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Arcimboldo e a Vertigem do Olhar
Autor:
Rodrigo da Costa Araujo[1] - rodricoara@uol.com.br

Resumo: Este ensaio tem por objetivo refletir sobre a poética de Arcimboldo (1527-1593), como lugar de produção e realização do desejo, além de pensar sobre o poder de sedução ou fascinação que existe no ato da escritura visual e da fruição do leitor. Assim, feito leitura prazerosa, como em O Prazer do Texto, de Roland Bathes e, também, como um palimpesto, as telas escolhidas se definem pelo seu “dinamis” que impede de se fecharem ou  de se confinarem num só sentido, a um simples signo. Nesse percurso, ver/ler exige compreender a imagem como tecidos significantes a serem descobertos no ato de ler, ver. É no movimento que ela se faz, se constrói, mesmo, nos jogos de naturezas diversas e à deriva olhar, percorrendo sem cessar, caminhos vertiginosos.

Palavras-Chave: Vertigem - Maneirismo - Arcimboldo

Abstract: This essay the purpose to reflect about Arcimboldo’s poetic (1527-1593) as a place of production and achievement of the desire, besides thiking of the power of seduction or fascination that exists in the visual writing and in teh fruition of the reader. So, converted to a pleasure reading, like in the Roland Barthes book, “Plaisir du Texte”, and also like a plimpsest, the selected screens define themselves by their dinamics that avoid closing or confining them in a single meaning, to a simple sign. In this way, to aprreciate/to read demands understand the image like significant tissues yet to be discovered in the act of reading, appreciating. And in the movement that it makes itself, it builds itself, even in games of several kinds and the mercy of the reader’s conception, wit a non stop running through dizziness ways.

Keywords: Dizziness - Maneirismo - Arcimboldo

Na obra de Arcimboldo tudo é metáfora.[2]
Roland Barthes

I. INTRODUÇÃO: UM CONVITE AO OLHAR SEMIOLÓGICO

Ao olhar de relance para as telas de Arcimboldo (1527-1593) a surpresa, o estranhamento, o deslocamento são ações instantâneas e extremamentes esperadas. Não tem como negar, o olho procura no meio embaralhado dos signos, uma pista para entender, uma forma de se adentrar nos quadros, um caminho a seguir.

A preferência por Arcimboldo  e o recorte por nós escolhido aconteceram justamente pelo enigma que percorre o processo de significação, algo que ora se apresenta, ora se esconde, se disfarça. A dissimulação tece-lhe o corpo/rosto e estabelece um jogo, onde cada voz e cada termo se afiguram como máscaras que, apenas em avaliação, possibilitam ver onde se fia um traço comum. Traço, ele mesmo, nem sempre igual, mas aproximado, seja pela harmonia momentânea (lugar onde os significantes se interseccionam, produzindo uma direção, dado o corte), seja pela ressonância díspar de alguns outros textos, às vezes só identificados quando se pára para olhar atentamente, percorrendo e avaliando, a tessitura das telas.

O olhar semiológico, preso à tela vertiginosa e ao estilo exuberante do pintor, constrói capacidades para dar vida própria às imagens, emprestando-lhes um conteúdo inesperado. Inquieto sobre os detalhes e os signos, o olho tateia sempre o caminho que liga o sujeito observador aos objetos, aparentemente distraído, perplexo, tentando formalizar uma linguagem, uma percepção que atinge um grau de estranheza radical.

A vertigem, nas mais diferentes formas vai ser, assim, a tônica da manifestação lúdica de Arcimboldo , redundando invariavelmente em jogo, mistérios, devaneios - um olhar movediço e envolvente. “Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador”. (HUIZINGA, 1990, p.11)

Em todo o percurso interpretativo e sedutor, procuraremos mostrar as manifestações do lúdico nas telas Ar[3],  Fogo (1566), Água (1566), Terra (1570) e O Blibliotecário (1566), por meio das diferentes formas de jogo e dos mais representativos recursos da metáfora.

A percepção, sempre à deriva e “fora do lugar” é volúvel porque as telas também o são. Tanto o olhar, como o leitor poderão, nessa brincadeira, compor partes, juntar fragmentos, associar imagens para montar o quebra-cabeças. As telas de Arcimboldo, tornam-se assim, à imagem do estilo em palimpsesto[4], composições que oferecem uma pista socialmente aceitável, para que, de seu avesso e entre as frestas interrogativas, surjam outras imagens, que, no entanto, não se apresentam claramente legíveis, porque são virulentas e figidias. Consiste, como afirma Chklóvski, “em obscurecer a forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção (...) é um fim em si e deve ser prolongado; (...) é um meio de experimentar o devir do objeto”.[5]

Por se tratarem de telas alegóricas, ou seja, “um discurso metafórico que contém dois textos vinculados entre si pelo mesmo fundamento, que os associa num novo conjunto significante, um novo discurso” (LOPES, 1986, p. 42) , e que reportam sempre a um retrato, uma história de gente, a leitura se dará como expansão da metáfora, percebendo os procedimentos da metaforização e do jogo vertiginoso.

A palavra vertigem, no caso, não é só fato de visualidade em relação as telas, mas também, assume semiologicamente uma forma de ler. Etimologicamente[6], trata-se de uma tontura, desvario, loucura, tentação súbita, algo que perturba a razão ou a serenidade.

II. ARCIMBOLDO: BIOGRAFEMAS E ESTRANHAMENTO

Nascido em Milão em 1527, Guiseppe Arcimboldo além de pintor, foi figurinista, decorador e escritor. Foi conde do Império e trabalhou quinze anos na Corte de Maximiliano e onze anos na Corte de Rodolfo II onde recebeu muito ouro e honrarias.

Suas obras mais representativas e transgressoras na época eram as várias Cabeças Compostas, onde retratavam perfis humanos, feito colagem, junção de bichos, plantas, objetos que compõem alegorias labirínticas. Fragmentos, objetos e signos duráveis, imóveis e justapostas que exigem do espectador a lentidão do olhar, a postura de obvervador e dedicação para decifrar a multiplicidade e sofisticação de detalhes da imagem.

Foram esses exercícicos e telas enigmáticas que encantaram o Imperador Maximiliano II e que garantiu seu emprego como pintor oficial da corte. Além de pintor, Arcimboldo também organizava festas, bailes e torneios, ganhando grande influência e popularidade.

Suas obras exigem, querendo ou não, um leitor contemplativo[7], meditativo. “Um leitor que contempla e medita”. Entre os sentidos explorados nessa prática semiótica, a visão reina soberana, completada pelo sentido interior da imaginação. Trata-se, de “um leitor da imagem expositiva, fixa”. (SANTAELLA, 2004, p.19).

Por outro lado, sua técnica e exigência da atenção, parecem anunciar pela profusão de colagens, formas, traços, texturas, objetos e signos um novo tipo de leitor - o leitor “fragmentado, movente”, segundo Santaella.  Não importa, ensimesmados, os leitores desconfiam, juntam fragmentos aqui e ali para comporem a imagem múltipla, fugidia, um universo que se confunde e se mescla com o real e com a imaginação.

Com sua morte em 1593, em pouco tempo, suas alegorias e façanhas caíram no esquecimento. Mas, pelo visto, Rodolfo II, com suas estranhas manias e coleções, inspirou a arte de Arcimboldo. Nas salas desse imperador que Arcimboldo contribuiu para enriquecer com seu talento, tinham: “vermes enormes, anões, gigantes,escorpiões, gêmeos siameses, pedras mágicas, aparelhos mágicos, labirintos, instrumentos musicais, relógios, fósseis de animais e plantas, instrumentos ópticos, espelhos de toda sorte, curiosidades da Índia, da China ou do Peru”. (HOCKE, 2005, p.237).

Pelo visto, segundo Hocke em seu livro Maneirismo: O Mundo visto como Labirinto o estilo metafórico e “a técnica das imagens compostas- enigmáticas e alegóricas” (p.244) foi exemplo para as artes dos séculos XIX e XX.

Enfim, esse museu bizarro a céu aberto das “metonímicas banais”[8] das composições arcimbolescas instigou pintores e estilos do romantismo ao surrealismo. Com suas “experiências artísticas Leonardo da Vinci partiu e duplicou a fisionomia humana. Dali, sem dúvida, imitou-o”. (HOCKE, 2005, p.253). Com Freud essas leituras ainda se intensificaram a partir de 1920. O vigor do inconsciente e o mundo dos sonhos ganharam forças com as telas de Picasso e a fragmentação tomou conta dos textos literários. O sonho, a magia e o lúdico das telas arcimbolescas e maneiristas assumiram as palavras chaves e demiúrgicas das artes de agora.

Os devaneios labirínticos que retomam o famoso conto A Biblioteca de Babel (2001), de Borges e a força dessa poesia que alucina nosso olhar relembram e confirmam o universo de Arcimboldo. O tempo inteiro, suas telas reforçam “ o jogo que lança sobre nós um feitiço: é “fascinante”, “cativante”.” ( HUIZINGA, 1990, p.13)

Essa implosão caldeidoscópica de signos do mágico da pintura maneirista parece impressionar a todos e se distanciar da concepção de arte como cópia da natureza para assumir “a doutrina que cria não meramente a partir da natureza, mas à semelhança da natureza”. (HAUSER, 1988, p. 398).

Assim, as linhas de força desse perfil derivam dessas telas de Guiseppe Arcimboldo (1527-1563), ou seja, sob o signo do biografema[9] barthesiano. Uma vida que se deixa contar em forma de fragmentos, recortes, closes. Escolha de uns, abandono ou esquecimento de outros. As citações foram tecidas e recuperadas das próprias telas como elementos do desenho do perfil.

Partes que se juntam, colagens, desenho que permite o esboço, o inacabado e desviante. Reunião de fragmentos dispersos, “exercícios da linguagem”, manifestação sob forma de “encadeamentos de signos”[10], “textos de gozo”[11], ao sentido barthesiano da palavra. Perfil criado nas superfícieis líquidas da Água ou nas ardências hedonistas das labaredas do Fogo - um mosaico ilusionista, um desenho de perfil ou mais uma cabeça composta?

III. DO JOGO À ILUSÃO ESPECULAR

O poder imaginário é imediato: não procuro a imagem, ela chega-me bruscamente[12]
Roland Barthes

O jogo visual da produção de Arcimboldo, mesmo encantando a todos que dela se aproxima, parece sugerir, mesmo entranhada no espectador/leitor, uma ilusão de significantes que se deslocam, não permitindo, assim, serem capturados pelos olhos.

Essa fuga do olhar, entretanto, desafia o leitor em redemoinhos de signos, que projetam no espaço da fantasia a imaginária visão ou “efeito de real”[13]. Nesses pontos que parecem e desaparecem em jogos obscuros e escondidos, a inteligência parece não conseguir explicar tais efeitos ou colagens. Nesse processo semiótico, segundo Kristeva (1999, p.358) “ o código do quadro articula-se sobre a história que o rodeia e produz assim o texto que o quadro constitui”.

Por outro lado, atento aos detalhes, a surpresa e aos signos, aparentemente percebemos que não nos faltam emoção para sentir de perto o remoto e silencioso fascínio de seus segredos. Por isso, ao limitarmos os olhos nesta tela de Arcimboldo e sem saber o que dizer, capturamos tão somente com um vago e contraditório sentimento de atração: suave, leve, sinestésico percebemos o Ar sorrateiro e calmo, pousando na tela.


Figura 1. Ar (sem data)

Inexplicável, nessa tela, o Ar parece ser composto de aves que sugerem os signos da suspensão, da liberdade envolvente de voar, de um vazio que conduz à dimensão do espaço, da visão desamarrada do peso e dos objetos. Fixar os olhos, pois, nessa inesperada sensação de ar, corresponde, de certa maneira, ao ato de reviver visionaramente a entranhável viagem do vento, a sensação que permite e manifesta a vida e a dimanicidade dos bichos na tela.

Assim, é fácil perceber que a poética de Arcimboldo configura-se um projeto artístico que convida simultaneamente à fruição e a reflexão porque o conjunto de aves que constroem o universo do Ar é um conjunto de signos ou um sistema de signos que se completam em sua visualidade (o todo). Nesse sentido, necessário se faz, então, um “leitor de possíveis” segundo Lucrécia Ferrara, e o leitor/receptor deve ser “ o motor que impulsiona a fragmentação sígnica na medida em que é capaz de, numa operação de descoberta, operar o avesso do signo, a contraface do signo que o faz ser um e todos ao mesmo tempo”. (FERRARA, 1981, p.12)

O “estilo estiloso” dessa tela opera com “a ênfase que se dá às  partes em detrimento do todo em tantas obras maneiristas[14] reforçando, assim, o olhar vertiginoso, que procura detalhes, mas que tenta o tempo inteiro, no jogo labiríntico, compreender o dinamismo e o efeito do encanto nos detalhes.

O giro do olhar à deriva, diante do ângulo das asas dos bichos ou das penas flutuantes reforça a analogia com o ar, deslocando a vista da tela para um espaço maior, mais livre ou, em outros termos, o leitor tem de se confrontar com a leveza, com o fugidio, enfim, entender-se cara a cara com o ar na própria pele. Jogo dos sentidos, jogo dos olhares. Imagens caleidoscópicas que ecoam de maneira genial com a poesia de Alberto Caeiro, nos seus versos que dizem que “pensar é não compreender”, “é estar doente dos olhos”.

A ilusão, dessa forma, procura o horizonte sem fim, o ar que produz o mecanismo da vida diante da tela, o efeito de uma paisagem onde os bichos vivem. Todas as aves, nesse conjunto, compõem o universo semiológico do ar, a amplitude, o horizonte e a liberdade.

IV. O FOGO E A IMAGINAÇÃO CRIADORA

As imagens não abrigam idéias tranqüilas, nem idéias definitivas, sobretudo. A imaginação imagina incessantemente e se enriquce de novas imagens”.


Bachelard, 1978, p. 196.

Para o filósofo Barchelard[15], em Psicanálise do Fogo (1999), o calor é a prova por excelência da riqueza e da permanência substanciais. Só ele confere um sentido imediato à intensidade do ser. Na poética barchelardiana o fogo constitui a essência do homem e do mundo, metaforiza o mundo da imaginação e dos valores, da superação de si mesmo, do amor entre o homem e a natureza. O fogo, para ele, é a essência da vida, poética em direção à unidade primordial.

Essa mesma leitura pode ser aplicada à tela Fogo (1566), de Arcimboldo. Nessa obra, alegorias que representam o fogo surgem como enxertos visuais e além de assinalarem que a prática se constrói por adições, também reforça a prática repetitiva e intertextual.

O trabalho por agrupamento dos signos e ao mesmo tempo prazeroso de leitura praticado pelo pintor, seria mais ou menos como se faz um quebra-cabeça, no qual é preciso, com muita atenção e uma certa habilidade- como se trata de uma leitura/montagem-, juntar parte por parte, fragmento por fragmento, e não ao bel-prazer, porque cada um tem o seu lugar, para que se obtenha a figura do desenho (imagem) completo. O espectador se guia pela percepção, buscando uma nova cosmovisão e expressando-a através de imagens deformadas.


Figura 2. Fogo (1566)

A metonímia das partes que compõem o todo visual pode ser vista nas velas que emolduram o pescoço e são também os retoques do olho e da boca do figurante ou reforçadas na pilha de lenha cujas chamas rodeiam a cabeça formando uma coroa. Enfim, o fogo que incendeia toda a tela, também é o fio-condutor para a poética barchelardiana a respeito das imagens provocadas pelas artes em geral. Essas imagens, produzidas artisticamente, segundo o filósofo, necessitam ser vistas antes mesmo da percepção - uma espécie de “aventura  semiológica” - caso queiramos descobrir a atividade prospectiva delas.

Para Barchelard, e semelhante a Arcimboldo, a compreensão está na subjetividade de cada indivíduo, que mesmo partindo de arquétipos e esteriótipos terá surpresas. Os sonhos e os devaneios são os principais responsáveis em nos guiar na aventura semiológica prospectiva das imagens. As composições arcimbolescas, nesse sentido desviante, não remetem a nada fora delas mesmas. O questionamento da representação e do mundo, a metaforização dos retratos e do homem na construção labiríntica passam a ser o signo delas mesmas.

Feiticeiro de um pensamento encantado Fogo, de Arcimboldo torna-se elemento de combate e guerra com a presença da arma e dos canhões que emolduram o corpo. Enfim, a tela sugere uma leitura do elemento fogo como algo imaginado e não conhecido objetivamente, de modo que a maneira como se imagina é freqüentemente mais instrutiva do que aquilo o que se imagina.

Essa ludicidade e riqueza de signos presentes em Fogo valorizam novamente o jogo visual na poética arcimbolesca. Associado ao pensamento estético de Barchelard, o quadro revela uma esfera sensitiva através das imagens metafóricas, que instigam não apenas uma leitura semiológica da imagem, mas uma ontologia da imaginação.

A tela Fogo, germinadora de signos, arauto de muitas leituras e novidades, inclusive a origem da poesia como fogo, algo primário, é também uma textualidade limite entre a vida e a arte. De um lado inusitado pedindo passagem com as labaredas que incendeiam o olhar, do outro, o caleidoscópio do deciframento.

Assim, o amador de imagens e inventor de brincadeiras[16] parece evocar o fogo e se colocar à escuta da natureza, fundar nas alegorias a origem da criação e prolongar pela natureza os nós da imaginação criadora. “A imaginação, em nós fala; nossos sonhos falam; nossos pensamentos falam; Toda atividade humana deseja falar.” (JAPIASSÚ, 1976, p.157)

V. PELO LABIRINTO AQUÁTICO

 

O Quadro Água (1566), de Arcimboldo pode ser lido como um texto sem ordem de entrada, sem começo nem fim, um texto que continua insinuante pelo labirinto aquático. Uma superfície líquida e porosa. A alegoria da água é uma tela que se dá sob uma movença espiralada de fragmentos, e, consequentemente de sentidos, enfim, uma “galáxia de significantes”, segundo Barthes.

“Tudo significa sem cessar e várias vezes, mas, sem delegação a um grande conjunto final, a uma estrutura derradeira.” (BARTHES, 1970, p. 18)


Figura 3. Água (1566)

Para que o leitor possa ler esta tela é preciso que ele rearticule os fragmentos que o compõe. O mar, a água  parecem surgir como lembranças que aqui poderiam ser lidos como citações, já que a pintura acaba citando a si mesma, disfarçadamente, feito um mosaico que se permite ler aleatoriamente.

No rearranjo visual, o leitor pinça sempre um recorte - porque é impossível observar toda a tela numa amplitude de leitura, uma vez que tal observação vai ser sempre, como qualquer olhar, da ordem do desejo do leitor - e, ao recortar, desvia sem olhar, “esquece” de um sentido (de um fragmento) e funda a leitura. “Ler é encontrar sentidos, e encontrar sentido é nomeá-los”. (BARTHES, 1970, p.17).

Olhar para a tela Água (1566) como um texto em fragmentos (citação e reforço metonímico da água) é querer - desejar mesmo - sua não construção, porque nele os significados escorrem como a água para vários cantos da tela. Cada animal existe por si só, em sua unidade, sem preocupação excessiva de se caminhar para um conjunto maior, que acabaria reduzindo os sentidos emanados por eles num sentido único, logo reducionista de significação.

A vertigem do olhar, nesse sentido, antes de ser única, é, como a tela, também plural, e persegue uma re-leitura que deslize sobre as imagens que só existem no cheiro da maresia e na percepção quase aquática do mundo submarinho. Escorregadios como o fundo do mar, os bichos compõem um cenário ora encantador, ora desolador. Encanto e nojo, prazer de olhar e prazer de desviar o olhar são opostos que fazem da água alegoria da vida e da morte.

Perdido e à deriva, o olhar tenta capturar e nomear os diversos animais que compõem a alegoria do elemento água e o possível retrato do imperador que se tenta traçar. Peitoral delineado com carangueijo gigante e tartaruga, ombro enfeitado com um polvo e pescoço arrematado com um colar de pérolas preciosas do mar. Detalhes e jóia que formam a roupa do imperador, signos do poder e do privilégio.

Cabeça coroada por um cavalo-marinho e por uma estrela-do-mar. A figura do rei exige ainda, detalhes e ramos de uma espinha de peixe e de corais como retoques da beleza e do maneirismo. Arcimboldo “ao dar expressão à vida, (...) cria outro mundo, um mundo poético, ao lado do da natureza”. (HUIZINGA, 1990, p.7)

Em Água, do famoso pintor maneirista, não tem como passar despercebido um olhar inquieto (surpreendido) com tantos elementos que resumem tal mundo. A cada momento do olhar, a cada movimento, o olho é surpeendido por algo que não se repete ou que ficou despercebido.

Roland Barthes, no apêndice que escreve à primeira parte de L’obvie et l’obtus diz:

“Um signo é aquilo que se repete. Sem repetição não há signo, pois não poderíamos reconhecê-lo, e é o reconhecimento que origina o signo. Ora, Stendhal observa que o olhar é capaz de dizer tudo, mas não se pode repetir textualmente. Logo, o olhar não é um signo e, no entanto, significa. Em que consiste este mistério?” (1982, p. 279)

Ver, nesse caso, e aqui mais atentamente aplicado às telas de Arcimboldo, implica a repetição. Para se reconhecer as telas é preciso que estas se repitam, que estejam submetidas ao simbólico. Nesse “tornar-se-texto” do quadro, segundo Kristeva (1999, p.358) “compreendemos que quadro (e por conseguinte o signo icônico) não representa um real, mas um “simulacro-entre-o-mundo-e-a-linguagem”, no qual se baseia toda uma constelação de textos que se recortam e se associam numa leitura do dito quadro, leitura que nunca está terminada.”

Adiante, o semiólogo esclarece que o olhar se situa no “reino da significação”, sendo, portanto, a significância, a sua unidade e não o signo. Nele, há sempre algo oculto: sua invisibilidade. O olhar do espectador, inscrevendo-se na significância, lê os signos que o cercam, conjuga “lobvie et l’obtus”.

A recusa da representação em Arcimboldo é quase obstinada na feitura das telas desse pintor. O ponto de vista (a visão) é, a cada momento, a cada nova combinatória dos signos, desfeito, por incessantes movimentos palpebrais. Em Água para analisar cada detalhe, é necessário que se tenha uma câmara nos olhos capaz de filmar as múltiplas imagens que, freneticamente, se sucedem, uma às outras, neste vertiginoso aquário visual.

De qualquer forma, o rosto parece ser destruído pela água e o espectador imagina uma possível leitura fugidia. Será uma testemunha ocular, alguém que vê tudo e sabe toda a história? Roland Barthes, num dos fragmentos de Roland Barthes par Roland Barthes diz: - “o jogo, o pastiche”-, fala que o “verdadeiro jogo não está em mascarar o sujeito, mas em mascarar o próprio jogo”. (BARTHES,1975, p.145)

 

VI. A TERRA E OS DEVANEIOS DE ARCIMBOLDO

O “mistério” do olhar (...) situa-se na zona de transbordamento[17]
Roland Barthes

Em Terra (1570), um olhar atento ao jogo dos bichos, percebe-se um rosto de perfil e meio sombrio. A tela, num primeiro lance do olho, não parece desenhar um caminho a ser seguido pelo olhar. Antes, apresenta-se, para quem dela se aproxima, como um certo desconforto e vertigem.

Novamente, como nos outros quadros, e através de um recorte metonímico, outros textos colados ao texto maior, constroem, assim, uma pintura em palimpsesto, uma tela que rasura, mas não apaga os textos nela superpostos. O espaço, sem excluir as outras Cabeças Compostas, se temporaliza desde o momento em que passa a ser olhado; ver em Arcimboldo significa, de fato, efetuar um trajeto visual sobre a superfície e olhando para cada bicho em sua individualidade, percorrendo-se  por caminhos descontínuos, focaliza-se pontos aqui e outros ali, em seguida aquele outro, lá, e assim por diante, de modo a tecer, sobre a aparente imagem que se traça, um perfil.

Os olhos vão desemaranhando o todo retratado e perseguindo até o fim do percurso da leitura, quando então, aquele sentido do estado inicial se totaliza juntando partes, costurando bichos, tecendo e alinhavando, enfim, o texto maior. O retrato-texto, o textum. “Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu acabado, por detrás do qual se conserva, mais ou menos escondido, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia generativa de que texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo.” (BARTHES, 1973, p.85)


Figura 4. Terra (1570)

Remetendo sem cessar ao mundo da terra e a outros lugares discursivos que a representam, os bichos selvagens, traduzidos em alegorias, são recursos imediatos a códigos já conhecidos que se repetem e funcionam na tela. Graças ao tesouro da intertextualidade, segundo JOLY (2005, p. 192) “ a alegoria  remete para argumentos, para frames intertextuais que já conhecemos”, codificando, assim, as imagens da Terra.

Da mesma forma, o leitor, que, ao olhar para Terra, relê, na imagem fragmentária outros textos que avançam de um passado sem origem para se inscrever ali no tempo da leitura. Essa prática de lembrar é uma prática de desler[18], porque tudo sugere que aquela cena já foi vista e agora faz parte de outro cenário, para compor outro texto, e construir um sentido. “O sentido vem por acréscimo, ele é o suplemento do trabalho (COMPAGNON, 1996, p.34).”

A cor marron que predomina na tela reforça a textura da terra e o habitat dos animais que compõem a alegoria em questão. Os bichos, os pelos, os signos de animais silvestres, remontam o mundo figurativo do inominável, isto é, lugar onde os fragmentos, trabalhados e retrabalhados, colados e descolados, podem ser reconhecíveis no espaço da tela, mas não podem mais receber um nome senão o de texto, ficção, imagem. Um espaço romanesco e poético de um retrato terrestre.

Nesse retrato, todos os animais com chifres são arrumados semiologicamente de forma que desenham uma coroa real ao redor da testa do retratado. O elefante, colado frontalmente, ajuda a compor o rosto de perfil e a orelha de toda a cabeça.  Para Barthes, o que fascina e seduz, é justamente “a imagem de um corpo em situação”.[19]

O pescoço formado por um boi reclinado ajuda a desenhar levemente, com a ajuda de uma corça, a roupa de frio, acompanhada com detalhes em pele de leão e cabrito. Roland Barthes, em Sistema da Moda (1979), propõe dentro da Semiologia, uma valoração dos signos objectuais. Nesse cenário, no tocante a roupa do retratado, apresenta um vestuário, pela forma estrutural e institucional do costume, fora do tempo e do espaço. Seu traje se insere, assim, na composição gestual do herói, pois compõe uma figura excêntrica, para além de qualquer forma “atualizada, individualizada, usada”.

Sua indumentária, segundo o olhar barthesiano, em versão de luxo, consta peças raras, revelam sua classe social, denunciam um passado respeitável. Além disso, a reiteração da mesma vestimenta, em quase todas as telas, enfatiza a circularidade do personagem, pois, como observa Barthes, “uma variação de vestuário produz uma variação de caráter (BARTHES, 1989, p. 241)”.

VII. DE LIVRO, JOGO E METALINGUAGEM

O livro é um mundo”.[20]
Roland Barthes

Em O Bibliotecário (1566) Arcimboldo parece propor uma reflexão sobre a leitura. No jogo de alegorias de livros com o espectador, o pintor traz para dentro do quadro olhares deslocados e metáforas instituídas pelo mundo do livro. Querendo ou não, é a pintura retratando o ato de ler, uma maneira mesmo de encarar esse ato.

Nesse sentido, não seria a pintura mesmo um exercício de leitura? Uma espécie de representação de uma leitura? Leitura e pintura não se revestiriam de um mesmo processo? Ver e ler não teriam um mesmo caminho labiríntico nessa tela? Tudo sugere a Biblioteca de Babel, na qual Borges se compraz: “os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem)” (BORGES, 2001, p.100)


Figura 5. O Bibliotecário (1566)

O Bibliotecário, assim, vale-se do processo auto-reflexivo que articula a metalinguagem visual. Livros que remetem a livros, palavra que puxa palavra - título que sugere leitura. Cada livro individualmente, composto na tela em forma de blocos ou pilhas rompem seus limites de simples “objeto de leitura”, perdendo seu caráter individual. Juntos, alegoricamente na obra, sugerem o mundo da leitura e do bibliotecário.

Brincando com significantes “livros”, Arcimboldo reflete sobre a relação leitor/leitura, espectador/obra, ler/desler, jogo/leitura, montagem/desmontagem. De qualquer forma, acentuam-se a força da leitura e o poder das palavras. “O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiúrgos malévolos”. (BORGES, 2001, p.93)

Dando feição concreta ao bibliotecário, trabalhando, representando, assim, na sua materialidade de objeto, a tela paradoxalmente contrapõe dois tipos de leitura na expressão da idéia de livro/palavra.

Essa idéia poderia ser traduzida no seguinte gráfico abaixo:

1º plano

Tela:O Bibliotecário

Cortina

metalinguagem

2º plano

No primeiro plano, a leitura parece surgir “pronta” com os livros justapostos e arrumados aleatoriamente diante dos olhos e numa primeira análise. Leitura, nesse primeiro momento, resumiria-se em livros. Com um olhar mais atento e apurado, o protagonista da tela parece apontar do outro lado da cortina, no segundo plano, uma outra proposta de leitura. Leitura nesse outro momento do olhar, assumiria outro significado – algo mais crítico, labiríntico, muitas vezes desolador pela sua carga semântica de conhecimento e informação.

Ler, nessa perspectiva, seria um ato além do significante livro, apresentado no primeiro plano da tela. A reflexão  metalingüística sobre o título “Bibliotecário”, nesse sentido, desaloja o leitor, embora suavemente, isso passe despercebido aos olhos de um espectador desatento.

A biblioteca, nessa alegoria bem tramada na poética de Arcimboldo, constrói um efeito final perturbador. O deslizamento de sentidos da imagem “livro”/ leitura percorre a passagem da beleza, do toque da descoberta, sem esquecer o “peso” e a responsabilidade que a informação carrega.

A tela, assim, traduz a passagem concretizada para o espectador/leitor das imagens. A leitura apresentada como travessia ou caminho, busca, mesmo que desoladora (escuridão atrás da cortina), situar o espectador em seu constante fazer no espaço e no tempo da moldura. Afinal, nas palavras que Christian Metz “um quadro é uma imagem, mas não é apenas isto; ou antes, a imagem, nele, é intimamente atravessada por mil configurações que, ao mesmo tempo, nos levam muito longe dela e nos introduzem em seu núcleo; até um certo ponto, o quadro não é outra coisa senão a leitura que dele se faz: narração, descrição, cenário.” ( 1974, p.15)

Com essas ações/pinceladas metalingüísticas o artista faz a relação da leitura com o mundo, alimentando-se de tais recursos para exibir os bastidores da representação do outro lado da espessa cortina cinzenta.

1º plano

2º plano

elaboração

Óbvio

Aparente/presente

Olhado

Inocente

Integração dos objetos

Obtuso

Ausente

Escondido

Crítico

Desintegração

dos objetos

metalinguagem

Semelhante a metodologia utilizada por Barthes em S/Z (1970), esses gráficos assumem um processo interpretativo na tela O Bibliotecário, de Arcimboldo. Tal leitura, ainda que aplicada ao texto literário e aqui transcrita para tela, visa não a ordenar significações e sim fazê-las explodir visualmente. Jan Mukarovsky, em seu famoso ensaio A Arte como facto semiológico, de 1934, afirma que a obra de arte possui uma natureza sígnica, pois é comunicativa. Enquanto signo, esta tela de Arcimboldo necessita de um receptor atento, que decodifique seu significado, transformando-o em um objeto significativo.

Assim, lendo a tela em duas grandes partes significantes (1ª parte e 2ª parte) e nomeando-as barthesianamente em lexias[21], propomo-nos múltiplas e flutuantes significações das alegorias do bibliotecário. Esse trabalho de leitura, por recortes, assinala em certo conjunto de códigos de que participa o plural da tela, parte da noção de escritura como atividade lúdica e descentrada.

VIII. FECHANDO AS CORTINAS: INCONCLUSÕES

"Toda tarefa da arte é inexprimir o exprimível, retirar da língua do mundo, que é a pobre e poderosa língua das paixões, uma outra fala, uma fala exata".[22]
Roland Barthes

Como encerrar o que se transmuta a cada instante? “O efeito do olhar” resultante da somatória de uma decepção com uma surpresa, ocorre quando o enunciatário se defronta com uma construção que suprimiu o que ele esperava que ela contivesse, adicionando em seu lugar o que ele não esperava que viesse. Constantes vazios, constantes lacunas, uma percepção de ruptura das perspectivas programadas na competência do espectador/leitor.

Caminhos de estranhamentos cantados pelos Formalistas Russos que viam no artifício do “estranhar/entranhar-se” um conceito de arte e extremamente aplicável ao efeito de leituras da obra de Arcimboldo como elemento característico da apreensão de um desvio.

Os Quatro Elementos, objeto da preocupação da poética barchelardiana como cosmologia simbólica, também podem ser interpretados como alegorias do homem e de sua relação com a natureza em Arcimboldo. Muitas vezes dominando-a, outras vezes questionando-a.

Água, Fogo, Terra e Ar e os derivados poéticos são, semiologicamente, o lugar metafórico onde o imaginário se liga diretamente à sensação. “Todos os sentidos podem, pois, “olhar”, e inversamente, o olhar pode sentir, escutar, tocar etc.” (BARTHES, 1982, p. 280). Ainda que dialogando arte e ciência na época, tudo nas composições arcimbolescas parece sugerir que não se trata de um domínio científico, mas de uma poética estruturada em fragmentos, colagens, concentração de signos. Michel Le Guern (1974, p. 65) ao estudar as metáforas e os símbolos, diz: “ Estas metáforas associadas aos elementos primitivos e à experiência comum permitem particularmente um processo de rejuvenescimento da imagem pelo emprego de uma outra metáfora extraída do mesmo campo semântico”.

A presença dos quatro elementos naturais rememora a idéia dos primórdios, na origem da vida. Arcimboldo dispõe na trama ou teatrologia cósmica das telas condições de reflexões sobre as questões ecológicas, sem, contudo, banalizá-las. Os exemplos trazidos às páginas desse ensaio servem para comprovar os pressupostos teóricos que postulam a intertextualidade como “estratégia da forma”[23], consequentemente estratégia do conteúdo.

O trabalho empreendido pela poética de Arcimboldo revela que, como mosaico, suas telas se constroem pela absorção de múltiplos signos, sem que o uso da intertextualidade desintegre o discurso imagético.Tudo confirma que “os signos definem-se por relação uns com os outros. Um signo é sempre interpretável por outros signos”. (YANGUELLO, 1997, p.84)

 Há, pois, uma situação de equilíbrio capaz de manter a unidade estética da própria obra, que se enriquece com a irrupção de outras imagens, sempre numa concepção dialógica, convidando o leitor a uma leitura múltipla, visto que “o novo contexto procura em geral, uma apropriação triunfante do texto pressuposto”. [24] A intertextualidade é vista, ainda, como “máquina perturbadora. Trata-se de não deixar o sentido em sossego - de evitar o triunfo do “cliché” por um trabalho de transformação”. (LAURENT, 1979, p. 45).

Nesse jogo das matérias não há oposições, mas cumplicidade entre o mundo da imaginação e o mundo dado. Os bichos, plantas, objetos e outras colagens que compõem os retratos são elementos instigadores das cinco sensações, bem como metáforas de sensações possíveis: leve, alto, baixo, pesado, áspero etc. Como charada, as colagens só se deixam compreender pela interação dos signos, que isolados são descontextualizados e banais e, somente na união, produzem sentido.

Com “esse êxtase hipnótico”, para usar uma expressão de Lucrécia Ferrara, força-se o espectador a dilatar as pupilas para ver melhor, para identificar com maior nitidez o que se encontra escondido. Em sentido barthesiano, o espectador deveria produzir um certa mântica[25].

Arcimboldo opera com suas Cabeças Compostas uma volta à natureza primeira das imagens, com suas mirabolantes pinceladas, buscando um movimento inverso não da fossolização da imagem, mas a pluralidade de jogos e de significados. Em sua poética a representação mimética do universo não encontra tempo, nem espaço numa pintura que só se atualiza através de jogos visuais, cujo sentido para ser liberado exige o que Lucrécia Ferrara denomina “leitura montagem”. Segundo a estudiosa, “a leitura-montagem se produz sobre resíduos sígnicos, sobre o lixo da linguagem. À maneira de uma dobradura ou de uma “sonda heurística”, a leitura-montagem é ela própria dialógica, porque o texto fornece as pistas, mas as saídas, as possibilidades de leitura-montagem, precisam ser deflagradas”. (FERRARA, 1981, p.192)

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Imagens do site: http://alexis.com.pt/arcimboldo.htm

Notas:

[1] Professor de Literatura da FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé e Mestrando em Ciência da Arte pela UFF/ E-mail: rodricoara@uol.com.br

 [2] R’egne triomplant de la métaphore: “tout est métaphore chez Arcimboldo.” L’obvie et l’obtus. Essais Critiques III.  p.129.

 [3] Tela sem data.

 [4] O palimpsesto, segundo o Dicionário de Termos Literários, de Massaud Moisés (2004, p. 333) deriva do grego: pálin = novamente, psestos = raspado, borrado. Na antiguidade, como o pergaminho e o couro eram materiais caros os escribas reutilizavam diversas vezes os mesmos manuscritos “colocando-os numa dissolução de água de cal para assim os despojarem das primeiras escritas que eles continham. Tais couros e manuscritos, depois de raspados e alisados com pedra-pomes, eram aproveitados várias vezes para novos escritos”. Engaste - o palimpsesto por trabalhar com a curetagem mantém uma relação auto-reflexiva que atua com mais de um signo. Na reescrita do texto reciclado, a narrativa irá apresentar marcas sígnicas, camadas que se engastam à narrativa primeira. O termo engastar é definido por Lucien Dällenbach em Intertexto e autotexto. In: Poétique. Revista de Teoria e Análise Literárias - Intertextualidades, Coimbra,1979, p.56. 

[5]  Cf. V. Chklóvski. A Arte como Procedimento.  p.45

[6] Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. p. 2851.

 [7] SANTAELLA, Lúcia (1997). A leitura fora do livro, in: http://www.pucsp/~cos-puc/epe/mostra/santaella.htm

[8] BARTHES, Roland. L’obvie et l’obtus. Essais Critiques III. p. 120

[9] O biografema, segundo Barthes, nunca é uma verdade objetiva: “O biografema nada mais é do que anammese factícia: a que eu empresto ao autor que amo”. A biografemática – “ciência” do biografema – teria como objeto pormenores isolados, que comporiam uma biografia descontínua; essa “biografia” diferiria da biografia-destino, onde tudo se liga, fazendo sentido. O biografema é o detalhe insignificante, fosco; a narrativa e a personagem no grau zero, meras virtualidades de significação. Por seu aspecto sensual, o biografema convida o leitor a fantasmar; a compor, com esses fragmentos, um outro texto que é, ao mesmo tempo, do autor amado e dele mesmo - leitor. (PERRONE-MOISÉS, 1983, p.15)

[10] Conceito de signo, segundo A. J. GREMIAS/ J. COURTÉS. Dicionário de Semiótica. (1999, p.422). 

[11] Texto para Barthes “não é um produto estético, é uma prática significante; não é uma estrutura, é uma estruturação; não é um objecto, é um trabalho e um jogo; não é um conjunto de signos fechados, dotado de um sentido que tentássemos encontrar, é um volume de marcas em deslocamento, a instância do Texto não é a significação, mas o Significante, na acepção semiótica e psicanalítica do termo”.  Roland Barthes. In: A Aventura Semiológica. ( 1987, p.14). Ainda dentro dessa tipologia desenvolvida por Barthes existem os “textos de prazer” e “textos de gozo” situados na temporalidade da leitura. Os textos de prazer são também chamados de “clássicos” ou “legíveis” - não oferecem resistência, proporcionam uma leitura fluente e tranqüila, desimpedida, convidam o espectador a pular fragmentos de imagens, sem perda de entendimento; já os textos de gozo – igualmente chamados de “modernos” ou “escrevíveis” – exigem uma leitura mais atenta, sob pena de, à não obediência dessa exigência, punir o leitor com o tédio, a improdutividade e, finalmente, ao abandono da leitura. Portanto, fiz referência à leitura das telas de Arcimboldo, associando ao conceito de “textos de gozo” - textos escrevíveis. Um texto que nós construímos ao olhar a tela (mas não está presente na tela), aberto a um plural ilimitado e só se torna possível pelo engajamento radical da produtividade do espectador/leitor. Um olhar, extremamente, semiológico, vertiginoso e escrevível. 

[12] BARTHES, Roland. Fragments d’um discours amoureux. p. 253 

[13] A expressão “efeito de real” procura dar conta da dimensão imersiva da simulação, ilusão da realidade,isto é, da capacidade da cena ou evento simulado de absorver a atenção do observador. Essa discussão foi iniciada por  Barthes e faz parte do famoso ensaio: O Efeito de Real. In: O Rumor da Língua, p. 181. 

[14] SHEARMAN, John. O Maneirismo. p. 152

[15] Gaston Barchelard (1884 -1962) dedicou parte de sua obra ao rastreamento dos elementos básicos, segundo Jung, do inconsciente coletivo - a água, o fogo, o ar e a terra - em escritores, sobretudo poetas que apresentavam imagens, metáforas, por intermédio desses elementos.

[16] Alusão do livro: O Inventor de Brincadeiras; Arcimboldo, de Leo Cunha. 4ª edição. Belo Horizonte: Dimensão, 1996. 

[17] BARTHES, Roland. L’obvie et l’obtus. Essais Critiques III. p. 279. 

[18] Desler no sentido barthesiano: “É precisamente porque esqueço, que eu leio”. (Barthes, 1970, p.18) 

[19] BARTHES, Roland. Fragments d’um discours amoureu. p. 228.

[20] BARTHES, Roland.  Critique et Vérité. p.69.

[21] Refere-se ao termo empregado por Barthes em S/Z, ao avaliar e ao interpretar a novela Sarrasine, de Balzac. A Lexia constitui cada pequeno fragmento do texto, destacado segundo sua ordem de apresentação. A lexia resulta de um corte na lineariedade, fazendo com que, pelo desligamento de uma, lexia de outra, as significações passam a se disseminar. Aplicada ao quadro em questão, a avaliação-interpretação barthesiana, recortando a tela, provoca uma explosão sobre a superfície da imagem, deixando seus estilhaços significarem e se comunicarem. 

[22] BARTHES, Roland. In: Préface. Essais Critiques. p.15 

[23] JENNY, Laurent. A Estratégia da forma. In: Intertextualidades, Revista Poétique, nº. 27, Coimbra, 1979. 

[24] JENNY, Laurent. A Estratégia da forma. p. 43. 

[25] Mântica, segundo CALVET (s/d, p. 153), é a arte da adivinhação. A mântica seria, portanto, interrogações diante das telas de Arcimboldo, diante do estranhamento, incitando sempre uma resposta.

 

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