZ DA LUZ, registra um momento singelo de pássaros em fios elétricos, projetado em uma gaiola que não faz parte do registro imagético, mas que se apresenta como objeto-suporte. O som é o do gorjear dos pássaros conservado no original. É um momento poético, mas também ritualístico, pois adentra um tempo-espaço demarcado que é próprio do ritual; repete-se ciclicamente, é o ciclo da vida, levando-nos à transcendência por meio de coisas mínimas usufruídas pela ativação do sensorial e da memória, o que ocasiona a inclusão do vedor[5] em seu espaço.

Fig.3 – Eder Santos - Call Waiting II, 2006. Criação: Eder Santos. Produção:Emvideo. Vídeo-instalação. - Foto de Rodrigo Barbosa

Lucas Bambozzi - Vídeo - instalação

Desde 1989, trabalha com diferentes formatos de vídeo em várias mídias e suportes, tendo construído um corpo de obras em vídeo, filme, instalação, site-specific, projetos interativos, Internet e CD-ROM, com vários prêmios no Brasil e fora, apresentando-se como um dos nomes fortes da nova geração. Multidão, 2006, é uma projeção panorâmica com três canais sincronizados, que guarda as características dos vídeos de Bambozzi quanto à dissolução da figura, aqui acontecendo pela projeção panorâmica, sobre tela, de voile de nylon colocada em toda a extensão dos vidros fronteiros do hall de entrada do SESC. O vídeo mostra uma multidão andando em direção a um lugar de onde vem uma luz intensa. Esse lugar é nenhum lugar, não necessariamente identificável. Pelo enquadramento, as pessoas caminham em ondas em nossa direção, em conseqüência da falta de espaço deixado na tomada do vídeo, cobrem seus olhos, param, voltam a caminhar até que se dispersem.

É um dos trabalhos que só podiam ser vistos à noite, pois é uma das particularidades de se trabalhar com luz, a de que alguns trabalhos só possam ser vistos de dia e outros à noite. Esta foi uma condição de escolha da curadora de não fechar os trabalhos todos em câmaras de exibição, mas de torná-los participantes da vida do SESC.

Fig.4 - Lucas Bambozzi - Vídeo–instalação - Foto de Rodrigo Barbosa

Regina Silveira - É uma artista extremamente produtiva, com obras expostas no mudo inteiro, em vários museus e bienais no ocidente e no oriente. A importância de sua obra ecoa na formação de jovens artistas, hoje importantes, na FAAP e na ECA-USP.

O projeto original de Regina Silveira era uma instalação site specific criada especialmente para o SESC Pinheiros; não pôde ser realizada pela reforma da comedoria onde deveria ser colocada. Luminoso, constava de um letreiro recortado em vinil adesivado em toda a extensão dos vitrais da comedoria, de cor magenta. Ele iria criar uma densidade luminosa magenta, na frente do prédio e dentro da comedoria, e projetar a palavra Luminoso para fora, no pátio da frente.

Devido a essas circunstâncias foi escolhido o trabalho Doublé, 2003, exibido no Centro Cultural do Banco do Brasil em São Paulo, por se encaixar perfeitamente dentro do conceitual da mostra como um belo exemplo de luz projetada.

Esta peça une dois momentos da obra de Regina, a fascinação com a sombra, pela forma negra advinda de suas gravuras, que aqui descrevem a sombra anamórfica de um cubo em madeira, e com a  luz fenômeno, na projeção luminosa de um cubo gravado em globo dicróico (gravação da imagem em vidro), sistema técnico que reproduz a tridimensionalidade em luz. Trata da natureza das cópias e dos duplos, por meio da comparação entre o real e o virtual de uma mesma forma (cubo), abordando o problema da representação.

Fig.5 – Regina Silveira - Doublé - Foto de Rodrigo Barbosa

Raquel Kogan – Usa, em suas obras, várias técnicas de gerar luz. Em 1999, apresenta, na Capela do Morumbi, uma obra marcante em um outro enfoque da luz, o fogo natural: um grande objeto em parafina, que vai sendo iluminado e ao mesmo tempo consumido pelo fogo, isto é, o próprio objeto de parafina contendo em seu interior pavios e auto-consumindo.

Para a mostra LUZ DA LUZ, Raquel criou Visão, 2007, instalação para lugar específico (site specific). Unindo conceitos óticos à arte, se apóia no próprio ato ou efeito de ver, brinca com a percepção espacial, gerando uma experiência de imagens reais e virtuais em um labirinto infinito. Três superfícies espelhadas, colocadas em paralelo e que conservam espaço de passagem entre si, fazem do visitante o miolo do sanduíche; ele se vê refletido em imagens infinitas como dentro de um labirinto. A iluminação especial é essencial para o efeito desejado pela artista; a luz tênue transmite à obra uma sutileza poética, transformando os visitantes em fantasmas, em um labirinto especular.

A obra estava localizada em um túnel de entrada à zona de exibição no andar térreo, funcionando como um preparador para um mundo mágico do qual já era parte.

Fig.6 – Raquel Kogan - Visão - Foto de Rodrigo Barbosa

Guto Lacaz - É arquiteto pela FAU/USP e artista plástico. Sua obra é tecida por vários canais de comunicação que passam pela vídeo-instalação, multimídia, eletroperformance, projetos e instrumentos científicos o mais inúteis, que funcionam como catalisadores de uma imaginação inquieta e provocadora. O convite ao Guto partiu da lembrança de uma inesquecível instalação Cosmos-Caminhados pelo Infinito, 1991, por ele montada no MASP; o título da obra traduz bem a percepção que o artista engendrou nos visitantes, a de estar em um meio desconhecido e maravilhoso gerado pela energia-luz.

O projeto do artista, Linhas de água, 2006, é singelo e poético. Quatro linhas em néon verde-piscina interagem com o volume da água da piscina em baixo, criando uma dança pelo movimento das pessoas na água. Depois de instalado foi considerado perigoso por estar em uma área de convivência onde as pessoas nem sempre respeitam a natureza frágil de objetos nela colocados; permaneceu no local somente no dia da abertura, sendo substituído por linhas de ferro pintadas da mesma cor e colocadas onde estavam os néons. A arte muitas vezes tem intenção de agredir mesmo fisicamente, Linhas de água não o fazem, mas provocaram tal reação. Foi uma pena, não só pela beleza sutil da obra, mas também porque a exposição fora projetada para acolhê-la, e a luz ausente fez falta no espaço que lhe era destinado. Lembremos de que a luz se espalha e gera densidades luminosas insubstituíveis.

Fig.7 – Guto Lacaz – Linhas de Água - Foto de Rodrigo Barbosa

Anna Barros - Olhoeyeojo, 2006, foi projetada para ativar a percepção do público acostumado a ver uma obra confinada em um lugar, lida com memória e saudades. A instalação estende-se por dois locais: interferência nas janelas redondas do sétimo andar, quadra poli - esportiva onde sobre dois dos seis vitreaux circulares, foi adesivada fotos da Íris da artista, ampliada, digitalizada e impressa em adesivo plástico. Nos outros dois vitreaux foram instaladas caixas com as palavras- vejo – vemos - em LED (luz laser programável) de cor verde. Durante o dia a luz que ilumina os trabalhos provém dos LED. Durante a noite, holofotes colocados sobre as duas transparências projetam a imagem da íris sobre as duas fachadas laterais da coluna, no centro dessa ala da Unidade. Os dois olhos, numa extensão poética, ligam o dentro do SESC com a paisagem ao redor e podem ser vistos à distância. A ambientação sonora é ativada por sensores de presença, com música eletrônica inspirada na canção. Se essa rua fosse minha... Composta por Anselmo Guerra, com  a voz de Sofia Guerra; objetiva estabelecer um elo com o passado; música que desperta lembranças da infância da artista.

O 2º local: a obra, a brincar com a ilusão do real, transpõe uma das janelas do sétimo andar, para um local onde não havia nenhuma abertura externa no segundo andar, à semelhança de um registro que permanece na retina, a técnica empregada compõe uma imagem fotográfica de uma das janelas montada em caixa de luz (backlight), onde se lê a palavra vedes, recortada na madeira, a reproduzir o desenho das guarnições do vidro das janelas sobre a imagem fotográfica.

Anna Barros foi uma das primeiras artistas brasileiras a empregar luz-fenômeno como meio de criação, transformando o espaço com suas características físicas e simbólicas[6]. A desmaterialização e a transparência têm sido elementos característicos de seus trabalhos, seja em instalações seja em animações computadorizadas. Há sempre uma busca de envolver o fruidor em uma atmosfera psico-emocional.

Fig.8 – Anna Barros - Olhoeyeojo - Foto de Rodrigo Barbosa

SCIArts - Gira S.O.L. Instalação e objeto robô - Equipe Interdisciplinar (Membros da Equipe: Fernando Fogliano, Gilson Domingues, Júlia Blumenschein, Milton Sogabe, Renato Hildebrand e Rosangella Leote)

SCIArts desenvolve seus projetos na intersecção entre Arte, Ciência e Tecnologia. Entre outros, - Menção Honrosa no “Prêmio Sergio Motta de Novas Mídias - 2000”. A produção dos trabalhos do grupo procura tanto exprimir a profunda complexidade existente na relação entre estes elementos, que são a essência da cultura humana, quanto a representação de conceitos artístico-científicos contemporâneos que demandem novas possibilidades midiáticas e poéticas.

Para atingir estes objetivos, teorias científicas e tecnologias em geral são utilizadas para a construção de espaços poéticos onde a interação homem/obra, obra/obra, obra/ambiente e homem/homem são predominantes.

A Equipe possui um núcleo fixo de pessoas, mas desenvolve os projetos com co-participantes (técnicos, cientistas, teóricos e artistas), que variam de acordo com as características de cada projeto. Gira S.O.L., 2006 é um sistema mecatrônico (sensores, micro-controlador, programação e equipamentos mecânicos e eletrônicos). A obra consta de dois espaços-tempo e está localizada no interior do andar térreo e no jardim da frente da unidade do SESC. Um é o espaço-tempo real, ao ar livre, no qual a poética da obra está no acompanhamento do movimento do Sol pela estrutura que constituí o Gira S.O.L. (Sistema de Observação da Luz). O ritmo em que o objeto interage com a luz solar é o mesmo que o do movimento diurno do sol na esfera celeste. O Gira S.O.L. propõe, portanto, que se observe a natureza em uma constante de tempo diversa daquela experimentada em nosso frenético cotidiano. Outro espaço-tempo é montado artificialmente, por trechos do real gravados em vídeo, mostrando momentos que, compondo o todo do girar diário acelerado, mostram o caminhar da luz. Estava localizado dentro, no andar térreo, e unia um robô que reagia à luz de uma lanterna, possível de ser movido por interação dos visitantes a uma demonstração do projeto em programa no computador. Infelizmente, devido à falta de educação artística estava sempre necessitando de reparos, o que o SESC fez pontualmente.

Fig.9– SCIArts - Gira S.O.L. Instalação e objeto robô - Foto de Rodrigo Barbosa

SDVila - Viveiro Svetliná, 2006 - Instalação multimídia - Equipe interdisciplinar - Alberto Blumenschein, Anna Barros, Nikoleta Kerinska, Rafael Carlucci, Lineu Belico dos Reis.  Ambientação sonora – Wilson Sukorski (convidado especial).

O Grupo SDVila foi originado da pesquisa iniciada por Anna Barros e Alberto Blumenschein, em 1996. O interesse primordial do grupo é uma união entre arte e ciência e o primeiro trabalho realizado versou sobre algoritmos genéticos, reunindo cientistas das áreas da genética, da física e da programação digital. A obra resultante foi ANDARILHO - The Wanderer, que indicada para o prêmio Sérgio Motta de 2001.

Viveiro Svetliná envolve indagações de uma era em que o pós-humano está em evidência, questionando os jardins da cibercultura, a relação entre os cibervegetais e os naturais, em uma ecologia do devir. A instalação é uma intervenção poética no jardim do fundo do espaço expositivo do 1º andar do SESC Pinheiros. Constitui-se em um estranhamento no total do jardim, onde foi construído um viveiro fechado para abrigá-la, contrastando com os outros dois segmentos naturais com a luz do dia. As plantas foram escolhidas dentro da ecologia da mata atlântica, exemplares de sua camada debaixo das árvores; um espelho de água refletia a animação e fornecia a umidade necessária às plantas.

A ambientação baseia-se tecnicamente nas propriedades físicas da luz como fenômeno, atualizadas em diversas técnicas. Sobre a parede de fundo está projetada uma animação em 3D Max, de uma cascata de luz, com música, com duração de aproximadamente três, rodando em looping.

Holofotes com LED estão espalhados pelo jardim causando projeção de sombras, em cores, das próprias plantas. Uma seqüência de luzes azuis e verdes pré-programada em banca digital, move a atenção da animação para o próprio jardim, simulando uma inundação; desta maneira buscou-se realizar a interação e a integração entre o virtual, o espaço físico e “os seres das sombras” (sombras das plantas). Para condensar o som e conservá-lo plenamente atuante nos limites da obra, sem que prejudicasse a identidade dos trabalhos vizinhos, instalou-se dois sound tubes, que passaram a ditar o local mais propício à observação do conjunto.

Viveiro Svetliná teve uma presença poética marcante no ambiente.

Fig.10 – SDVila - Viveiro Svetliná, 2006 - Instalação multimídia - Foto de Rodrigo Barbosa

A característica de uma união entre som e informação visual é atuante em três das obras apresentadas; o som não é mais um acompanhamento ou uma trilha, sendo gerado para ditar a percepção da peça como um todo: Infinitation, Viveiro Svetliná e Olhoeyeojo. Isto poderia levar a uma consideração sobre o desejo dos artistas de interligarem os sentidos perceptivos em suas obras, o que se torna cada vez mais plausível com as novas tecnologias digitais e com uma crescente necessidade de manifestações interdisciplinares.

2 - Performance

A performance, embora tendo a luz como principal elemento estético e técnico a marcar o evento, compreendeu espetáculos dentro da definição mais ampla do termo com uma exibição de dança no teatro realizada pela Cia. Provisória, tendo por coreógrafos Fabio Dornas e Morena Nascimento, com dois em Super8, originariamente apresentada na Bienal de Dança do SESC, 2004.

Em cenário simples, numa atmosfera branca, dois dançarinos se movimentavam sob a projeção, de imagens luminosas de suas memórias pessoais, em seus corpos.

Replexo, 2006 teleperformance, unindo, pela rede da internet, vários grupos internacionais ao Corpos Informáticos, sob a direção de Bia Medeiros. A parafernália tecnológica contrastava com o ambiente simples de dois em Super8 e de O Banho, ela possuía uma beleza e uma presença que necessitavam ser integradas à beleza e à força da figura humana. Na teleperformance a tecnologia transforma-se em uma extensão do corpo humano, que enfatiza nossa percepção de que a vivência no ambiente virtual está modificando nossa compreensão do que significa viver como seres corporificados.

O Banho, com Marta Soares, uma performance que, sem ser interativa,  tornou-se profundamente envolvente primeiro por acontecer muito próxima do público, segundo pela nudez que contém uma completa exposição e ao mesmo tempo uma contensão dentro de si mesma, e pelo silêncio da performer que se une ao do público, a projeção de imagens que ocorre por vezes sobre os corpos da audiência e, finalmente, por fim pelo assunto que é exposto em nota no folder, sem ser explicitamente trazido à tona a não ser pelas imagens fantasmagóricas que criavam a ambience. Marta, dentro de uma banheira, executa movimentos inspirados nos dos doentes mentais fotografados por Charcot e equipe, com pacientes histéricas do hospital Salpêtriere em Paris. Criação, direção e performance da artista,  O Banho recebeu o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA 2004), é uma representação sobre as percepções decorrentes das lembranças da vida de Sebastiana de Mello Freire, D. Yayá, mulher da elite paulistana que, ao ser diagnosticada doente mental ficou enclausurada em sua casa na Bela Vista, São Paulo. O que nos lembra outro momento semelhante da História da Arte, o enclausuramento psiquiátrico da escultora Camille Claudel.

Finis

Dentro da grande produção atual em arte ligada à tecnologia, LUZ DA LUZ buscou mostrar a poesia da arte que pode prevalecer sobre a tecnologia. “Uma abordagem da luz significa entrar no âmago de todas as formas de conhecimento”, infelizmente esta amplidão de abordagens não foi possível neste projeto, mas como curadora, tenho convicção de que a maneira como o sujeito foi tratado, tanto na mostra quanto nos eventos paralelos que a enriqueceram com a visão de algumas disciplinas científicas, ultrapassou a costumeira limitação à arte.

Quanto à luz, ela continua desafiando artistas e cientistas por sua essência misteriosa. Quanto ao momento de criação, o insight artístico, gostaria de oferecer aos leitores uma frase de um cientista, Arthur Zajonc: “O conhecimento não é um objeto a ser comercializado como um bem material, mas sim um momento de epifania a ser estimado[7].

Referências Bibliográficas

BARROS, A. Arte da percepção. Um namoro entre a luz e o espaço. São Paulo: Annablume Editora, 1999. 186 p.

BUTTERFIELD, J. The art of light and space. New York: Abbeville Press, 1993. 271 p.

HANSEN, M.B.N. Bodies in Code. Interfaces with Digital Media. New York London: Routledge, 2006. 327 P.

ZAJONC, Arthur. Catching the Light. The entwined history of light and mind. Oxford, New York: Oxford University Press, 1993.388 p.

Notas:

[1] Pós-graduação Interdisciplinar Administração, Educação, Comunicação da Universidade São Marcos.

[2] Sun Tunnels é composto de quatro tubulões onde foram abertos círculos diagramando as principais constelações do Hemisfério Norte, dispostos em cruz, com a abertura voltada para os quatro pontos cardiais.

[3] Irwin lida com a percepção espacial e a luz em Two Running Violet V Forms, 1983, UCSD. Duas formas em V compostas por tela de metal recobertas por plástico violeta que servem de tela para a dança das sombras das folhas das árvores à luz do sol. De Turrell, o mais famoso trabalho é Roden Crater, no deserto do Arizona, um vulcão sendo transformado em observatório astronômico, onde a luz das estrelas, do sol e da lua atuam. BARROS, A. A Arte da Percepção. Um Namoro entre a Luz e o Espaço. São Paulo: Annablume Editora, 1999. 186p.

[4] Robert Irwin e James Turrell.

[5] Vedor é um termo que tem sido usado pelos críticos de arte há mais de duas décadas ao escreverem sobre instalações onde há uma participação mais ativa na obra, ver significando um olhar mais atento do que olhar. Espectador é usado para teatro ou cinema, observador, para obras de arte bidimensionais em técnicas tradicionais como pintura ou tridimensionais como escultura onde a percepção é mais observacional do que experiencial.

[6] Fogo-Facto, 1990, instalação no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

[7] ZAJONC, Arthur. Catching the Light. The entwined history of light and mind. Oxford, New York: Oxford University Press, 1993, p.342. Zajonc, morto em 2002, foi professor de Física no Amherst College e Fellow da Lindisfarne Association e do Fetzer Institute. 

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano V - Número 07 - Abril de 2007 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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