voltar ao menu de textos

Olhando para os desenhos dos jovens: Brasil e Portugal
Autoras:
Teresa Torres Eça e Jurema L. F. Sampaio-Ralha

Resumo: Os desenhos dos jovens apresentam um leque incrível de informação sobre as suas vidas, os seus medos, as suas esperanças, eles mostram como são influenciados por outras imagens, exprimem as suas opiniões em forma visual sobre o mundo e a sociedade. Acreditamos que é importante para os professores refletor sobre este tipo de informação e por isso iniciamos este projeto internacional com jovens dos 15 aos 18 anos provenientes de sete países, na esperança de que as nossas conclusões possam ser úteis para desenvolver a educação multicultural. Neste artigo vamos descrever as conclusões do estudo em Portugal e no Brasil.

Palavra-chave: Ensino de Arte Multicultural, Ensino de Arte Transcultural, Ensino de Arte para a Compreensão da Cultura Visual

Abstract: Young people’s drawings display an incredible amount of information about their daily lives, fears and expectations; they show how much they are influenced by other images and visually express their opinions about the world and society. We believe that it is important for art teachers to reflect on this kind of information and we started this combined research project with drawings from young people (ages 15-18) from seven countries in the hope that our findings will provide valuable insights to develop multicultural education.  In this article we will describe the conclusions from Portugal and Brazil.

Keywords: Multicultural Art Education, Transcultural Art Education, Teaching Visual Education.

I. Introdução

Ensino de Arte  no início do século XXI

O Ensino de Arte trata das imagens, todas as imagens vividas. Segundo Freedman (2003) a Educação Artística[1] já não se preocupa só com abordagens unicamente formalistas das obras de arte, mas está a reformular os seus paradigmas segundo as teorias da cultura visual.

Estamos bem longe do pensamento de que a arte é só sobre linha, forma e cor. Claro que isso é importante porque é através destes elementos que se representam idéias em formas visuais. Mas o que é realmente essencial na Educação Artística não se prende só com estas questões, de como se faz arte, tem também a ver com as perguntas: porque se faz arte, como se usa a arte e como se valoriza? O que é essencial na Educação Artísticainclui capacidades criativas e críticas e conceitos. Essas capacidades são, uma parte importante do Educação Artística para a compreensão da cultura visual, que enfatiza experiências interativas, os interesses dos alunos, conhecimentos sócio culturais, imagens da arte erudita e da arte popular, objetos e idéias”. (FREEDMAN, 2003)

A Arte é vista como uma forma de produção cultural e neste contexto os significados das imagens e artefatos são muito importantes para o Ensino de Arte, as mudanças dos contextos sociais e culturais dos alunos assim como as influências da cultura visual nos alunos são aspectos importantes do movimento da educação para a compreensão da cultura visual.  Este tipo de educação visual é mais multicultural, interdisciplinar e tecnológico do que a educação visual do passado, colocando questões polêmicas nas aulas e levando os professores e alunos a construírem discursos visuais muito fortes (FREEDMAN, 2007).

No mundo ocidental o movimento da educação para a cultura visual está a ganhar adeptos sobretudo entre as pessoas conscientes da chamada globalização da cultura, que acham que as imagens são onipresentes no sistema de comunicação global e que influenciam de igual modo todas as pessoas do planeta. No entanto, em termos culturais, o termo local é tão forte como o termo global e manter a diversidade cultural deveria ser um conceito essencial no Ensino de Arte, protegendo culturas iguais do mesmo modo que queremos proteger a biodiversidade (Steers, 2006). Os efeitos da globalização são importantes, mas não nos podemos deixar levar só pelos avanços notáveis da homogeneização da cultura no mundo ocidental, na realidade muitos países e regiões do mundo não têm acesso à cultural visual globalizada que transmitem os canais de televisão por satélite e a Internet. Por exemplo Steers (2006) alerta-nos:

Na verdade nós vivemos num mundo de grandes desigualdades, por exemplo mais de metade da população nunca fez uma ligação à Internet. Assistimos a um crescimento exponencial das tecnologias digitais mas eu acho muito difícil partilhar o otimismo de que algum dia teremos controle sobre as forças de globalização que estão a re-formar o nosso mundo”. (STEERS, 2006, p.2)[2]

Nos dois contextos: o da globalização da cultura e a o da cultura local, as imagens, todo o tipo de imagens, estão a ajudando a formar as identidades dos jovens através de educação formal e não formal. É necessário avaliar este fenômeno para poder preparar os nossos alunos afim de que possam construir um mundo melhor, mais tolerante, menos violento. A Ensino de Arte tem um papel preponderante, como disse Steers (2006):  

Temos argumentado a favor de uma visão pos-moderna da arte, artesanato e design na educação que se baseia em três grandes princípios: a celebração da diferença, a exploração da pluralidade e o desenvolvimento do pensamento independente[3]. As  abordagens pela educação cultural são muitas vezes rígidas e hierarquizadas, baseadas em opiniões. Por consequência, precisamos de utilizar formas culturais do presente e do passado que fomentem o questionamento, a crítica e a avaliação – e que provoquem o debate sobre os seus méritos relativos em vez de as tentar categorizar segundo conceitos de superior/inferior erudito/popular, etc. Nós [Swift & Steers] queríamos ver o Ensino de Arte incluir temas contemporâneos, debates e práticas actuais sobre a papel da arte na sociedade e de como as artes podem mudar a sociedade através da transmissão e transformação da cultura. Nós pretendíamos incentivar a investigação sobre como a arte e os artefatos construídos neste e noutros tempos influenciam a visão sobre nós próprios como indivíduos com múltiplas identidades”. (STEERS, 2006, p. 11)

Educação Multicultural

No Ensino de Arte estudam-se obras de arte provenientes de vários locais e períodos históricos. Os objetos artísticos do passado e da arte contemporânea oferecem uma variedade interessante de narrativas que influenciam os nossos alunos. A arte reflete afiliações étnicas e culturais e mostra percepções culturais distintivas (BOUGHTON & MASON, 1999, p. 15). Segundo Daniel (2002)[4], a cultura é feita com aquilo que nós valorizamos. Para Watson (2002)[5] a cultura é um processo: o processo de aprender sobre experiências do nosso passado colectivo, seleccionar essas experiências e adaptá-las usando as suas lições para decidir o que fazer no presente e no futuro.

 A Ensino de Arte está hoje muito virada para a educação multicultural e transcultural, o conhecimento, a compreensão e valorização de várias culturas é visto como um fator de riqueza do currículo e como um meio para a valorização e preservação de culturas locais.  Num Documento da UNESCO[6] (1998b, p. 57) reconhecem-se os fatores da globalização e da internacionalização, alerta-se para o perigo de uma cultura dominante vinda do estrangeiro e apela-se para a valorização de culturas locais. Nesse documento diz-se: ‘É vital que todos os esforços sejam feitos para proteger e promover as culturas locais e as tradições‘.

Para  Stuhr (1999) quanto mais conhecermos sobre as narrativas dos vários membros de uma comunidade ou grupo de comunidades, a sua história, património, tradições e interacções culturais melhor compreendemos a riqueza e complexidade desse grupo. Nós acreditamos que um bom ensino, particularmente na área da educação multicultural deve conectar os alunos com as suas narrativas visuais, necessidades, experiências com imagens e comunidades. Os alunos devem compreender que as suas identidades são construídas pelas histórias que eles contam e que são contadas sobre eles. O desenvolvimento do currículo multicultural deve basear-se nas vidas dos alunos (DANIEL & COLLINS, 2002; BALLENGEE-MORRIS & STUHR, 2001[7]). Então, entender quais as preferências visuais dos alunos, quais os seus arquivos de imagens e quais as imagens que os influenciam mais é crucial para construir a Ensino de Arte.

Não pensamos que a reforma pela educação multicultural apresenta um modelo único ou uma resposta única que possa ser aplicada como prescrição curricular. Pelo contrário alunos e professores deveriam aprender a olhar para as suas construções culturais e para as dos outros. A partir de uma atitude crítica, a comunidade de aprendizes poderá compreender que o que foi aprendido socialmente pode também ser desaprendido ou transformado por indivíduos, grupos ou comunidades se tal for necessário” (STUHR  et al , 2007)[8].

Perguntas de Partida

As imagens são, portanto, aspectos importantes nas nossas vidas e é necessário que elas sejam analisadas criticamente por alunos/as e professores/as. Não só as imagens trazidas pelo professor/professora ou recomendadas pelo currículo, mas também as imagens que pertencem aos arquivos individuais construídos pelos jovens em contextos de educação formais e não formais,

Acreditamos que as obras de arte, artesanato e design de diferentes períodos históricos e contextos geográficos fazem parte das vidas dos nossos jovens alunos e alunas e queremos saber até que ponto as nossas hipóteses têm fundamento através da análise de desenhos de alunos e alunas de idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos. Estamos particularmente interessadas em responder a estas questões:

Que tipos de expressão artística se refletem nos desenhos dos jovens?

Que tipo de imagens influenciaram os jovens?

Onde  foi feita a aprendizagem artística dos jovens? 

Descrição do Projeto

O Surgimento da Idéia

Em Janeiro de 2006 a Drª. Rachel Kroupp desafiou a Drª. Teresa Eça para este projeto. Ela disse que queria fazer uma investigação qualitativa através da análise de desenhos de alunos/as entre os 15 e 18 anos, em vários países, para saber qual o tipo de arte que influenciava os jovens. A Teresa achou a idéia fascinante. Começaram por convidar outros investigadores/as. Como a Teresa, na época, organizava o 2006 International InSEA Congress foi fácil para ela usar a base de dados dos conferencistas e convidar alguns para o projeto. Tiveram oito respostas positivas (da Ásia, Europa, África, Américas e Austrália).

Planejando o Projeto

Em março de 2006 durante o congresso International da Insea (Viseu, 1-5 Março 2006) foi feita uma reunião com todos os investigadores, Teresa Eça (Portugal), Rachel Kroupp (Israel), Kent Sumner (USA), Kathy Mackey (Austraáia), Ishii Masayuki, (Japão), Jorge Gumbe (Angola), Jurema Luzia de Freitas Sampaio-Ralha (Brasil) e Nell Winokur O’Malley (USA). Nessa reunião foram afinadas as finalidades, perguntas de partida, método, análise de dados e calendário. Agendou-se uma comunicação para divulgar os relatórios nacionais em Julho de 2007 no congresso Europeu da InSEA de Heidelberg e uma outra para apresentação das conclusões a partir da análise comparativa dos dados nacionais (relatório transnacional) no congresso mundial da InSEA de Osaka em 2008. Planejou-se, também para essa data, uma exposição com os desenhos dos jovens participantes e um livro sobre o projeto.  

Concordamos que cada investigador deveria fazer a sua pesquisa individualmente no seu país convidando professores e alunos de escolas secundárias (compreendendo o grupo etário em questão) elaborando um relatório nacional com as suas conclusões que deveria ser entregue até Maio de 2007 às coordenadoras do Projeto: Teresa Eça e Rachel Kroupp. Concordamos, também, que deveríamos começar o trabalho de campo em Setembro de 2006.

O grupo tem, desde então, estado em contato através de correio eletrônico e de uma página da INTERNET criada por Jurema Sampaio-Ralha para discutir idéias, partilhar materiais e debater os avanços de cada um. Mas, em Novembro de 2006, tivemos duas desistências Nell e Kent dos Estados Unidos estavam cheios de trabalho e não podiam continuar a colaborar conosco, então para não ficarmos sem nenhum representante da América do Norte convidamos uma outra investigadora dos Estados Unidos: Elisabeth Kenneday, que aceitou o nosso pedido em Janeiro de 2007. Neste momento somos sete investigadores: Jorge Gumbe (Angola), Jurema Luzia de Freitas Sampaio-Ralha (Brasil), Rachel Kroupp (Israel), Teresa Eça (Portugal), Elisabeth Kenneday (USA) e Ishii Masayuki (Japão)

Obtendo e Analisando os Dados

Os dados para a investigação foram coligidos através de desenhos e de um pequeno questionário elaborados por alunos e alunas voluntárias nas escolas selecionadas pelos investigadores do projeto. A amostra não é de modo algum representativa de todos os jovens desses países. Tratam-se de estudos de caso e por isso as conclusões dos vários relatórios nacionais não podem ser lidas como generalidades.

Durante Setembro de 2006 os professores que participaram no projeto explicaram na sua aula de arte aos seus alunos e alunas as finalidades desta investigação e pediram aos alunos que queriam participar para fazerem um desenho em formato A3 ou A4 sobre o tema que quisessem usando materiais e técnicas à sua escolha, disseram-lhes também que poderiam escolher temas que gostassem ou temas que os preocupassem individual ou coletivamente como por exemplo temas políticos, sociais, ambientais, etc. No verso de desenho pediu-se aos alunos e alunas para identificarem o trabalho, a escola e o professor ou professora e respondessem às seguintes questões:

1. Título do seu desenho:

2. Que técnicas e materiais utilizou para fazer o seu desenho?

3. Escreva duas ou três linhas para descrever o seu desenho (o que quis representar)

4. Que estilo usou no seu desenho?

5. Que tipo de conhecimento ou de influências utilizou para criar esse estilo? Onde adquiriu o conhecimento para criar esse estilo? (Aprendeu na escola? Nos livros de arte? Em galerias e ou museus? Na televisão? Outros?)

Neste projeto de investigação qualitativa estamos agora (Março de 2007) a analisar os dados em relação aos seguintes itens: 1) materiais, técnica, tema, estilo; 2) fontes e influências (por exemplo, arte internacional, arte local, arte da escola, imagens dos meios de comunicação, Internet, etc.) e 3) Aquisição do conhecimento artístico.

O Projeto em Portugal

O Local e os Participantes

Em Portugal os jovens entre os 15 e os 18 anos estão fora da escolaridade obrigatória, este grupo etário está já em cursos vocacionados para o ensino superior ou para o mundo do trabalho, cursos com a duração de três anos (10º, 11º e 12º anos). Só os alunos dos cursos artísticos tanto tecnológicos como para prosseguimento de estudos têm disciplinas de artes, eles têm disciplinas como Desenho (3 anos), Geometria Descritiva (2 anos), História da Cultura e das Artes (2 anos), Oficina de artes (só no ano terminal) e têm também no ano terminal a chamada Área de Projeto, uma área transdisciplinar onde podem fazer todo o tipo de projetos de arte para a comunidade.

Por questões de conveniência a investigadora portuguesa escolheu uma escola do centro do país com 2163 alunos, dos quais 310 frequentam os cursos de arte. Foram convidados 3 professores de Desenho para o projeto. Na aula de Desenho eles convidaram os seus alunos para fazer o desenho durante o mês de Setembro de 2006.

Os professores explicaram primeiro aos alunos e às alunas quais as finalidades do projeto de investigação e depois explicaram que poderiam fazer o desenho sobre o que bem entendessem, sobre os seus gostos, preferências ou sobre problemas que achassem importantes por exemplo problemas políticos, sociais, ambientais, etc. Foi-lhes dito que poderiam usar papel formato A3 ou A4  e  as técnicas e materiais à sua escolha. Eles deixaram bem claro aos alunos que eles eram livres de desistir em qualquer altura e que os nomes reais dos participantes não seriam revelados em nenhuma publicação do projeto. Entraram no projeto 111 jovens, 45 rapazes e 66 moças. Esta amostra não é de maneira nenhuma representativa dos jovens portugueses deste grupo etário. É uma pequena amostra de jovens de um meio social mais ou menos privilegiado (onde os pais podem pagar educação aos filhos) de uma região interior de Portugal.

Tabela 1: Número de Jovens participantes em Portugal distribuídos por idade/produção.

Idade

15

16

17

18

Total

Nº. de alunos

21

29

48

13

111

Os alunos fizeram os desenhos durante as aulas de Desenho no mês de Setembro de 2006. Os 28 alunos do 10º ano estavam a começar o curso, tinham alguns conceitos e preparação em  Educação Visual adquiridos  no Ensino Básico. Os 26 alunos do 11º ano tinham já um ano de curso artístico, portanto tinham já bastantes referentes da arte, os 57 alunos do ano terminal, 12º ano, tinham ainda mais preparação nas artes.

O Projeto no Brasil.

O Local e os Participantes

No Brasil a escolaridade obrigatória é entre 7 e 14 anos, assim, os jovens envolvidos nesta pesquisa (de 15 a 18) estão fora da obrigatoriedade de educação mas, na maioria dos casos, e por diversas razões (repetências contínuas; envolvimento com criminalidade, a maioria nas classes menos favorecidas; participações em intercâmbios estudantis, nas classes mais favorecidas e, pelo calendário acadêmico brasileiro ser diferente do da maioria dos países desses intercâmbios, acontece um descompasso de, em geral, um semestre letivo; serviço militar obrigatório, para os meninos, aos 18 anos, etc.), há jovens cursando o ensino médio regular com mais de 18 anos, e os casos não são raros, embora representem uma parcela menor, já que existem programas de EJA (Educação para jovens e adultos) destinados a estas pessoas. Embora a maioridade no Brasil seja aos 18 anos, para muitas atividades é somente aos 21 que a pessoa é considerada legalmente adulta e totalmente capaz. Estar cursando ainda o ensino médio após a idade “normal” não é considerado, pelos alunos como “bonito” ou, melhor dizendo, consideram “feio” (sem explicar o conceito de feio, mas claramente como depreciativo) estarem atrasados nos estudos. Assim, grande parte deles, em geral os que estariam “atrasados” na relação idade/série, não quis declarar a própria idade.

Também é preciso ressaltar que os jovens envolvidos neste estudo não são alunos dessa pesquisadora, que pediu a colaboração da profa. Cláudia Casteluber. A amostra brasileira se refere aos alunos do ensino fundamental e  médio, das Escolas:

E.E. Profª Ana Pinto Duarte Paes - Jundiaí + ou - / 350 alunos envolvidos

E.E. Prof. Getúlio Nogueira de Sá - Jundiaí + ou -/ 200 alunos

E.M.E.F.Monterrey – Louveira - + ou - / 18 alunos

Locais de trabalho da Profa. Cláudia. As classes onde a proposta foi feita em Jundiaí são do Ensino Médio e a de Louveira foi uma 4ª série. Inicialmente os alunos que participaram foram no total, aproximadamente 180. Mas vários desistiram “pelo caminho”, já que era uma atividade livre e extra-aulas.

                                                                                                          

Não houve nenhuma forma de “seleção” dos trabalhos, todos os que entregaram, participaram da análise. Assim, a amostra brasileira se configura da seguinte forma:

Tabela 2: Número de Jovens participantes no Brasil distribuídos por idade/produção.

Idade

15 e abaixo de 15

16

17

18

19

20

Não declararam a idade

Total

Nº de alunos

3

12

20

16

4

3

21

79

Nº de desenhos

3

12

19

16

5

3

22

80

 

Tabela 3: Número de jovens brasileiros participantes, distribuição por sexo.

Feminino

Masculino

Não identificado

Total

42

25

12

79

A tabulação dos dados da amostra apresenta desencontros numéricos porque houve 3 desenhos feitos em duplas, mesmo tendo sido pedido que os trabalhos fossem individuais, e houve ainda 6 jovens que fizeram 2 desenhos, ao invés de um (um desses casos é o um dos casos de dupla autoria). Fizeram parte dessa análise apenas 79 trabalhos, e não os 80 produzidos, pois um dos autores declarou que não queria que seu trabalho nem fosse comentado, nem analisado, solicitando ainda que não fosse identificado nem como participante, pedindo a devolução do trabalho, sem explicar o motivo.

A Cidade de Jundiaí [9]

Embora esteja claro o posicionamento de que este trabalho não representa o país, em termos de produção artística dos jovens, convém explicitar alguns dados sobre a cidade da amostra, pois a cidade de Jundiaí apresenta dados e características muitíssimo particulares. Localizada entre as cidades de São Paulo e Campinas, no estado de São Paulo (que é o mais rico da federação), a cidade pertence à Região Administrativa de Campinas, distando 49 quilômetros de São Paulo pela Rodovia Anhanguera e 37 quilômetros de Campinas, pela mesma rodovia. É uma cidade de médio porte com, aproximadamente 350 mil habitantes (2005) e de IDH (índice de Desenvolvimento Humano) de 0,857, que é acima da média estadual (0,814) e nacional (0,769). Ocupa a 14ª posição no Brasil, entre 5.507 municípios brasileiros e a 2ª posição no estado de São Paulo[10], entre os municípios com mais de 200.000 habitantes. A taxa de natalidade (por mil habitantes) é de 14,40; o grau de urbanização é de 93,96%; a população menor de 15 anos é 21,56% e a de mais de 60 anos é de 11,54% (dados do censo de 2004).

A cidade conta com vários espaços de arte e cultura, como o Centro de Arte (que, dentre outras atividades, é a sede da cia. Ballet Jundiaiense) e a Casa de Cultura (que é responsável pelas ações culturais desenvolvidas no município e pela orquestra municipal); o Complexo Argos (espaço tecnológico que oferece acesso público a Internet e cursos de computação à comunidade em geral, totalmente gratuitos); o Centro de Línguas (com cursos gratuitos, em cinco idiomas: inglês, italiano, alemão, espanhol e francês); o Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos (que atende, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, jovens e adultos que não tiveram acesso ou continuidade de estudos na idade regular); o Teatro Municipal Polytheama, de 1911, restaurado recentemente; a Academia Jundiaiense de Letras, diversas bibliotecas (só a municipal tem mais de 42 mil exemplares e atende a 50 mil pessoas anualmente, com um cadastro fixo de 23.400 frequentadores) e museus (destaque para o Museu Ferroviário Barão de Mauá, no Companhia Paulista de Estradas de Ferro FEPASA e Museu Histórico e Cultural de Jundiaí) e ainda conta com uma emissora de TV municipal, por cabo, destinada a educação. A TVE Jundiaí[11]. Tudo isso junto faz com que Jundiaí tenha um perfil especial o que, definitivamente, não é a configuração média dos municípios de porte semelhante no Brasil o que, certamente, diferencia a formação cultural e artística dos jovens do município. Vários nomes expressivos do cenário intelectual e artístico/cultural brasileiro são oriundos da região.

Os primeiros colonizadores brancos chegaram à região em 1615. Até então era uma região habitada por povos indígenas. A Freguesia de Nossa Senhora do Desterro foi elevada à categoria de Vila em 14 de Dezembro de 1.655 e a origem de Jundiaí está ligada diretamente ao movimento bandeirante, principal responsável pela ocupação da antiga Capitania de São Vicente. Em 28 de Março de 1.865 Jundiaí foi elevada à categoria de cidade. Ao longo dos séculos XVII, XVIII e início do XIX, a economia da cidade se limitou a pequenas lavouras de subsistência, que abasteciam moradores da vila, tropeiros e bandeirantes. Em meados do século XVIII o número de escravos indígenas e de escravos de origem africana já era praticamente o mesmo, mas a partir da segunda metade deste século, a quantidade de africanos se intensificou, até que a mão-de-obra indígena foi totalmente abandonada. Os imigrantes, na maioria italianos, chegaram à cidade nas décadas de 20 e 30 do século XX, fazendo de Jundiaí uma cidade com identidade cultural marcadamente influenciada pelos hábitos e costumes italianos. Este povo tem uma influência tão marcada na cultura da cidade que são representados mesmo na bandeira do município, pelas cores vermelho e verde. Os italianos trouxeram as vinícolas, que hoje caracterizam a produção agrícola da região, influenciaram a cultura e são os responsáveis pelo surgimento maior evento popular da cidade: a Festa da Uva, que aconteceu pela primeira vez em 1934.

Os Desenhos em Portugal e no Brasil[12]

Técnicas dos Desenhos em Portugal

As técnicas escolhidas são, na maioria, as técnicas dadas pelos professores nas aulas de artes. Os alunos do ano inicial escolheram, sobretudo, lápis e lápis de cor sobre papel, técnicas mais usadas na Educação Visual do ensino Básico, os alunos mais avançados escolheram mais variedades: pastéis, aquarela, colagem, tinta da china (nanquim), óleos e acrílicos sobre papel. Variedades essas que foram utilizadas nas aulas de Desenho do Ensino Secundário. Mas na maioria a grande preferência vai para os lápis e lápis de cor, talvez porque nas aulas sejam essas as técnicas mais usadas.

Muito poucos alunos usaram novas tecnologias, alguns usaram imagens tiradas da Internet como referentes, outros usaram imagens da Internet nas suas colagens, uma aluna usou uma fotografia digital da sua autoria como ponto de partida para o seu desenho. De um modo geral na pequena percentagem de alunos que utilizaram fontes da Internet, essas imagens foram apenas uma apropriação primária, não houve manipulação criativa dos referentes. Não houve desenhos feitos com programas de computador de edição de imagem. Talvez os alunos pensem que um desenho deva ser feito com técnicas tradicionais: papel e lápis, papel e tinta ou colagem, embora os programas de Desenho no Ensino Secundário abordem a Infografia em todos os anos, não nos parece que os alunos tenham preferência por o desenho ‘numérico’, parecem preferir o desenho físico em suportes materiais.

Técnicas dos Desenhos no Brasil

A realidade sócio-econômica dos alunos de escolas públicas é um tanto dura e, desta forma, os matérias para o desenvolvimento desse trabalho foram totalmente custeados pela pesquisadora do Brasil que, junto com a professora das turmas, procurou escolher uma diversidade grande, de modo a proporcionar ampla possibilidade de escolha. Desta forma, foram adquiridos blocos A3 de papel Canson, lápis-de-cor (dos tipos: comum, aquarelável e metalizado), giz pastel, canetas hidrocor, tintas guache em cores variadas, pincéis de diversos tamanhos, grafites na linha B (B a 6B), tesouras e cola. Também foram providenciadas revistas atuais e material de papelaria e foi totalmente liberado o uso de qualquer outro recurso/técnica que o(s) aluno(s) se interessasse.

As técnicas escolhidas foram bem variadas, devido a disponibilidade de material “novo”, que muitos nunca tinham experimentado e a liberdade de escolha. Apenas as técnicas digitais não puderam ser usadas, por questões de logística quanto ao uso de laboratório de informática para as aulas de arte.

Poucos usaram colagens (nove trabalhos) e os que fizeram uso dessa técnica o fizeram de forma a ilustrar um conceito que não “sabia desenhar”, e em conjunto com outra técnica.

Nenhum trabalho foi feito com uso de tintas, mesmo estando a disposição dos alunos. Isso faz com que concordemos com os resultados da pesquisa em Portugal, sobre a especulação de que os alunos acreditem que um desenho deva ser feito com técnicas tradicionais: papel e lápis. Principalmente pelos comentários relatados pela professora Cláudia, onde vários questionaram sobre o uso de tintas e pincéis para “desenhar”. A idéia de desenho está diretamente relacionada ao uso de lápis de cor, grafite ou canetas hidrocor.

Tabela 4: Distribuição dos trabalhos por técnicas artísticas utilizadas

Técnica

Feminino

Masculino

Não declarado

Total

Grafite

3

2

5

10

Lápis de cor

27

20

4

51

Giz de cera

2

2

---

4

Giz Pastel

2

---
---

4

Hidrocor

1

---

2

3

Técnicas mistas

---
---
---
---

Colagem mais lápis aquarelável, mais relevos

1

------
---

1

Colagem mais lápis de cor

2

---
---

2

Colagem mais grafite

---
---

1

1

Giz Pastel com colagem

2

1

---

3

Lápis de cor com colagens

2

---
---

2

Total

42

25

12

79

Estilo dos Desenhos em Portugal

Os alunos tiveram dificuldades em identificar o estilo dos seus desenhos, apenas 24 alunos identificaram os seus estilos, os mais novos usaram termos como: realista, mangá, fantasia, graffiti, arte urbana, realista, os alunos mais velhos (ano terminal) usaram termos da história da arte como, por exemplo: impressionista, futurista, pop art, op art, minimal, fauvista, surrealista, abstrato, realismo e cubismo. A pop art e o surrealismo foram os estilos prediletos dos alunos do 11º e 12º ano.

A maioria dos desenhos poderia enquadrar-se no estilo escolar, queremos com isto dizer que os desenhos, sobretudo dos alunos do 11º e 12º ano poderiam representar o estilo particular de representação realista que se costuma treinar no ensino secundário, representação com perspectiva convencional e valores de claro escuro. Alguns desenhos representavam naturezas mortas, paisagens, aspectos do quotidiano dos jovens, aspectos da cidade, opiniões sobre a sociedade e representação simbólica das carreiras que os alunos queriam seguir (arquitetura, filme, fotografia, etc.).

Estilo dos Desenhos no Brasil

Os alunos, segundo os relatos da professora Cláudia, tiveram dificuldades em identificar o estilo dos seus trabalhos, apenas 24 alunos identificaram os seus estilos e, em geral, usando termos vagos, como “moderno”, ou, quanse em tom de “desculpa” por acreditar não saber desenhar “acadêmicamente”, como “coisas da minha cabeça”, “uns sonhos meus” e semelhantes. Nem mesmo os alunos de séries mais avançadas usaram termos da história da arte como, por exemplo, impressionista, futurista. Quando questionados, diziam que “não se lembravam disso”.

Grande parte dos trabalhos pode, também como em Portugal, ser enquadrado no estilo escolar, porém poucos foram os que fizeram representações realistas ou representação com perspectiva convencional e valores de claro escuro, embora alguns demonstrem real talento de representação realista.

Influências Predominantes nos Desenhos de Portugal

Séries televisivas americanas e japonesas foram mencionadas como grandes fontes de influência, sobretudo pelos mais novos (15 e 16 anos), as mais referidas foram os Simpsons, Family Guy e Power Puff Girls. Para o Luís de 15 anos os Simpsons ‘representam tudo o que eu quero da vida: comer, dormir e ver televisão’ (Luis Sergio, 27-09-2006), para a Patrícia os desenhos animados da televisão eram o lado mágico da vida, um escape da realidade, uma porta aberta para a fantasia e a infância perdida (Patrícia,  20-09-2006).

A cultura jovem foi referida por uma aluna como uma das maiores influências e foram observados aspectos explícitos dessa cultura em 17 desenhos (fotografias da Internet, de revistas e tiradas pelos alunos), bocados de revistas ‘teen’, cartazes, anúncios, catálogos de moda, capas de CDs e DVDs foram usados como colagens ou como referências nos desenhos. 

Foi interessante notar como a comunicação social, os mass media podem construir as imagens da arte que influenciam os jovens, por exemplo, os artistas portugueses que foram tidos como os que mais influenciavam os desenhos dos alunos eram por coincidência os artistas mais promovidos pela televisão e revistas: Paula Rego, Siza Vieira, Eduardo Souto Moura. Artistas contemporâneos e outros menos recentes como Vieira da Silva, que raramente aparecem nos tablóides, nunca foi mencionada. Foi também muito interessante ver até que ponto a publicidade pode fornecer modelos da história da arte, a Pop Art, várias vezes referida como influência, foi divulgada por anúncios e alguns alunos disseram que o primeiro contato que tiveram com reproduções de artistas desse movimento foi através de T-Shirts.

Influências Predominantes nos Desenhos do Brasil

Noticiários sensacionalistas, festas populares, shows de música regional, religião, TV aberta, novelas, rádio, revistas sobre a vida de celebridades, anúncios impressos e eletrônicos.

A cultura Pop e as notícias do dia a dia influenciaram significativamente, tanto que a maior parte das imagens é de violência, modismos e sensacionalismo. As informações são oriundas de TV e mídia em geral. Conhecimentos específicos na área de Arte, o próprio prof. da área é que oferece aos alunos como suporte teórico. As fontes de influência presentes nos trabalhos são influências dos grupos sociais a que fazem parte.

Influências das Artes Visuais nos Desenhos dos Jovens Portugueses

As Histórias em Quadrinhos[13] foram de uma influência notável, os quadrinhos japoneses, estilo Manga, influenciam, sobretudo, os rapazes, embora também se tivesse observado numa aluna. Mafalda de Maurício e Charlie Brown também apareceram como sendo influentes nalguns desenhos.

A Arte internacional mais referida por palavras no questionário ou visualmente nos desenhos pertencia ao principio do século vinte, os artistas e movimentos artísticos mais referenciados pertenciam todos ao modernismo: Salvador Dali e Andy Warhol foram os mais populares, seguidos de Kandinsky, Matisse, Picasso, uma referência ao surrealista espanhol San, outra ao expressionista alemão August Macke e referências também singulares aos artistas contemporâneos Barbara Kruger e Salma Shanoi. Do mesmo modo as referências da arte Portuguesa são essencialmente modernistas: pintores como Eduardo Viana, Amadeo de Souza-Cardoso, Dominguez Alvarez, Abel Salazar, Stuart de Carvalhais, Almada Negreiros, Paula Rego, arquitetos como Alvaro Siza e Eduardo Souto Moura. Apenas uma escultora foi referenciada (Manuela Soares), dois ilustradores o atual Rui e o novecentista Rafael Bordalo Pinheiro. Não foi referenciado nenhum designer nem nenhum autor português de histórias em quadrinhos (BD). 

Filme e fotografia foram referidos também, sobretudo como profissões que as alunas gostariam de seguir no futuro, estas artes foram sempre representadas através de câmaras antigas, nunca com objetos mais recentes. Influências de arte urbana ou graffitis foram evidentes em cinco desenhos de alunos. Duma maneira geral os alunos e alunas foram buscar imagens dos mass media, de livros, de revistas e da Internet, alguns referiram que os manuais escolares (de várias disciplinas como, por exemplo, Português e História) eram, também, uma fonte onde iam buscar imagens da arte para os seus desenhos.

Influências das Artes Visuais nos Desenhos dos Jovens Brasileiros

Embora tenham respondido, quando questionados, que “não se lembravam” das aulas sobre escolas e estilos artísticos, vários trabalhos apresentam forte influências de escolas já trabalhadas nas aulas de arte. Arte Contemporânea, Surrealismo e PopArt freqüentes, porém as informações são mais recebidas através da televisão, internet e programas de sensacionalismo. Pouca leitura e uso de matérias jornalísticas ou revistas.

Os Temas Presentes nos Desenhos de Portugal

Os temas abordados pelos jovens foram muito variados, naturezas mortas, paisagens, passatempos, aspectos da vida quotidiana, sentimentos, esperanças para o futuro, opiniões sobre a sociedade e sobre o mundo. Em cada tema os jovens deram uma visão particular de si e do meio em que vivem:

Vida Quotidiana: O dia a dia parece ser bastante agradável para estes jovens, para eles a realidade em que vivem não os ameaça, por exemplo, a Carolina dizia que queria exprimir no seu desenho ‘O que eu gosto de fazer no meu tempo livre, ouvir música, ler, pintar e desenhar, estar com os amigos, andar por aí, computador, passear na rua, viver cada momento. Escolhi cores puras e alegres, sou feliz na minha cidade’ (Ana Carolina, 16 anos). 

De fato, a cidade onde estes jovens vivem é uma cidade pacata sem violência, aparentemente sem conflitos sociais, o racismo e a pobreza escondem-se nos bairros periféricos, lugares onde estes jovens não vão e onde os jovens que lá vivem não têm acesso á educação não obrigatória (15-18 anos).

A violência e a guerra apenas são vividas por estes jovens através da televisão e dos jornais. Alguns alunos poderão até ter conflitos ou problemas familiares, mas essas experiências são escondidas pelos alunos, por exemplo, o desenho do Ricardo poderia revelar alguma tensão familiar, ele desenhou uma mão a partir um vidro em primeiro plano e em segundo plano duas figuras, ele chamou ao seu desenho: ‘Os pais também podem ser um estorvo’ e disse no questionário que queria representar a ‘luta de uma mãe e de um filho contra o pai’ (Ricardo, 20-09-2006).

Os Temas Presentes nos Desenhos do Brasil

Recorrentemente, os temas como violência urbana, ecologia, a Terra e religião aparecem nos trabalhos, sendo que em 57 trabalhos (dos 79 analisados) a violência, em todos os níveis é o tema predominante. Mas há temáticas relacionadas à vida quotidiana e sentimentos. Temas como futebol, namoros, drogas, séries de TV e personagens de desenho animado (BD) também estão presentes.

A maioria absoluta dos trabalhos apresenta símbolos e signos do quotidiano dos jovens, aspectos da cidade e do país, opiniões (explícitas ou implícitas) sobre a sociedade e temas da atualidade e a temática mais recorrente é a violência urbana, grande problema do país, seguida de preocupações com ecologia, a Terra (de diversas formas, mas na maioria, a representação do globo terrestre), economia nacional/internacional e religião. Somente 3 trabalhos são totalmente abstratos. Por sinal 2 deles de muito boa qualidade estética.

Figura 1 - Desenho masculino, 19 anos.

Figura 2 - Desenho de sexo e idade não identificados.

Em vários desenhos aparecem representações de folhas de maconha (marijuana), mas há variáveis quanto ao significado. Em seis desenhos, crítica/negativo, e em 1 desenho, apologia. Há, ainda, muitas representações de armas, drogas, cenas de violência, com sangue e morte. Temas infelizmente presentes no dia-a-dia de nossos jovens brasileiros.

Mesmo depois de passados mais de 4 anos, 7 desenhos fizeram referência ao 11 de setembro. O assunto é ainda marca e exemplo de violência mundial.

Curiosamente o dinheiro sempre é retratado como “ruim”, ou causa de coisas ruins. A representação do dinheiro, presente em 29 desenhos (ou com o símbolo $ ou recortes e/ou desenho de dólares, considerado moeda forte, visto que vale mais que o dobro do real, moeda nacional. Mas demonstram desconhecer mercado internacional, pois o euro vale quase três vezes mais que o real e que foi citado, somente o símbolo, num único trabalho).

Temas sobre a corrupção envolvendo política nacional e/ou dinheiro, no cenário nacional, apareceram em somente 6 trabalhos[14], mas referências à globalização é presente em vários trabalhos.

Em 30 desenhos havia palavras escritas. Como se não acreditassem ser possível “dizer” o que queriam apenas com imagens. Em alguns casos, marcas consideradas “chiques” foram escritas com a idéia de diferenciar o produto mostrado (por exemplo, marca de arma e marca de cigarros).

Algumas representações individuais chamaram a atenção:

- Representações de educação/conhecimento como sinônimos de sucesso/conquistas.

Figura 3 – Desenho feminino, 18 anos.

- Associação de violência com símbolos femininos (♀) numa representação da violência contra a mulher.

Figura 4 – Desenho feminino, sem idade declarada.

- Diferenciação cromática entre bem e mal, sendo, em geral o “bem” representado com cores e o “mal” em PB.

Figura 5 – Desenho feminino, 17 anos.

Figura 6 – Desenho feminino, sem idade declarada.

- Representação da violência e do “mal” como “castigos divinos”, resultados de “julgamento” de um “ser superior”; e do “bem” como sinal do “cuidado” desse mesmo deus.

Figura 7 – Desenho feminino, sem idade declarada.

Figura 8 – Desenho feminino, 17 anos.

Figura 9 – Desenho feminino, 13 anos.

Figura 10 – Desenho feminino, em dupla, sem idade declarada.

A tabulação geral dos temas é a seguinte:

Tabela 5 - Distribuição dos trabalhos por temáticas:

Tema

Feminino

Masculino

Não declarado

Total

violência urbana

7

5

3

15

sexo/sexualidade/erotismo

1

---

1

2

armas de fogo

6

8

1

15

jogos de azar

2

1

---

3

armas brancas (facas, etc.)

4

1

---

5

globalização

4

5

4

13

guerras

3

2

---

5

dinheiro / economia

14

4

11

29

tecnologia

8

1

2

11

bens de consumo

3

---

2

5

drogas - geral

7

6

1

14

folha de maconha – apologia

---

1

---

1

folha de maconha - crítica

2

3

1

6

álcool

2

1

1

4

ecologia (aquecimento global)

1

2

1

4

ecologia (preservação ambiental / poluição)

1

9

1

11

religião – cruz, cristo, fé e anjos

13

2

---

15

religião – representação de “diabos”, “pecados”

5

---
---

5

futebol

1

2

---

3

personagens de desenho animado / Cartum

1

2

---

3

temas abstratos

---

2

1

3

interesses pessoais (conquistas, desafios)

1

---

1

2

sentimentos (desilusão, “coração partido”)

10

2

---

12

sentimentos (esperança, paz, união)

7

---
---

7

símbolos políticos / anarquia

---

1

---

1

símbolos políticos / nazismo

1

---

1

símbolos políticos / yin/yang

1

---
---

1

símbolos com conotação exotérica (pentagramas, velas)

1

---
---

1

música - reague

---

2

---

2

símbolos nacionais brasileiros – bandeira, mapa, etc., junto com representações ufanistas/nacionalistas

6

5

---

11

Preocupações dos jovens portugueses e os modos como eles vêm o mundo

Neste contexto não foi de modo algum uma surpresa ver que os alunos apreciavam e valorizavam o seu país, a sua cidade e a sociedade em que vivem. Para eles a preocupação mais importante é o futuro, que profissão seguir, que curso universitário frequentar? Eles estão conscientes da pressão da competitividade no mundo do trabalho e no mundo do ensino superior. De um modo geral todos os alunos dos anos terminais (11º e 12º anos) sabem que querem seguir uma carreira nas artes, gostam de música como ouvintes e como produtores e valorizam o patrimônio cultural português:

…Coisas que eu gosto, arquitetura, música hip hop e fado e gosto da minha cidade, da catedral... (Vanessa, 20-09-2006)

…este desenho descreve o que a juventude gosta. No centro está a catedral da cidade, à volta dela tudo o que eu gosto: sapatilhas de tênis, graffitis, amigos, desporto, e acima de tudo a ARTE (Diana, 20-09-2006)

Figura 11- Desenho da Ana Carolina, 16 anos

Figura 12 - Desenho da Diana, 15 anos

Figura 13 - Tiago Rafael, 16 anos

Alguns alunos parecem ter consciência de aspectos ambientais e de preservação da natureza, Irazón, um aluno de 15 anos de origem brasileira mostrou-se preocupado com o problema dos fogos que devastam as florestas do país todos os verões, José Ricardo, um aluno de 17 anos fez um desenho sobre o planeta antes e pós-globalização, e queria ‘descrever o contraste entre as paisagens do passado e do futuro’ (José Ricardo, 20-09-2006).

Figura 14 - Desenho do José Ricardo, 17 anos

A globalização parece ter sido um conceito importante para estes jovens, o termo foi referido também por uma outra aluna, segundo ela: ‘…a Coca Cola é o símbolo da globalização’ (Ana Francisca, 20-09-2006), e  imagens de anúncios de Coca Cola no estilo Porp Art foram observadas em mais 6 desenhos.  

Outros alunos preferiram desenhar coisas sobre sentimentos, emoções, esperanças e medos. A adolescência e, sobretudo, este período entre os 15 e os 18 anos é muito importante na construção da sua identidade e nos desenhos refletiram-se as questões que os preocupam em relação à sua personalidade, sentimentos e comportamentos sociais. Por exemplo: Alguns desenhos, sobretudo dos alunos mais velhos (entre os 17 e 18 anos) incidiram sobre visões da sociedade e do mundo. Aspectos sobre diversidade, ‘...as diferentes pessoas do mundo, embora diferentes completam-se’ (Ana Raquel, 20-09-2006). E esperanças positivas no futuro: ‘…espero que um dia todas as pessoas vivam em harmonia.’ (Isabel, 20-09-2006).

Outros preferiram visões mais negativas representando pessoas sem abrigo e símbolos de uma sociedade repressora como o caso do desenho do Mário intitulado: ‘A pressão que a sociedade faz sobre nós’ (Mário, 20-09-2006)

Figura 15- Desenho do Mário, 16 anos

Figura 16 - ‘Informação Vómito’, Carolina, 17 anos.

A comunicação social foi representada como vômito pela Carolina, A Inês desenhou o sentido de vazio: ‘Este desenho representa a maneira como eu vejo a sociedade, uma bola enorme sem nada dentro’. (Inês, -09-2006)

Preocupações dos jovens brasileiros e os modos como eles vêm o mundo

Diferentemente de Portugal, onde os alunos demonstram que apreciam e valorizam o seu país, a sua cidade e a sociedade em que vivem, a maioria esmagadora considera o Brasil “um lugar ruim de se viver”. Muitos disseram que “o Brasil não tem mais jeito” ou fizeram comentários depreciativos como “a culpa é dos políticos, que não fazem nada” ou “o que ‘pega’ é que o povo brasileiro não faz nada, não reage”, só que não se apercebem que também fazem parte desse povo e que é este mesmo povo quem vota e elege os políticos. A “culpa” de todas as coisas ruins que apontam está num “outro”, fora da responsabilidade deles ou de seus conhecidos, amigos e familiares.

Sobre a cidade de Jundiaí, declaram que é “cidade pequena” (desconhecem que tem mais de 200 mil habitantes) e que “não tem nada pra fazer”. Sobre onde gostariam de viver, sem ser no Brasil, declaram que a Europa (sem especificar o país, mas com grande ênfase na Espanha e Itália, por causa dos jogadores de futebol que jogam nesses países) ou os Estados Unidos são os lugares ideais. Uma aluna, de 17 anos, declarou que gostaria de viver “Em Cuba, porque lá tem atendimento de saúde para todos”. Quando perguntada por que achava isso, respondeu que “viu na TV”. Embora o futuro seja uma preocupação para os alunos, freqüentar uma universidade não é prioridade.

Embora declarem que pretendem “melhorar de vida”, onde o conceito de “melhor” está diretamente ligado ao aspecto financeiro. Aliás, o conceito de qualidade de vida está diretamente relacionado ao aspecto financeiro para quase todos os alunos. Quando questionados sobre o modo como pretendem melhorar de vida, as respostas variam entre “trabalhando” (embora não saibam dizer em que), “ficando famoso” (embora não saibam dizer como) e, para os meninos, “sendo jogador de futebol e ir jogar na Europa”.

Declaram gostar de música, mas quando questionados sobre o tema, somente conhecem o que é veiculado na mídia (rádio e TV, não consideram Internet como veículo midiático), desconhecendo quase que totalmente qualquer coisa que tenha sido produzida a mais de 10 anos (em média). Mesmo sobre sambas e forró, estilos musicais genuinamente brasileiros, conhecem apenas o que é veiculado na mídia, em especial na TV. Questionados sobre a possibilidade de seguir uma “carreira artística”, imediatamente relacionam o tema a “artistas de novelas de TV”, “celebridades”, “modelos e manequins” ou “cantores sertanejos”, muito populares na região de Jundiaí. Um aluno declarou que deseja ser jogador de futebol, por que “futebol também é arte, e os caras ganham muito”. Nenhum aluno cogitou sequer a possibilidade, de uma carreira “em arte” diferente desses aspectos citados. Quando questionados o motivo de não se imaginarem como artistas, responderam, majoritariamente que o motivo é por acreditarem que “arte não dá dinheiro”, uma incoerência se levadas em consideração as respostas anteriores.

Questionados sobre o que fazem para se divertir, a quase totalidade respondeu “vejo TV” ou “ouço rádio”, seguido de “jogo futebol” (meninos, na maioria); “namorar” ficou em terceiro lugar e “vou ao shopping” e “vou às festas da igreja” quase empataram em quarto lugar (A grande maioria é formada de grupos de jovens evangélicos, com discreto percentual declarado de católicos e praticantes de religiões afro-brasileiras em número diminuto – apenas um se declarou “espírita”).

Sobre arte como forma diversão, não souberam dizer o último filme que viram no cinema, nem o último livro que leu. Apenas 4 lembravam de ter lido livros “pedidos pela professora de português”, e mesmo assim, “faz um tempinho”. Quase a totalidade dos alunos nunca foi ao teatro, nem a um concerto (embora haja teatros na cidade e várias orquestras se apresentem com frequência, na cidade e região). Quanto a shows, os de duplas sertanejas e músicos/bandas “da moda” e em destaque na mídia, em eventos como a Festa da Uva, foram mencionados por vários deles.

O Conceito de Artes para os Jovens Portugueses

Desenhei uma máscara, símbolo do teatro, um pincel, símbolo da pintura, uma clave de sol, símbolo da música, da boa música. (Sandro, 20-09-2006).

Um grande número de desenhos (35) era sobre as artes como profissão do futuro ou como passatempo dos tempos livres. As artes foram sempre representadas por símbolos relacionados com a arte modernista: um pincel, um cavalete, um piano, uma velha câmara fotográfica, a arquitetura foi representada por edifícios do estilo modernista, uma aluna representou as artes visuais (escultura e pintura) numa galeria. Este tipo de imagética é consistente com o conceito modernista que os alunos têm da arte e que é veiculado pelo ensino na escola e promovido pelos programas de televisão, agendas culturais da maior parte das galerias de arte e de museus. Obras pós-modernas não fazem parte do currículo escolar, podem ser às vezes referidas pelos manuais de Desenho ou de Oficinas de Arte, mas não são normalmente abordadas pelos professores de arte.

Para os alunos e alunas a arte é essencial nas suas vidas, como expressão de sentimentos, para a Patrícia, por exemplo ‘…a arte é uma maneira de viver, e sem ela a minha vida seria vazia’ (Patrícia, 20-09-2006). Mas para o João Pedro, um admirador de graffitis, a arte pode ser transgressão e indisciplina:

 

Queria fazer um desenho tipo graffiti, com um coração preso com correntes, um sinal de STOP e um semáforo do transito, isto representa a minha paixão pela arte, que está acorrentada porque é ilegal’ (J. Pedro , 20-09-2006)

Em Portugal os graffitis são muito populares e são reconhecidos como forma de arte urbana, nomeadamente o Hip Hop. Foi engraçado encontrar estas duas tendências: a arte modernista e a arte como transgressão que é um aspecto típico da cultura dos grupos urbanos de jovens.

De todas as artes a música foi a mais referida, a música simbolizada pelo instrumento que o aluno tocava (clarinete, viola, piano, violino) ou por pautas musicais. A Música esteve sempre associada a cores alegres e formas livres.

Figura 17 - Desenho da Stefanie, 17 anos

…e eu queria mostrar a minha paixão pela música , queria dizer que é muito importante para os jovens , a música simboliza a felicidade na vida, mesmo em locais distantes. É fascinante quando no verão as aldeias se enchem de música e de luz (Stefanie, 20-09-2006)

Conceito de Artes para os Jovens Brasileiros

O conceito de Arte para a maioria (28, dos 35 que responderam ao questionário) é que é uma “coisa” fora da realidade de “pessoas comuns”, como eles. “Coisa de burguês”, como disse um rapaz (embora não tenha sabido definir burguesia). Localizam os lugares da Arte fora de suas realidade e dia-a-dia. Consideram teatros, cinema, galerias de arte (que não freqüentam) e exposições e mostras especiais (como os mega-eventos, promovidos em São Paulo, com mostras de Dali e Monet, que não visitaram) como “coisa de/para rico”. Somente consideram “coisa nossa” os sertanejos e a cultura HipHop (alguns poucos), mas mesmo assim “de poucos”.

Têm em grande parte uma idéia de “genialidade” necessária para fazer Arte. Genialidade esta que não se incluem, embora citem alguns colegas, nominalmente, como “bons de desenho”.

Orgulho e Patrimônio - Portugal

Um forte sentido nacionalista e orgulho pelo patrimônio histórico e cultural foi observado nos desenhos, alunas e alunos representaram aspectos da literatura portuguesa, arquitetura, artesanato e música popular como o fado. Algumas alunas foram mais além da mensagem típica da promoção turística do país (monumentos, fado, sol e praia), elas refletiram criticamente sobre a história da sociedade portuguesa, por exemplo A Rita fez um desenho sobre a repressão do ditador Salazar que dominou o país com métodos fascistas:

Eu representei um período da história de Portugal (1928-1974), a sombra do ditador Salazar representa o poder da censura, a moça representa a passividade da sociedade nesse tempo. (Rita, 20-09-2006) 

A Margarida fez um desenho intitulado ‘A vê-los passar’ criticando a característica dos portugueses de ficarem presos a um passado dos descobrimentos, que consideram glorioso e não fazerem nada para desenvolverem melhor o país no presente:

o pequeno barco de papel com o galo de Barcelos , a guitarra e a torre de Belém representa Portugal, o barco encalhou e ao longe passam os grandes navios estrangeiros cheios de tecnologia que nós não temos’ (Margarida, 20-09-2006).

Figura 18 - Desenho da Rita, 17 anos

Figura 19 - Desenho da Margarida, 15 anos

 

Uma outra mensagem importante que foi observada, mas apenas em dois desenhos, foi o alerta de duas alunas para a valorização do artesanato que segundo a Sofia: ‘os jovens não valorizam’.

Orgulho e Patrimônio - Brasil

Nenhum artista foi citado nominalmente, embora haja vários, de Jundiaí inclusive, de referência nacional. E as cores e/ou símbolos nacionais só aparecem em 11 trabalhos, dos 79 analisados. Há um sentimento de “desilusão”, “desesperança” no Brasil, gerado, principalmente pela violência, em números crescentes e assustadores, para a maioria.

Os Locais de Aprendizagem da Arte em Portugal

Só 65 alunos responderam à questão sobre os lugares de aprendizagem da arte. Apenas 10 alunos indicaram a escola, 28 indicaram livros e revistas, 30 disseram que aprenderam com a televisão, 15 com a Internet, 7 com a família e amigos. Outros disseram que aprendiam com ‘a experiência’ ou ‘ em todo o lado’.

Eu aprendo com a televisão e com a Internet, nas séries de televisão de mangá violentas como na ‘Sic Radical’ e também com a Playstation 2, nos jogos baseados em  manga por exemplo a  Final Fantasy. Também tiro imagens da internet , gosto de a desenhar , procuro na Internet como desenhar manga e depois crio os meus próprios personagens, sou influenciado por personagens como ‘Cloud’ da ‘Final Fantasy 7’ e também da  ‘Advent children’.

No meu desenho eu coloquei uma espada na personagem principal, a espada eu tirei de ‘Buster sword’ e também tirei as roupas, a cara e o cabelo eu inventei, para a cidade eu inspirei-me em Toronto em Tokio e Hong Kong. Os meus pais ajudam-me e dão-me incentivo. Também aprendo muito do site www.Polycarbon.com” (Federico, 20-09-2006)

A Joana Filipa disse no questionário: ‘eu aprendo com a Internet, revistas, museus, TV, livros sobre arte e também com as aulas na escola’ (Joana Filipa, 20-09-2006). É interessante ver como os alunos estão conscientes de que o seu meio social é importante na aprendizagem: a família, os amigos, experiências quotidianas, televisão, anúncios, Internet, jogos de computador, revistas e livros, a experiência escolar vêm nos últimos lugares da aprendizagem, é apenas mais um dos lugares onde aprendem arte. No entanto é bastante revelador o número de respostas em branco a esta questão (36 alunos), os alunos não estão habituados a refletir sobre os locais de aprendizagem.

Os Locais de Aprendizagem da Arte no Brasil 

Só 35 alunos responderam à questão sobre os lugares de aprendizagem da arte. Todos os 10 alunos indicaram a escola, sendo que 8 indicaram livros e revistas, 2 disseram que aprenderam com a televisão, nenhum citou a Internet e 4 com a família e amigos. Outros disseram que aprendiam com “não sabem nada de arte” ou “por ai”.

Fato curioso é a declaração da grande maioria (26 deles) de que a Internet “serve para falar com a galera, por e-mail ou Orkut” e “pegar trabalho prá escola”, desconhecendo o potencial como local de aprendizagem.

As respostas, de grande parte deles, dá a perceber que consideram como “local de aprendizagem” a escola e que acreditam que “aprender” está diretamente relacionado com educação formal.

Conclusões do estudo em Portugal

Resumindo as conclusões do estudo em Portugal:

Os alunos e alunas são influenciados pelos meios de comunicação sobretudo televisão e Internet.

Os alunos e alunas são influenciados por formas de arte modernistas (pintura, arquitectura, fotografia e cinema), por tipos de cultura jovem (os graffitis) e pela banda desenhada japonesa contemporânea  estilo mangá.

Os artistas portugueses que mais influenciam os jovens são os arquitectos Siza Vieira e Eduardo Souto Moura, artistas plásticos  do século XIX e XX como Rafael Bordalo Pinheiro Stuart de Carvalhais, Amadeode Souza- Cardoso, Eduardo Viana, Domingues Alvarez e Paula Rego.

Os alunos revelaram um grande orgulho no seu património artístico.

Os locais de aprendizagem revelados pelos alunos portugueses são variados e compreendem experiências quotidianas,  o meio social, a televisão, Internet, jogos de computador, livros e revistas, manuais escolares e as aulas de educação visual.

O Desenho Escolhido - Diogo

Figura 18 - O desenho do Diogo, 16 anos

Tomando o desenho do Diogo para concluir esta parte do estudo em Portugal, o desenho do Diogo poderá de fato ser um exemplo interessante para finalizar este estudo em Portugal porque ilustra uma maneira muito própria da juventude portuguesa dos nossos dias de ver o mundo. Este rapaz de 16 anos fez uma colagem representando um busto de homem usando uma máscara de gás, umas moscas desenhadas também a lápis sobrevoam a figura, uma sapatilha. O fundo está pintado ao estilo ‘dripping’ e sobre a pintura ele colou várias citações tiradas de um livro. O Diogo descreveu o seu trabalho como:

Primeiro quis fazer um desenho sobre a poluição e sobre mim, mas depois encontrei o livro “Colours-Best wishes e decidi fazer qualquer coisa sobre os meus desejos. Inspirei-me em revistas como por exemplo “Rugged” e também num livro da Taschen chamado ‘Art Now’ , é um livro sobre artistas contemporâneos , também me inspirei no trabalho do surrealista espanhol San, ele não é muito conhecido” (Diogo, 20-09-2006) .

É usado o exemplo do desenho do Diogo, porque o Diogo é um aluno típico dos cursos de artes do ensino secundário, com habilidades inatas para o desenho e grandes capacidades para as desenvolver ao longo de treino constante de desenho no seu diário gráfico, muito curioso sobre o que o rodeia mas um aluno de desempenho médio no geral das disciplinas. O Diogo possui conhecimentos adquiridos sobretudo fora da escola que lhe permitem exprimir a sua mensagem sem grandes dificuldades técnicas. Os interesses de Diogo nas artes plásticas, banda desenhada japonesa e temas como a poluição são interessantes de referir, mas não são os únicos, o Diogo exprime através das citações em inglês que colou no desenho uma maneira de apreciar e criticar o mundo em que vive:

…Loosing is beautiful…I wish to be found …I want to be perfect …I wish pollution had never existed… world peace is not that what everyone wants? Is not that what everyone says: …I wish that all the world leaders were Buddhist… I wish George Bush was dead. I have to say it twice I wish George Bush was dead… I wish I could start a revolution …I wish to make a difference… I wish to be independent… I wish I had a robot (palavras coladas no desenho do Diogo)

As frases coladas e os elementos do desenho mostram como o Diogo reflete sobre problemas ambientais (a máscara, os insetos, o aspecto sujo do fundo), sobre os aspectos políticos, aspectos filosóficos e tecnológicos, o fato de escrever em inglês mostra até que ponto a língua e cultura anglo saxônica domina a sua geração[15].  Ele mostra uma atitude crítica em relação à política norte americana, através da introdução da imagem da sapatilha ele mostra que está consciente da sociedade de consumo e dos símbolos para os jovens que essa sociedade criou sem no entanto deixar de sentir o fascínio pelas filosofias orientais e o fascínio pela tecnologia. O Diogo, tal como muitos outros jovens portugueses, vive numa sociedade de tecnologia complexa e dá-se conta do consumo desenfreado da era da globalização, da consciência de  um mundo cheio de desequilíbrios sociais e das ameaças ambientais.  

Conclusões do Estudo no Brasil

No Brasil não se têm um Currículo Nacional, para nenhuma das áreas de conhecimento, incluindo Artes. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) fazem “as vezes” de programa e servem como orientação de que conteúdos podem/devem ser trabalhados. As áreas abordadas pelos PCN são Artes Visuais, Dança, Teatro, Música.

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação diz que “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (Lei Nº 9394/96, Art. 26 § 2º), mas a falta de detalhamento da lei gera grandes polêmicas. Nas áreas de conhecimento mais “tradicionais” seguem-se com a “educação bancária”[16] que Paulo Freire tanto criticava.

A Lei 5692, chamada de “Diretrizes e Bases da Educação” de 1971, instituiu a obrigatoriedade da Ensino de Arte no 1º e 2º graus, porém instituiu também a prática da polivalência, que é quando um mesmo professor, da 1ª à 8ª séries do 1ª grau, deveria ensinar artes plásticas, música e artes cênicas, juntas. O termo “Ensino de Arte” era a nomenclatura oficial, e designa o ensino polivalente. Desde 1977 os arte-educadores brasileiros “batalham” por mudanças que, embora tenha sido efetivadas legalmente na LDB de 1996 ainda estão longe de serem efetivas conquistas, na prática profissional. Nas escolas, em grande maioria, ainda o que se vê é a Ensino de Arte, na sua pior abordagem, sendo aplicada. E isso, quando há aulas de Arte que, mesmo obrigatórias, muitas vezes são substituídas por atividades artísticas somente ou mesmo aulas unicamente de desenho geométrico, este entendido como “linguagem”.

Resumindo as conclusões do estudo no Brasil:

Os alunos e alunas são muito influenciados pelos meios de comunicação, sobretudo televisão e rádio.

Os alunos e alunas são influenciados por formas de arte modernistas (embora não tenham conhecimentos sobre estas) e por uma “cultura sertaneja”, que faz parte da vida cotidiana.

Os alunos revelaram desconhecimento de seu patrimônio artístico e histórico.

Os locais de aprendizagem revelados pelos alunos são variados e compreendem experiências quotidianas, o meio social, a televisão, muito embora tenham declarado que a aprendizagem em arte só acontece nas e as aulas de arte e educação visual.

O Desenho Escolhido – Henrique

Figura 19 – Desenho masculino, 17 anos

A escolha por este desenho, de Henrique, de 17 anos para finalizar esta parte do estudo no Brasil por este ser um exemplo claro de tudo que foi falado sobre os trabalhos dos jovens brasileiros até agora.

O olho “que tudo vê” dos jovens, que nem sempre entendem o que vêem, mas que registram o que acontece ao seu redor. Violência, dor, sofrimento, desesperança. Essa é, infelizmente, a realidade da maioria dos jovens brasileiros.

Num país como o Brasil, onde Educação e Cultura não são levadas “a sério” pela maioria das pessoas e programas de governo (toda a verba prevista para educação até o final deste ano é de somente R$ 17,7 bilhões, aproximadamente US$ 8,85 bilhões, menos de 5% do Produto Interno Bruto - PIB[17]) o resultado dessa pesquisa, mesmo não sendo nacional, reflete esse “descaso”.

O desenho de Henrique foi descrito por ele mesmo como “o que eu vejo”.

Referências Bibliográficas

Ballengee-Morris, C. & Stuhr, P. L.  Multicultural art and visual culture education in a changing world. Art Education, 54 (4) 6-13. 2001.

Ballengee-Morris, C. & Stuhr, P.L. Heritage, traditions, and culture in a changing world. Art Education, 54 (4) 6-13. 2000.

Bigelow, B.; Harvey, B.; Karp, S.; Miller, L. Rethinking our classrooms, volume two: Teaching for equity and justice.  Milwaukee, WI: Rethinking Schools Limited. 2001.

Boughton, D. & Mason, R. Beyond multicultural art education: International perspectives, Berlin: Waxmann. 1999.

Daniel, V., & Collins, C. Community visions. In C. Basualdo, (Ed.) Face your world (pp. 81-94). Columbus, OH: Wexner Center for the Arts/The Ohio State University. 2002.

Freedman, K. Teaching visual culture: Curriculum, aesthetics and the social life of art. New York: Teachers College Press. 2003.

Freedman, K. Artmaking/Troublemaking: Creativity, Policy, and Leadership in Art Education.  Studies in Art Education, Winter 2007 (Vol 48, No. 2). Reston: Virginia: NAEA. 2007.

Grierson, E. Creativity and culture: Redefining knowledge through the arts in education for the local in a globalised world. In Press. 2007.

Scott, A.P., Krug, D., Stuhr, P. A conversation about translating the Indigenous story. Journal of Multicultural and Cross-Cultural Research in Art Education, 13 (1) 29-45. 1995.

Stuhr, Patrícia L & Ballengee-Morris, Christine & Daniel Vesta A. H. Social justice through curriculum: Investigating issues of diversity. In Press. 2007.

Stuhr, P. L. Multiculturalism art education: Context and pedagogy. FATE, Journal of the College Art Association, 22 (1) 5-12. 1999.

UNESCO. World conference on higher education: Higher education in the twenty-first century,vision and action, Volume IV. Thematic debate: Mobilising the power of culture. Paris: UNESCO, 5-9 October. (A) 1998.

UNESCO. Higher education in the twenty-first century: Visions and action. Final report, Paris: UNESCO, 5-9 October. (B) 1998.

Notas:

[1] Ensino de Arte no Brasil, Educação Artística em Portugal.

[2] Steers, J. (2006). Globalising (Visual) Culture: is there a choice? In: Proceedings of the International InSEA Congress 2006: Interdisciplinary Dialogues in Arts Education - Cd-Rom. Portugal: APECV:  ISBN 978-989-20-0209-5.

[3] Swift, J & Steers, J (1999) 'A Manifesto for Art in Schools', Journal of Art & Design Education, Volume 18., No. 1., 1999, pp. 7-14, Blackwell, Oxford.

[4] Daniel, V., & Collins, C. (2002). Community visions. In C. Basualdo, (Ed.) Face your world (pp. 81-94). Columbus, OH: Wexner Center for the Arts/The Ohio State University.

[5] Watson, C (2002) 'Open up to a very creative culture', The Times Higher, 14 June 2002, pp 22-23.

[6] UNESCO (1998b). Higher education in the twenty-first century: Visions and action. Final report, Paris: UNESCO, 5-9 October.

[7] Ballengee-Morris, C. & Stuhr, P. L. (2001). Multicultural art and visual culture education in a changing world. Art Education, 54 (4) 6-13.

[8] Patricia L. Stuhr, Christine Ballengee-Morris, Vesta A. H. Daniel (2007) Social justice through curriculum:  Investigating issues of diversity. In Press,

[9] O nome Jundiaí é um vocábulo de origem tupi e vem da palavra “jundiá”, que significa “bagre” e “y” significa “rio”. Alguns estudiosos também consideram o termo “yundiaí” como “alagadiços de muita folhagem e galhos secos”.

[10] Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil - 2000.

[12] Todos os desenhos de jovens Brasileiros foram scanneados e estão disponíveis no endereço http://www.jurema-sampaio.pro.br/Youth-of-the-world-drawing-expectations/index.htm

[13] Bandas Desenhadas, BD, como são chamadas em Portugal.

[14] Referências a “escândalos” político-financeiros em pauta na mídia, na época da coleta dos desenhos, como “mensalão”, “dólares na cueca” e corrupção na capital federal, Brasília, que aparece somente em 2 trabalhos, etc.

[15] Na escola o Inglês é uma língua obrigatória.

[16] Sobre “educação bancária”, ver Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, 4ª ed., (N.E.).

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano V - Número 08 - Outubro de 2007 - Webmaster - Todos os Direitos Reservado

OBS: Os textos publicados na Revista Art& só podem ser reproduzidos com autorização POR ESCRITO dos editores.