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Arte Contemporânea na Escola: Experiências com Professores em Formação Inicial [1]
Autoras:
Marilda Oliveira de Oliveira [2] - marildaoliveira27@gmail.com e Vanessa Freitag [3] - vanessa_freitag@yahoo.com.br

Resumo: Neste artigo propomos relatar a experiência docente vivenciada no Curso de formação inicial em Artes Visuais onde atuamos como professoras. Buscaremos discutir sobre algumas relações necessárias entre a Arte Contemporânea, o Ensino da Arte e a Docência no cotidiano escolar.

Palavras-chave: arte contemporânea – escola.

Abstract: In this article we consider to tell the lived deeply teaching experience in the Course of initial formation in Visual Arts where we act as teachers. We will search to argue on some necessary relations between the Art Contemporary, teaching of the Art and the teaching in the daily pertaining to school.

Key words: Art Contemporary – school.

Isto é arte?
Não, senhoras e senhores,
a arte é que é isto.

Ronaldo Brito

Os dados parciais apresentados neste texto fazem referência ao trabalho desenvolvido por nossos alunos de graduação em escolas de ensino médio de Santa Maria/RS durante o período de Estágio Curricular Supervisionado destes.

Acreditamos que é de suma importância repensar o Ensino da Arte escolar, avaliando os contextos da produção contemporânea e sua intrínseca relação com a bagagem sociocultural que esta engendra na formação de conceitos sobre o mundo no qual habitamos.

Algumas das questões que nortearam esta pesquisa foram: Como os alunos do ensino médio pensam e discutem a Arte a partir dos discursos que ela estabelece na atualidade? De que forma o adolescente estabelece significados e constrói valores a partir de suas vivências no contexto escolar? Como o professor em formação inicial compreende e significa a Arte Contemporânea na docência?

Tem-se como argumento que o encontro dos alunos (em âmbito escolar) e dos docentes em formação (em âmbito universitário) com a Arte Contemporânea, quando acontece, não ocorre de forma tão receptiva, devido a pouca abordagem e compreensão da produção artística atual nas aulas de Artes.

Sendo assim, é imprescindível que a arte e, em especial, a Arte Contemporânea, deva ser discutida, problematizada, auscultada na escola, pois, grande parte do que se produz hoje no cenário artístico está em consonância com os conflitos e com a realidade que presenciamos diariamente, realidade esta que não podemos ignorar.

A relevância da Arte Contemporânea no Ensino da Arte se deve à sua forma de manifestação, suas linguagens e conceitos que impulsionam diálogos, encontros e caminhos inusitados, possibilitando a compreensão e contextualização por parte dos alunos em formação sobre o mundo em que vivem e vice-versa.

Levar a Arte Contemporânea para o âmbito escolar significa a oportunidade de discutir um processo que está em construção, trabalhar no campo das incertezas, daquilo que ainda está sendo gestado, em elaboração.

Muitas vezes, os educandos do ensino médio têm um conceito muito vago sobre arte: a arte está em todos os lugares, mesmo não conseguindo explicitar onde e como ela se apresenta aos seus olhos; ou que a encontram na natureza porque é algo belo, agradável. Esses conceitos são ingênuos e partem do senso comum, não se adequando com a arte que se produz hoje. Desconhece-se o que é Arte Contemporânea, como e quando ela acontece, o porquê dos materiais, das linguagens e da alteração dos conceitos ao longo do tempo. O problema consiste no fato de que a arte atual é percebida e educada, muitas vezes, com os “olhos” voltados para a arte moderna ou anterior a esta.

De fato, a imagem da arte moderna, que se mantém através de toda a espécie de médias, contribui para desconsiderar a arte contemporânea: julgamos o presente com a medida do tempo passado, onde os critérios de valor subsistiam, onde toda a ‘modernidade’ estava situada. (CAUQUELIN, s/d, p. 43).

Destarte, sabemos que o encontro e a compreensão dos alunos do ensino médio para com a Arte Contemporânea, não acontecem de um momento para outro e que para abordar as linguagens e propostas dessa produção artística, necessitamos de estudos, reflexões, questionamentos que não estão sustentados apenas por critério de gosto pessoal ou por ser uma obra “bela” ou “feia”.

Nessas situações, o docente em formação inicial, ou seja, nossos estagiários de Artes Visuais, necessitam trabalhar aos poucos no sentido de propiciar que seus alunos de ensino médio se posicionem, coloquem suas dúvidas e questionamentos sobre obras e artistas, para que estereótipos ou equívocos sobre Arte Contemporânea sejam discutidos abertamente na sala de aula escolar. Ao docente, cabe uma postura investigativa e inquieta, no sentido de que este também se prepare e procure articular significados para o que será mostrado e trabalhado como obra artística contemporânea nas aulas de Arte.

A Arte Contemporânea

Entendemos que ao longo do tempo histórico, as Artes Visuais se manifestaram por meio de diversas vanguardas e linguagens com objetivos e conceitos próprios, dependendo do contexto na qual se inseria. Porém, a partir da década de 60, segundo alguns autores, como Archer (2001), Cauquelin (2005) e Millet (1997), os artistas procuram questionar os suportes, os materiais, os espaços de exposição, gerando conflitos e polêmicas.

Em detrimento disso, a Arte Contemporânea que permeia nossa realidade, se mescla cada vez mais na dinâmica da vida cotidiana, a tal ponto de se apropriar de referências banais e próximas do nosso contexto, causando estranhamento para um público que se depara com o objeto artístico dentro ou fora dos museus, estes, acostumados a fruir/ler aquilo que tenha um conteúdo entendível/traduzível para seus olhos.

A Arte Contemporânea seria “a arte do agora, a arte que se manifesta no mesmo momento e no próprio momento em que o público a percebe” (CAUQUELIN, s/d, p.6), no entanto para, de fato, apreender a arte como contemporânea, nos faltam alguns ‘critérios’ que seriam “distinções que isolarão o conjunto dito contemporâneo da totalidade das produções artísticas” (Ibidem, p. 7). Esses ‘critérios’, para a mesma autora, não podem ser encontrados apenas num único conteúdo das obras tais como forma, temática, composição, no emprego de tal material, nem a sua inserção em movimentos ditos de vanguarda.  Contudo, na realidade em que vivemos o contemporâneo, o moderno e o acadêmico coexistem no contexto artístico atual. (JIMENEZ, 2003)

Somado a esse fato, muitos artistas expõem sua intimidade, histórias e vivências, como referência estética ou conceitual em suas poéticas, na tentativa de resgatar e compreender, muitas vezes, sua identidade. Pela ausência de grupos e movimentos de vanguarda em nosso tempo, Canton (2000) sugere algumas tendências na produção artística contemporânea que abrangem discursos sobre a fragilidade e estranhezas do corpo, a identidade, a abordagem constante das sutis fronteiras entre os espaços públicos e privados, o contexto urbano, a diversidade cultural, de gênero, o uso de aparatos tecnológicos e digitais em nossas vidas e a memória dentro dos questionamentos freqüentes de alguns artistas. Essas tendências não podem ser vistas como possíveis parâmetros definidos para compreender a Arte Contemporânea, ou seja, nesse contexto, não podemos afirmar a existência de movimentos definidos que orientem e caracterizem uma determinada produção, como ocorria frequentemente na Arte Moderna, apenas algumas pesquisas freqüentes ou tendências que circulam pela esfera artística.

De acordo com Cauquelin (2005, p. 32), a Arte Moderna situa-se por volta de 1860 e, “com efeito, o fim do século XIX registra o recuo da hegemonia da Academia, instituição destinada a gerir a carreira dos artistas”. A Arte Moderna veiculava o repúdio à estética acadêmica, além da estética do Romantismo e do Realismo, ou ainda, as produções pautadas nos antigos cânones do Renascimento cujas obras constituíam-se geralmente, de retratos dos membros da realeza papal ou burguesa da época.

A Arte Moderna objetivou romper com o que já fora estabelecido na esfera artística até então, procurou enaltecer o gosto pela novidade e que de preferência causasse algum impacto numa sociedade que vivia em plena era industrial e de consumo.

Foi através das transformações de âmbito social, tais como as conseqüências ocasionadas pela primeira Grande Guerra Mundial, que a arte adquiriu novos contornos e propósitos, cujo objeto artístico não mais se pauta no que está sendo representado, mas na arte pela arte. Um dos grandes responsáveis pela mudança radical sobre o conceito de arte foi Marcel Duchamp, que integrou o Movimento Dadaísta[4].

A partir do momento em que Duchamp desloca um objeto de seu ambiente cotidiano para outro legitimador (o museu), passa a questionar a própria natureza da arte, quem a produz, quem a legitima. A idéia de que um objeto torna-se arte pela simples denominação do artista de que “isso é arte”, mexe consideravelmente com algumas estruturas reinantes e supostamente cristalizadas no contexto da produção artística da época. E o objeto readymade, não deveria provocar nenhuma qualidade estética, respectivamente, mas cuja atitude, eleva produtos industrializados à condição de “obras”, como foi o caso da “Roda de Bicicleta” (1913) e a “Fonte” (1917). Devido essa atitude duchampiana, o filósofo Danto (2006) evidencia o papel determinante do mundo da arte no reconhecimento do objeto banal como obra de arte, e na qual, vemos com freqüência, seus respingos na arte contemporânea atual.

Em 1960, a Arte Conceitual entra em cena, tomando como base, as inquietações de Duchamp e alguns artistas procuram romper com a secular base para a pintura (o quadro de cavalete), a escultura monolítica sobre um pedestal e passam a usar o espaço, o corpo, o gesto/ação como instrumentos e linguagens para fazer parte das manifestações correntes.

Nesse sentido, Duchamp pode ser considerado como um dos mais influentes artistas na configuração do que entendemos por Arte Contemporânea atualmente, impulsionando o surgimento de algumas novas linguagens, tais como, as Instalações, as Intervenções, o Objeto-Arte e os Happenings. Notamos uma ampla utilização e diversificação de suportes e linguagens na produção artística, pois todo e qualquer material, referência e conceito/idéia, pode ser potencialmente artístico, "na medida em que o conceito de material artístico ampliou-se enormemente, incorporando desde os procedimentos de apropriação (indicados por Marcel Duchamp) até o uso de materiais orgânicos, animais vivos ou processos biológicos, qualquer objeto ou matéria guarda a possibilidade de ser um objeto de arte em potencial, de ser ‘transformada’ em arte". (BASBAUM, 2003, p. 169)

Na Arte Contemporânea, vivemos a era da comunicação, das novas tecnologias e da aparente inexistência de vanguardas, movimentos ou grupos definidos, mas sim, da produção individualizada por parte do artista, onde frequentemente, procura pela contribuição de especialistas de outras áreas do conhecimento para realizar uma obra artística. Isso é muito comum em trabalhos que envolvem a Arte e a Tecnologia (Eduardo Kac, Julio Plaza, por exemplo), conhecimentos sobre arquitetura, geografia (as gigantescas intervenções de Christo), engenharia genética, entre outros.

Por isso, muito do que se produz hoje, ou se produziu nas últimas décadas desafia a hegemonia de linguagens tradicionais (pintura, escultura, desenho), além de causar estranhamento no espectador que se depara com objetos do cotidiano legitimados como arte; objetos estes que provocam em muitos casos, desconforto ou julgamentos que negam este mesmo objeto ou obra como artísticos.

A arte contemporânea escaparia às tentativas de avaliação, desafiaria qualquer juízo estético e qualquer critério e apreciação vigente, suscitaria no público somente repulsão e, na melhor das hipóteses, indiferença. (JIMENEZ In ZIELINSKY, 2003, p. 57)

O que legitima um objeto qualquer como “obra de arte”, na maioria dos casos, é o contexto em que a obra se encontra, ou seja, museus e galerias. Estes fazem parte do chamado sistema das artes, ou seja, “o produtor, o comprador - o colecionador, ou aficionado – passando pelos críticos, os conservadores, as instituições, museus, Estados, etc.” (CAUQUELIN, s/d, p. 10)

Não são apenas os materiais ou a forma e recursos utilizados pelo artista que caracterizariam o mesmo e seu trabalho como ‘artista’ e ‘obra-de-arte’, respectivamente, pois “o nosso é um momento, pelo menos (e talvez unicamente) na arte, de profundo pluralismo e total tolerância. Nada está excluído.” (DANTO, 2006, p. XVI) Portanto, estes devem estar inseridos no sistema para que sejam vistos como arte.

O público estranha ainda mais quando o objeto artístico estreita os laços entre a vida e o cotidiano das pessoas, quando deixa de ser apenas destinado a preencher as lacunas brancas de museus e galerias para se adentrar na realidade caótica das cidades, do espaço urbano, nos cafés ou grandes avenidas e, seguidamente, passando despercebido para a grande maioria da população. As pesquisas dentro do campo da arte abrangem cada vez mais os espaços externos como “cenários” para a ação de diversos artistas, principalmente, através das intervenções e ações performáticas que desmistificam os próprios lugares comuns de exposição: salas sempre fechadas, limpas, organizadas, prontas para receber uma obra de arte; verdadeiros cubos brancos.

Nas obras contemporâneas nos deparamos com uma despreocupação em caracterizá-la na condição de obra etérea ou aurática (CAUQUELIN, 2005), como acontecia com a Arte Acadêmica e ainda menos, na passividade da contemplação da mesma por parte do ‘espectador’ ou na busca pelo novo e original. Por isso mesmo, muitos artistas estariam lançando mão de outros ambientes não sacralizados em suas pesquisas e a arte pública bem como as apropriações em arte, resultariam numa prática corrente da produção artística contemporânea.

Por outro lado, esses lugares alternativos, por assim dizer, propõem fazer com que a arte circule pelos trajetos diários das pessoas, tornando-a mais próxima das mesmas. Mas esse desejo de aproximar a arte da vida acaba surtindo, algumas vezes, efeito contrário, causando os chamados ‘estranhamentos’. Assim, fora dos espaços tradicionais ou legitimadores de exposição e imbricadas em outros, reitera a concepção de que ‘obra de arte’ necessariamente precisa ser um objeto intocável e sacramentado. A participação do público nas obras artísticas, dentro ou fora de museus e galerias constitui-se numa prática freqüente das produções contemporâneas. O público ao se deslocar dentro de um espaço de exposição e perceber que a obra ali exposta é passível de ser manipulada, tocada, deslocada, cheirada, degustada, vestida, e até desmaterializada, se depara então, com outra forma de recepção da obra que vai além da supremacia do olhar. Outros sentidos são convidados a fazer parte dessa ‘apreciação/fruição/leitura’ e o ‘espectador/leitor/interator’ é convidado a ser um participante ativo da mesma.

Essa obra muitas vezes é concreta em sua natureza, ou seja, é provida de materiais visíveis, táteis, com prováveis texturas e dimensões específicas, dispostos em algum lugar real. O artista a concebe com um determinado fim, que até certo ponto, é imprevisível quando depender do outro para efetivar seu objetivo de ser. A obra, dessa forma, passa a ter um caráter subjetivo, posto que está em constante processo, dependendo da participação e da relação de outrem. Essa concepção de arte enquanto participação do espectador esteve muito presente a partir dos anos 60.

No Brasil, o Movimento Neoconcreta (1959-1962, aproximadamente), foi decisivo para modificar a postura do espectador imparcial e totalmente passivo em participante ativo que transforma o objeto a sua frente.

O artista procura estabelecer uma relação direta com o espectador e, principalmente através da provocação de uma nova percepção do tempo e do espaço, assim como uma nova forma de situar-se no lugar, não só reconhecendo tal lugar como reconhecendo-se como sujeito histórico, capaz de sustentar uma atitude crítica diante dos lugares. (VELOZO in MEDEIROS, 2004, p.352)

Dessa forma, o espectador é inquirido a ter uma postura, agir e modificar um determinado objeto a partir de sua ação. Segundo a mesma autora, as linguagens do Happening e das Performances foram, até certa instância, decisivas para expandir “a idéia de presença como dimensão ética e estética, e influenciou decisivamente toda a geração de artistas que emergem a partir dos anos 60. (VELOZO, 2004, p. 351) Os artistas brasileiros, Lygia Clark e Hélio Oiticica, podem ser considerados como os principais expoentes da Arte Neoconcreta e assim, fizeram uma série de experimentos e pesquisas dentro da idéia da arte que necessite da participação do público, objetivando uma inter-relação entre o artista, a sua obra ou objeto e o espectador. A ‘participação’ constitui-se então, de um termo usado para designar (na esfera artística) a arte que propõe compartilhar sua realização e, por conseguinte, a autoria da obra com o público, através de materiais concretos propostos pelo artista.

Arte Contemporânea e o Contexto Escolar

No Ensino da Arte, é de suma importância enfatizar as tendências e manifestações artísticas contemporâneas e suas implicações na educação cultural dos alunos, não devendo ser compreendida como uma questão de ‘modismo’ na prática pedagógica do professor. A Arte Contemporânea, quando trabalhada na escola, é abordada brevemente, evidenciando uma maior atenção para as remotas manifestações e obras que já estão legitimadas e consagradas dentro da História da Arte.

Concordamos com o fato de que a arte e as atividades artísticas contribuem para o desenvolvimento de algumas competências que expandem a capacidade de dizer mais e melhor sobre o universo pessoal do aluno e sobre o mundo. Por isso, a disciplina de Artes deve ser encarada como uma área de conhecimento comprometida com a formação cultural dos mesmos, não apenas como um momento de lazer e diversão, tendo em vista que “atualmente, a abordagem mais contemporânea de Arte/Educação, na qual estamos mergulhados no Brasil, é a associada ao desenvolvimento cognitivo” (BARBOSA, 2005, p. 17).

Compreendemos que o conceito de arte se modificou ao longo do tempo e as obras de arte (dentro das linguagens das Artes Visuais) geralmente são apresentadas com um manual de instruções, exigindo que o espectador perceba e compreenda a obra através dos sentidos e principalmente, do intelecto.

Ao pontuar e analisar algumas dessas pesquisas da esfera artística contemporânea propõe-se dar maior abertura às novas e diversificadas experiências estéticas por parte do aluno, cujo olhar, geralmente está ‘educado’ para ver apenas obras, artistas e linguagens tradicionais (nem por isso menos importantes). E assim, possam compreender como determinados artistas se apropriam do espaço urbano, de objetos do cotidiano, de discussões acerca da pluralidade cultural, como se configura a poética desses artistas, seus processos criativos, propósitos dos trabalhos e ainda, verificar de que forma a arte pode estar inserida no cotidiano desses alunos.

A Arte Contemporânea consiste ainda num enigma ou é vista como tal porque geralmente encontramos algumas resistências por parte dos professores em abordá-la em sala de aula. Isso se deve pelo fato de que a Arte Contemporânea se utiliza cada vez mais de objetos, espaços e ações cotidianas tornando-se muito próxima da realidade vivida, onde se questiona atualmente o que é arte ou quando ela acontece. (COCCHIARALE, 2006). Talvez por este fato, torna-se um desafio para o educador produzir, juntamente com seus alunos, sentidos para aquilo que é produzido e legitimado na esfera artística. Outro dado importante deve-se a insegurança e ao pouco preparo do docente em trabalhar a arte contemporânea na escola.

Por isso, para o contexto atual da educação em Arte é condição sine qua non que o professor tenha uma preparação e preocupação prévia com o que será discutido em sala de aula, pois este, também é responsável pela formação de conceitos e representações sobre uma obra artística e sobre a arte em si. Necessitando também de leituras, diálogos e um olhar acolhedor, porém questionador e que possa instigar nos alunos a curiosidade e a compreensão do que é ou não arte, quando ou como ela acontece.

De acordo com Archer (2001, IX),

Quem examinar com atenção a arte dos dias atuais será confrontado com uma desconcertante profusão de estilos, formas, práticas e programas. De início, parece que, quanto mais olhamos, menos certeza podemos ter quanto àquilo que, afinal, permite que as obras sejam qualificadas como ‘arte’”.

A arte constitui-se numa linguagem visual que comunica, questiona valores e nos inquieta, além de estar acontecendo perante nossos olhos e não podemos negar suas manifestações. Muito embora os alunos da escola afirmem não entenderem o que a arte atual propõe, é papel do professor de arte trabalhar esses conhecimentos fomentando um pensamento crítico propositor.

O território da arte abarca desde as fronteiras históricas pois “a arte fora de um contexto histórico é arte sem memória”, (LUCIE-SMITH in BARBOSA, 2005, p. 25), culturais, sociais, políticas e econômicas, em que o erudito e o popular, a cultura de massa, a estética do cotidiano, as novas tecnologias, a arte contemporânea em si, fazem parte das discussões vigentes do Ensino da Arte na contemporaneidade e que não podem ser ignoradas pelo docente.

Na sociedade da informação (mais e mais globalizada e interdependente) o cruzamento entre o local e o global é praticado no dia-a-dia. Em um mundo cada vez mais interconectado por sistemas e redes de informação, a pluralidade, a fragmentação de crenças, as múltiplas culturas de gosto e de gênero artístico se fundem em conflitantes tentativas de diálogo. Estes problemas, tão importantes para os movimentos de reconstrução social, na perspectiva que esta reflexão segue, podem ser também ‘o pano de fundo’ para uma concepção de arte-educação que se compreende democrática, inclusiva e competente. (FRANZ, 2003, p. 2)

Wilson (2005) coloca que se quisermos saber o futuro da arte/educação, devemos consultar e observar o mundo da Arte Contemporânea. Talvez o inverso seja verdadeiro também, pois a arte depende necessariamente, de um público que esteja aberto e educado para dialogar com obras e artistas. E isso é compreensível porque comprova a necessidade de preparação, conhecimento, pesquisa e reflexão por parte dos professores sobre a realidade artística que se apresenta para que se realize uma educação visual consistente. Como nos diz Meira (2003, p.111), “a educação visual influencia a compreensão da arte e, consequentemente, seu fazer, suas formas de significação e valoração”. Muitas vezes se gosta de arte porque se conhece ou vice-versa.

Algumas Considerações

Retomamos aqui algumas das questões que mobilizaram essa pesquisa e que nos motivaram a escrever sobre arte contemporânea, buscando relatar parte do processo vivenciado por nossos alunos em formação inicial e por seus alunos de ensino médio.

Como os alunos do ensino médio pensam e discutem a Arte a partir dos discursos que ela estabelece na atualidade?

Quando são convidados pelos seus professores de arte a aproximar-se da produção atual sem preconceito, sem a pretensão de buscar um conceito, uma definição, uma interpretação única e verdadeira, como correta. Quando são expostos a uma ampla quantidade de imagens de obras de arte contemporânea buscando percebê-las coletivamente, dialogicamente. Quando lhes é oportunizado conhecer outra História da Arte, que não a européia, que não aquela vinculada a uma concepção linear e evolutiva da produção artística. Quando descobrem que existe outra História da Arte que não a história de vida dos artistas, atrelada a conceitos de ‘loucura, genialidade, inspiração, talento e dom’, uma História da Arte que, infelizmente ainda hoje, é trabalhada na escola com uma série de conceitos vagos, subjetivos e inúteis baseado em potencialidades individuais.

Ficou demonstrado que os alunos do ensino médio pensam e discutem a Arte Contemporânea quando lhes é ofertado proposições onde não prevaleça o estudo formal, técnico, com análises de estruturas internas da obra.

De que forma o adolescente estabelece significados e constrói valores a partir de suas vivências no contexto escolar?

Quando ele percebe que aquele conteúdo proposto pelo professor tem a ver com a sua vida como indivíduo, que faz sentido, e que é abordado de forma séria pelo professor. Quando ele se dá conta de que é possível desestabilizar sim as ‘verdades’ da História da Arte, e que isso também é construção de conhecimento. Quando ele descobre que a Arte, na contemporaneidade, está ancorada muito mais em dúvidas do que em certezas. Que a Arte que se produz hoje está muito mais preocupada em desafiar, em levantar hipóteses e antíteses do que confirmar teses.

Como o professor em formação inicial compreende e significa a Arte Contemporânea na docência?

Quando aufere resultados com seu trabalho docente. Quando constata que vale mais a pena construir um caminho novo, ainda não trilhado, onde a possibilidade de construção do conhecimento junto a seu aluno é maior do que percorrer longas distâncias onde já se conhece a linha de chegada.

Quando ele verifica que ensinar arte não tem nada a ver com o modelo científico pragmático, aquele centrado no repasse de um único ponto de vista.

O professor em formação inicial compreende e significa a importância de trabalhar Arte Contemporânea na escola quando percebe que esta temática requer dele revisões de encaminhamentos que não cristalizem a arte a operações imediatistas e reducionistas, e sim empreendam a tarefa de desmontar sua construção e apontar suas conexões e cumplicidades.

Sem dúvida, a inserção da Arte Contemporânea no Ensino da Arte reverberou em muitas contribuições e experiências diversificadas para o professor e para o aluno, além de desafiar e inquietar a própria forma de ver, pensar e trabalhar a própria arte. Acreditamos que esta temática deva ser cada vez mais abordada dentro das escolas, contribuindo para a construção de um repertório mais amplo de imagens e conceitos dos alunos sobre arte, possibilitando ainda, a formação de uma postura mais atenta e flexível às diversas manifestações culturais e artísticas do momento. Tendo em vista o que nos diz Nardin & Ferraro apud Ferreira (2001, p. 184),

Numa sociedade pluralista como a nossa, os artistas estão cada vez mais interessados em explorar a percepção e a ação imaginativa do espectador, propondo múltiplas possibilidades de leitura de seus atos e produções [...]. Se continuar a ser negligenciada pela escola, a arte contemporânea permanecerá acessível a apenas um número restrito de pessoas, um grupo privilegiado que se sobrepõe à grande massa de espectadores, impossibilitado de compreender essa tendência artística”.

No instante em que a compreensão e significação da produção artística acontecerem, os alunos começarão a rever seus conceitos iniciais e a entender um pouco mais (ou pelo menos) a respeitar a Arte Contemporânea como arte. Por isso o papel de uma educação estética e visual que esteja constantemente alimentada por visitas a museus, galerias, exposições artísticas em geral, discussões e leituras de obras contemporâneas, experiências estéticas que afetem os sentidos e que sejam significativas e prazerosas para a vida escolar dos alunos, e que aprender/conhecer arte possa ser/fazer a diferença para os mesmos.

Referências

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Notas:

[1] Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Artes Visuais (LAV), Centro de Educação, UFSM durante os anos 2006 e 2007.

[2] Professora Adjunta do Departamento de Metodologia do Ensino (MEN/CE) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/CE) na Linha de Pesquisa ‘Educação e Artes’ da UFSM/RS.

[3] Professora Substituta do Departamento de Metodologia do Ensino (MEN/CE) e Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE/CE/UFSM).

[4] Dadaísmo: a palavra “dadá” em francês significa “cavalinho-de-pau” brinquedo infantil da época, que fora sorteado ao acaso de um dicionário franco-alemão usado pelo grupo de artista do movimento. Este foi um movimento “antiarte” que atuou de 1915 a 1922, aproximadamente. Seu centro de atividade foi o Cabaret Voltaire, em Zurique, onde poetas, artistas, escritores e músicos reuniam-se para participar de atividades experimentais como a poesia do absurdo, música ruidosa, e desenho automático. O Dadá foi uma reação violenta ao esnobismo e ao tradicionalismo da arte estabelecida até então, pautado no academicismo, sendo, para os Dadaístas, totalmente inútil diante do assombro da guerra que atingiu milhares de pessoas.

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano V - Número 08 - Outubro de 2007 - Webmaster - Todos os Direitos Reservado

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