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Resenha do livro "Arte Educação Contemporânea. Consonâncias Internacionais". Ana Mae Barbosa (Org.). São Paulo: Cortez, 2005
Autora: Teresa Eça

Esta antologia de textos organizada por Ana Mae Barbosa revela bem o seu traço, a sua força empreendedora e a sua capacidade de entender as diferenças e as similitudes no mundo da arte educação. A selecção é criteriosa e abrangente. As origens dos autores são diversas, gente oriunda dos vários continentes que enriquece o livro com teorias, conceitos e relatos de experiências em arte/educação bem variados.

À partida parece uma colectânea de grandes autores, de peritos sobre educação artística e, com facilidade reconhecemos as grandes visões sobre a educação artística do nosso tempo Mas depois olhando melhor é muito mais do que isso, é um livro que levanta polémicas, que traz novas visões e novos desafios para a arte educação, os exemplos focados não se reduzem aos exemplos de estudo da cultura ocidental, nele a arte de outras culturas e sobretudo de Africa tem um lugar de destaque, e sobretudo é uma colecção de textos originais integrando vozes frescas que falam sobre temas bem prementes na nossa sociedade.

A história da arte e processos do seu ensino, tema da parte primeira do livro é re-visto a partir dos ângulos da história da arte, da crítica, da sociologia, da linguística e da semiótica  com autores como Edward Lucie-Smith, Donald Soucy, Annie Smith  tratando o difícil conceito de história da arte,  e  Jacqueline Chanda , a ultima autora com um excelente ensaio sobre maneiras de ler e interpretar obras de arte, apelando para narrativas plurais.

A segunda parte do livro cujo tema versa sobre as leituras da obra e do campo de sentido da arte é essencialmente teórica , Brent Wilson  a partir de uma breve história do ensino artístico comenta aqui o seu perfil desejado de ensino da arte  na era pós-moderna. Ana Mae Barbosa comenta o papel educador dos museus na sociedade,  fala do problema da desvalorização da educação nos círculos artísticos e culturais, tecendo duras e bem fundamentadas  críticas ao sistema. Ana Mae reflecte também sobre o uso das novas tecnologias na divulgação da arte, de como elas podem ser fabulosas ou redutoras.  David Thistlewood trata um problema também bem complicado sobre os conceitos de moderno, contemporâneo e vanguarda na arte , de como tudo isso é relativo, de como é dependente da falta de informação ou do excesso de informação . Kerry Freedman fala-nos de como algumas informações sobre arte podem ser construídas socialmente e de como é importante valorizar todo o tipo de conhecimento que os alunos vão adquirindo fora da escola, conhecimento muitas vezes apreendido através da cultura de massa. E para finalizar esta parte Ana Amália Barbosa num relato muito vivido reflecte sobre estratégias de releitura da obra a partir   da proposta triangular que visa o desenvolvimento do sentido crítico da criança.

A terceira parte do livro é dedicada à interculturalidade, termo muito próprio que ouvi pela primeira vez da boca da própria Ana Mae Barbosa, até então eu apenas tinha ouvido falar de multiculturalismo, o termo tão divulgado no mundo anglo saxónico. Hoje eu prefiro o termo intercultural porque me parece muito mais tolerante, mais aberto à interacção e à mestiçagem como diz Marián Cao. Os ensaios desta secção incluem um relato sobre a experiência do ensino da arte na Nigéria por Jimi Bola Akolo apelando para a necessidade de preservar identidades culturais no currículo,  precisamos com urgência de repensar a questão da diversidade de culturas e evitar hegemonias culturais.  Heloisa Salles  re-conta-nos  aspectos da arte africana, fazendo-nos pensar nas histórias negadas do colonialismo. Marián López Cao faz-nos re-equacionar o olhar sobre o outro e o olhar do outro na educação artística, questões importantes quando se pretende fazer educação para a paz, objectivo tão debatido na conferência mundial da educação artística promovida pela Unesco em 2006.  Este texto é bastante longo mas prende-nos a tenção desde o início com uma descrição de propostas de trabalho interessantíssimas. Flávia Maria Cunha Bastos parte da abordagem da arte/educação baseada na comunidade, ideia muito difundida hoje em dia e que apresenta várias vantagens do ponto de vista da educação intercultural, para relatar um estudo de caso onde se promoveu o estudo das artes locais abrindo a escola à comunidade. Graham Chalmers no seu ensaio re-equaciona as suas posições anteriores sobre o pluralismo cultural, confessa que o seu livro que escreveu seis anos atrás não era assim tão radical quanto isso e que agora mais do que nunca é necessário tomar posições e incentivar o sentido crítico das crianças. Para mim esse livro foi uma referência e o seu autor é dos poucos arte educadores a afirmar bem alto que precisamos fomentar uma pedagogia da justiça, não uma pedagogia de integração onde se trabalha lado a lado mas uma pedagogia de trabalho de grupo para fazer algo juntos. Daniel Vesta, Patrícia Sthur e Christine Ballenge-Morris como já é costume nos seus textos tratam com extrema clareza de linguagem temas de reconstrução social, cultura visual, multiculturalismo, cultura, identidade e currículo são os conceitos revisitados por este grupo no seu artigo intitulado ‘ Questões de diversidade na educação e cultura visual: comunidade, justiça social e pós-colonialismo’ onde se fala longamente sobre o fenómeno do terrorismo e se pergunta o que significa democracia na era da cultura visual? Para acabar esta selecção de textos sobre interculturalidade Ana Mae convidou Belidson Dias, Belidson é uma pessoa fascinante que se tem dedicado às questões das representações de género e sexualidade na arte, foi ele quem um dia me explicou os pressupostos da teoria queer, coisa de que eu tinha ouvido vagamente falar sem nunca ter percebido muito bem, mas Belidson é óptimo para explicar coisas complicadas e isso vê-se no seu artigo onde ele foca o olhar queer, de que modo esse olhar pode ser uma ferramenta útil na interpretação ou na análise crítica dos artefactos da cultura visual. 

A quarta parte deste livro incide sobre Interdisciplinaridade no ensino da arte  Mickael Parsons inicia a secção com uma abordagem própria de interdisciplinariedade , ele confessa que trabalhar com o currículo integrado não é fácil nem para professores nem para os alunos e que existe o perigo de a arte ser por vezes tratada de forma ligeira. Arthur Efland  apresenta uma visão de imaginação através de uma perspectiva cognitiva e reflecte sobre o papel da imaginação no campo da educação artística e da educação em geral. Kit Grauer, Rita Irwin, Alex de Casson e Sylvia Wilson analisam por meio de imagens e de textos um estudo de caso de dois artistas e professores durante a realização de uma pesquisa sobre o programa Aprendendo através da Arte, um projecto interdisciplinar que envolvia a cooperação entre artistas e escolas e segundo essa pesquisa este tipo de programa tem muitas vantagens, por exemplo o desenvolvimento profissional dos professores e  a colocação positiva da arte na aprendizagem das crianças.

A última parte do livro é dedicada à Avaliação da aprendizagem nas artes visuais com um texto explicativo dos conceitos básicos e diferentes papeis da avaliação por Doug Boughton, ele fala também de alguns desafios colocados por teorias e práticas pós-modernas, alguns caminhos possíveis como por exemplo a avaliação autêntica que utiliza instrumentos muito mais complexos do que o teste sumativo, uma selecção criteriosa de trabalhos que ilustrem processo e produto onde o aluno possa exprimir a sua voz  e que seja avaliado com critérios transparentes e adequados, critérios abertos que permitam julgamentos globais porque são passíveis de gerar um maior grau de concordância entre os avaliadores. Seguidamente aparece o texto de Maurice Sevigny e Marguerite Fairchild  sobre a crítica de arte no ensino de artistas, reflectindo sobre o tipo de linguagem usado na aprendizagem tradicional da arte, de como essa linguagem permite julgamentos de valor ou qualidade muito ambíguos, de como as críticas feitas por professores ou pelos colegas interferem no trabalho. Este segundo texto elucida-nos bastante sobre julgamentos e avaliadores, e fez-me lembrar experiências terríveis de avaliação quando era aluna da Escola de Belas Artes do Porto. E para terminar esta história da avaliação Ana Mae convidou Enid Zimmerman, tal como o seu marido  muito conhecida pelo trabalho que desenvolveu sobre avaliação nas artes visuais, Enid traz-nos de novo o  tema  da avaliação autêntica relatando alguns processos e instrumentos específicos para as aulas de arte como por exemplo o portefólio e referindo alguns critérios que utilizam estratégias múltiplas, Enid previne que para que se faça avaliação autêntica é necessário desenhar programas adequados que tenham em conta a voz de todos os intervenientes do processo de aprendizagem e finalmente a autora ilustra as suas recomendações com um exemplo prático o projecto Artes.

Para concluir esta resenha  gostaria de dizer que adorei ler este livro, todas as partes me tocaram profundamente, me fizeram pensar e me fizeram questionar os meus pressupostos, é um livro que como a gente diz em Portugal ‘mexe connosco’,  dá-nos vontade de ler mais, de fazer mais perguntas,  de aprofundar os tópicos e sobretudo de reflectir sobre as nossas próprias ideias sobre arte/educação, um livro acessível ao público com especial interesse para a comi«unidade de professores de artes visuais não só na América Latina mas também em outras partes do globo, acho que era muito bom que aqui em Portugal os professores e sobretudo os governantes que têm o poder sobre o futuro da educação artística o lessem quem sabe isso poderia servir para re-pensar a nossa educação artística demasiado formalista.

Notas:

ISBN 85 249 1109 3

Referência Bibliográfica

 

A Parte I deste livro trata de cognição e de interdisciplinaridade. O conhecimento da arte ocupa a Parte II da obra, centrada no ensino da História da Arte. Na Parte III, dois artigos paradigmáticos de Brent Wilson e de David Thistlewood são palestras proferidas no Simpósio sobre o Ensino da Arte e sua História, que continuam muito atuais. Na parte IV são apresentados tópicos sobre interculturalidade, discutindo o problema e oferecendo rico material para professores. E na última parte há três artigos sobre avaliação.

BARBOSA, A.M (Org.) Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais. São Paulo: Cortez, 2006. 432p.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano V - Número 07 - Abril de 2007 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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