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Identidade e Auto-Retrato: Um possível viés no Ensino de Arte durante o Estágio Curricular Supervisionado
Autora:
Karine Gomes Perez - karinegperez@hotmail.com

Resumo: Este artigo apresenta o percurso de uma experiência de ensino vivenciada em razão da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” do Curso de Graduação em Desenho e Plástica – Licenciatura Plena da UFSM, sendo ela orientada pela Professora Doutora Marilda Oliveira. Seu objetivo principal foi despertar em estudantes do Ensino Médio o interesse pela arte, a fim de construir conhecimento sobre seus conteúdos, a partir do tema identidade e auto-retrato. Para isso, houve o contato direto com vinte e um estudantes do primeiro ano do Ensino Médio na Escola Estadual Coronel Pilar, em Santa Maria – RS, dentre os quais dois são alunos com necessidades educacionais especiais. Os encontros ocorreram uma vez por semana, de setembro de 2006 a janeiro de 2007. Os instrumentos da coleta de dados foram: observação participante, diário de Campo e análise documental. Ao longo das aulas foi explorada a teoria e a prática da arte. Como resultado é possível destacar o interesse dos estudantes pela arte, o aprendizado de forma gradual e a receptividade às propostas apresentadas, considerando-se as diferenças e o ritmo de cada um. As dificuldades dos educandos com relação ao entendimento dos conteúdos abordados e à produção plástica foram mediadas ao longo do processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Identidade; auto-retrato; ensino da arte; estágio curricular supervisionado.

Resumen: Este artículo presenta el camino de una experiencia de enseño vivenciada en razón de la asignatura “Estágio Curricular Supervisionado” en la carrera “Desenho e Plástica”- profesorado de la UFSM, orientado  por la profesora doctora Marilda Oliveira. Su principal objetivo fue estimular en estudiantes del Secundário el interés por el arte, para construir conocimiento a cerca de sus contenidos, partiendo del tema identidad y autorretrato. Por ello, hubo contacto directo con veintiún estudiantes del primer año del secundário en la escuela pública “Coronel Pilar” en Santa Maria, RS. Las reuniones ocurrieron una vez a la semana desde septiembre de 2006 hasta enero de 2007. Los instrumentos para recoger datos fueron: observación participante, diário de campo y análisis documental. A lo largo de las clases fue explorada la teoría y la práctica del arte. Como resultado encuéntrase destacado el interés de los estudiantes por el arte, el aprendizaje logrado gradualmente y la receptividade a las propuestas presentadas. Así, fueron consideradas las diferencias y el ritmo de cada alumno. Las dificultades de los educandos fueron mediadas a través  del proceso de enseño y aprendizaje.

Palabras clave: Identidad; autorretrato; enseño del arte; pasantía.

Introduzindo o olhar investigativo

O presente artigo apresenta o percurso de uma experiência de ensino vivenciada em razão da disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” do Curso de Graduação em Desenho e Plástica – Licenciatura Plena da UFSM. Nessa ocasião foi desenvolvido o projeto denominado “Identidade e Auto-retrato: uma possibilidade no ensino das Artes Visuais” sob a orientação da Professora Doutora Marilda Oliveira. A investigação foi desenvolvida na cidade de Santa Maria-RS, na Escola Estadual Coronel Pilar, junto a uma turma de 21 estudantes do 1º ano do Ensino Médio, dentre os quais dois são alunos com necessidades educacionais especiais, pois “Pê”[1] possui baixa visão e “Ara” é cega, lendo e escrevendo apenas em Braile.  Os encontros com a turma ocorreram uma vez por semana das 10h15min ao meio-dia, de 27 de setembro de 2006 a 10 de janeiro de 2007.

Fig.1. Parte do grupo trabalhando, fotografado pela autora.

É necessário ressaltar que para a realização desse estudo a identidade e o auto-retrato consistiram no “viés” pelo qual os conteúdos de Arte foram abordados. Nesse sentido, considerou-se que dentro do universo de imagens da cultura visual, a identidade se estabeleceu como uma das tendências da arte contemporânea. Por isso, acreditou-se que uma forma de abordá-la seria através do auto-retrato que, conforme Canton (2001), readquiriu força, formas e conceitos inovadores no percurso da História da Arte ocidental, sendo que hoje ele pode ser construído como forma de buscar identidade, produzindo em seu autor até mesmo um estranhamento de si.

Ao analisar que a maioria dos participantes dessa pesquisa são adolescentes e, por esse motivo, estão em um período da vida, onde ocorrem mudanças físicas e psicológicas, no qual, aos poucos, vão buscando conquistar autonomia e a construção de suas identidades e de seus valores diante do estranhamento de si mesmos, acreditou-se que os diálogos com os trabalhos dos artistas, além do próprio fazer, poderiam ajudar na construção de seus conceitos particulares de identidade, além de ampliar a percepção de seu próprio “eu”. Também se deve lembrar que na sociedade os grupos se relacionam, excluem-se ou se ignoram. Assim, na sala de aula é relevante criar situações onde os educandos interajam, reconheçam e respeitem o outro, para construírem conhecimento sobre os conteúdos da arte, os quais são importantes na formação de leitores críticos e reflexivos.

Nessa direção, o principal objetivo do projeto foi despertar em alunos do Ensino Médio o interesse pela arte, a fim de construir conhecimento sobre seus conteúdos, a partir do tema identidade e auto-retrato. Igualmente, buscou-se lhes propiciar condições para que se tornassem leitores críticos e reflexivos, tanto da produção artística atual e de alguns momentos da História da Arte, quanto da cultura visual como um todo, de modo que, por meio da leitura dessas imagens fossem capazes de interpretarem a si mesmos e de responder aos apelos do mundo no qual estão inseridos. Ainda, foi proposto o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade e criticidade mediante produção plástica e textual, além da dialogicidade em sala de aula. Ao mesmo tempo, visou-se o estudo das diferenças na representação e no conceito de identidade e auto-retrato, por meio de alguns momentos da História da Arte, buscando-se enfatizar, principalmente, a arte contemporânea através da contextualização das imagens artísticas, relacionando-as a fatos do cotidiano dos adolescentes. Além do mais, objetivou-se que os alunos retratassem a si próprios, numa tentativa de leitura de suas características físicas e/ou da interioridade emocional, refletindo seus contextos culturais e ajudando na percepção da própria identidade. Por fim, também se buscou trabalhar a identidade individual e grupal dos educandos, respeitando-se as diferenças.

Na tentativa de atingir esses objetivos, ao longo das aulas, foram detectadas necessidades e dificuldades dos estudantes, as quais exigiram modificações em propostas planejadas, como a inclusão de conteúdos que não estavam previstos no projeto. De tal modo, procurou-se partir do aprendizado que os alunos tinham, tentando-se solucionar essas dificuldades, obtendo-se resultados positivos em diversos pontos.

Breves considerações sobre identidade e auto-retrato

Na História da Arte Ocidental, a construção de auto-retratos se faz presente em grande parte de seu percurso. O desejo da auto-representação é inerente ao ser humano. Uma prova disso se evidencia a partir da pré-história, pois Conforme Canton (2004, p.5): “[...] homens e mulheres desenhavam suas identidades com a marca das mãos dentro das cavernas. Colocavam as mãos contra a parede e sopravam pó colorido, marcando suas formas nesses locais protegidos, para que ficassem gravados para a posteridade”. Nesse sentido, o homem sempre esteve buscando sua própria identidade e a identidade grupal.

Com o passar do tempo, no final da Idade Média, Giotto Di Bondone, pinta um mural na parede da capela Arena, em Pádua, na itália, chamado “Juízo final”. Nessa pintura, segundo a autora citada, o artista se coloca entre os retratados para se incluir no meio dos homens eleitos ao paraíso. No entanto, o auto-retrato se populariza a partir do renascimento, onde o ser humano se tornou o foco das preocupações da vida e do imaginário dos artistas. Dessa forma, o retrato e o auto-retrato passam a ser um dos gêneros mais conhecidos da pintura, utilizados na ausência da fotografia. Os artistas são contratados para retratar pessoas importantes, de alto poder econômico e, assim, também começam a pintar seus próprios rostos.

Com o passar do tempo a forma de auto-representação do artista acaba se modificando, já que, com o advento da fotografia, não há motivo para uma pintura realista. De tal modo, no modernismo, os artistas ampliam suas formas de se auto-retratar, podendo, eles utilizarem-se dos mais variados meios e linguagens artísticas. Hoje, o auto-retrato adquire novos conceitos. Por isso, afirma Canton (2001, p. 68):

[...] a auto-imagem contemporânea não se constrói como mera representação narcísica. Ao contrário, se ela se mantém como uma forma de reivindicar identidade, seu foco está na produção de um estranhamento, uma sensação de incômodo – aquela reminiscente à sensação de se olhar no espelho e não se reconhecer”.

Assim, o auto-retrato não é construído como mera representação, mas como forma de buscar identidade. Através dele o artista interpreta-se a si próprio, mas, nem sempre identifica sua aparência física, o que lhe possibilita, ao mesmo tempo, um estranhamento de si próprio.

Isso ocorre porque no contexto atual uma crise identitária permeia o ser humano. As relações sociais são guiadas por identidade e estranhamento, onde as pessoas se compreendem ou se opõem, contemplam-se ou estranham-se, o que revela diversidades e desigualdades, acomodações ou oposições. Todas essas mudanças desestruturam a identidade pessoal de cada ser como sujeito integrado. A respeito desse assunto, Cocchiarale (2001/2003, p. 5) assegura:

“A propalada crise do sujeito, típica do estágio atual da vida contemporânea, coincide, essencialmente, com a crise das noções de identidade e de unidade.

Indispensável para o sucesso epistemológico, tecnológico e econômico da civilização ocidental, o pensamento dualista, fundado na oposição de identidades claras e distintas, começou a ser desmontado, ainda na segunda metade do século XIX. Inicialmente teórico esse desmonte, promovido pela antropologia, história, sociologia, psicanálise e filosofia, levou à eclosão da tão discutida crise do sujeito que hoje se faz sentir em todos os níveis da vida social e psíquica”.

Assim, a identidade pessoal é entendida, não como algo estático, mas encontrando-se em constante estado de transição e construção. Com o passar do tempo surgem mudanças na própria visão de si. Por isso, o artista se vê cada vez de uma forma diferente e peculiar. A captação da auto-imagem investiga a busca de sentido em meio à fragmentação do indivíduo. Apesar da construção da identidade parecer individual e subjetiva, ela acontece em um âmbito coletivo, pois de acordo com Hernández (2005, p.28 e 29)

“[...] a identidade está socialmente construída e se modifica ao longo do tempo [...] os sujeitos estabelecem sua identidade através de uma série de relações e identificações com o entorno e com os outros. Relações que tem a ver com seus desejos, fantasias ou fantasmas pessoais e coletivos, as crenças e as regras das instituições com as que se relacionam.

[...] Neste contexto, o sujeito assume distintas identidades em diferentes momentos de sua vida. Identidades que não estão unificadas em torno de um ser coerente, ordenado e racional senão que os diferentes aspectos da identidade de uma pessoa estão em transição e são dinâmicos”.

Portanto, considerar a identidade como realidade única, completa, segura e coerente seria inadequado na compreensão da maneira com que as pessoas constroem suas identidades e na forma com que os artistas produzem seus auto-retratos. Nessa direção, o fato do sujeito não se ver nem se reconhecer, muitas vezes, é o que motiva a construção de um auto-retrato. Logo, o auto-retrato pode permitir que seu produtor se enxergue de uma forma mais verdadeira, assuma uma identidade, sinta um estranhamento de si ou revele apenas o que achar oportuno.

O Ensino da Arte

Trata-se da mediação realizada pelo educador entre os conteúdos artísticos, e os conhecimentos que o aluno já possui[2]. O Ensino da Arte é encarado como uma possibilidade para compartilhar identidades, através do diálogo, tendo por objetivo possibilitar a construção de saberes e conhecimentos, pois se acredita que a principal função de um professor de arte é construir conhecimento sobre os conteúdos de sua disciplina, além de encarar essas aulas como uma área de conhecimento com conteúdos e objetivos. Para isso, é importante a contextualização dos conteúdos artísticos ao universo do aluno. Isso faz do professor um mediador, que recorre a outros campos de conhecimento, não somente para esclarecer as dúvidas dos alunos, mas para fomentá-las. Dessa forma, é possível produzir sentido às obras.

Para Pillar (2003) o sentido é atribuído pelas informações que o leitor tem, sendo relevante observar que esse sujeito tem uma história de vida. Acredita-se que essa aproximação do educando é fundamental, já que ao relacionar imagens artísticas às imagens que fazem parte do cotidiano do aluno, é possível uma melhor compreensão do conteúdo artístico e a reflexão sobre o contexto atual. Nessa direção, Hernández (2000, p.54) afirma que “O objetivo da aprendizagem é estabelecer relações entre os conhecimentos que se possui e os novos problemas-situações apresentados a quem aprende”. Por isso, o mediador deve estar consciente e atento aos conteúdos, conceitos e particularidades da arte e despertar no aluno interesse por ela, além de aprender sempre com o educando. Assim, o professor deve trabalhar o individual e o grupal, os conceitos estéticos, a leitura visual e a produção artística, cabendo a ele estar em constante construção, buscar formação contínua e investir em novos conhecimentos, pois só pode ensinar o que sabe.

Metodologia utilizada

Este estudo consistiu numa pesquisa participante, a qual visa produzir conhecimento de modo coletivo. Ao desenvolvê-lo, utilizou-se a abordagem qualitativa, que segundo Lüdke e André (1986), trata-se da obtenção de dados descritivos, através de contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatizando o processo dos participantes. Por esse motivo, foram consideradas as particularidades de cada sujeito, com atenção aos dados de sua realidade e observação de suas condutas, através de falas e trabalhos teóricos e artísticos, na tentativa de captar o próprio processo de aprendizado em sua totalidade. Para esse fim, os instrumentos de coleta de dados utilizados foram: observação participante, diário de Campo e análise documental.

Nas aulas com a turma a abordagem ocorreu de maneira informal e descontraída. Estruturadas as aulas, os procedimentos adotados, de forma geral, foram os seguintes: 1)Realização de um estudo teórico preliminar referente ao tema identidade e auto-retrato, através da História da Arte, artistas, etc. 2)Obtenção de um conhecimento da realidade da comunidade escolar, assistindo-se algumas aulas de arte com a professora anterior e visitando-se a escola para conhecer alguns de seus setores e funcionamento. 3)Realização de um retrato sócio-cultural e artístico dos alunos. 4)Apresentação dos objetivos e conteúdos das aulas de Arte e dos critérios de avaliação à turma. 5)Exploração dos conteúdos de Arte ao longo do período em que se esteve na escola. De forma geral, a aula tinha uma parte teórica, onde conteúdos conceituais, factuais e atitudinais eram explorados, e uma parte prática, na qual trabalhavam-se conteúdos procedimentais, de acordo com a tipologia dos conteúdos de Zabala (1998). 6) Solicitação de registros escritos onde os alunos avaliassem as aulas, dessem sugestões e respondessem o que estavam aprendendo, para que se pudesse detectar as atividades que deram certo, verificando se os objetivos das aulas estavam sendo alcançados, as falhas e os motivos.

Relato de algumas aulas de Artes Visuais

Na primeira aula, o contato inicial com a turma foi fundamental para conhecê-la, observando-se o que os alunos gostam e o que sabem com relação à Arte, para partir de seu contexto na construção de novos conhecimentos. Dessa forma, após as apresentações e conversa sobre o procedimento com relação à disciplina, foi destacada a importância do diálogo e da disponibilidade em ouvi-los, com a intenção que falassem, participassem e questionassem ao longo das aulas. Ademais, colocou-se que se havia ouvido muitos elogios a respeito da turma, pois de acordo com Iavelberg (2003, p. 11) “o aluno precisa sentir que as expectativas e as representações dos professores a seu respeito são positivas, ou seja, seu desenvolvimento em arte requer confiança e representações favoráveis sobre o contexto de aprendizagem”. Alguns alunos comentavam: “hááá... sôra, infelizmente lhe enganaram”, demonstrando a representação negativa que possuíam de si mesmos.

Em um segundo momento, buscou-se fazer um conhecimento sócio-cultural da turma, procurando-se saber quem são, o que gostam de fazer e quais são suas atividades fora da escola. Ao falar de si alguns quiseram que o colega o descrevesse, mas ao fim todos se apresentaram. Em seguida, solicitou-se que cada um escrevesse um texto falando de si. Alguns falaram de si e logo abaixo pediram a um colega que complementasse, deixando uma espécie de depoimento sobre o outro. Em seus textos surgiram mais coisas do que ao falar, como atividades que exercem, aulas e professores que não gostam, o que pretendem ser, além de características pessoais de cada um.

Num terceiro momento, buscou-se analisar qual o conhecimento artístico da turma, verificando-se o que já estudaram sobre a Arte. Conforme alguns foram falando, realizaram-se anotações no quadro-negro. Mais tarde, foi distribuído um texto sobre o conceito de arte. Solicitou-se que cada estudante fosse lendo uma frase, enquanto se faziam intervenções com perguntas e explicações. Para surpresa, vários alunos queriam começar a leitura e foram bem participativos. Quando o texto falava sobre “leitura de obra de arte” perguntou-se se eles sabiam o que significava. Muitos disseram que nunca ouviram falar, outros ficaram quietos, apenas “Gabri” deu sua opinião: “é interpretar uma obra, falar dela o que vê nela”, então, aproveitou-se para explicar esse assunto.

Ao final da leitura do texto “Nat” disse: “sôra a senhora fez uma coisa inédita até hoje, fez todo mundo ler um texto”. Falaram que nunca tinham realizado leituras na aula de arte onde a maioria da turma participasse. Por fim, solicitou-se que escrevessem suas primeiras impressões da aula e sugestões. Através de seus escritos, percebeu-se que para um primeiro encontro foi possível uma interação significativa junto à turma.

Destacam-se alguns fragmentos de seus textos:

Dai: “gostei da aula divertida, diferente. Gostei da professora, é legal, parece ter muitas idéias novas”.


Rê: “houve até um interesse geral da turma, coisa que não é comum acontecer”.
Dan: “a aula foi bastante interessante, produtiva, pois dentre as atividades, conheci em minutos alguns dos afazeres de meus colegas [...] também tive a necessidade de me conhecer para falar o que penso sobre mim”.
Luci: “gostei das apresentações”.
Dud: “... acho que você se expressou bem, conseguiu “prender” a turma”.
Zic: “a aula de hoje foi bastante criativa, foi diferente das outras e escrevemos mais que todas as aulas anteriores...”.

Quanto às sugestões dadas foram:

Ket: “filme e trabalhos em dupla”.
Zic: “na minha opinião poderia ser mais artístico, com desenhos”. 
Dai: “a aula poderia ser sempre assim, enquanto que não tenha bagunça”.
Dud: “já na primeira aula propôs para nós irmos à exposição. Espero que continue assim”.
Nat: “eu só acho que a gente prefere sentar em grupos do que em círculo”.
Lu: “...gostaria que tivesse bastante desenhos”. Ana:“sugiro aulas práticas...”.
Dan: “Eu gostaria de que as aulas não fossem monótonas, com um pouco de criatividade e pulso firme acho que tu consegue levar a turma numa boa”.
Luci: “queria que seja assim sempre, mas trabalhando com mais desenho”.
Rê: “...poderia era ter trabalhos com desenhos, mesmo muitos não gostando muito de desenhar, mas a cada matéria poderia ter uma avaliação sobre o assunto tratado”.
Thom: “eu prefiro desenhar nas aulas”.

À medida do possível, as sugestões foram atendidas e discutidas nas aulas posteriores.

No segundo encontro, tentou-se entrar mais especificamente no tema do projeto que é identidade e auto-retrato. Mostraram-se obras de diversos períodos e artistas possíveis de serem relacionadas ao auto-retrato ou identidade, por meio de lâminas no retroprojetor. A partir das imagens realizaram-se questionamentos à turma. Também falara das diferenças entre as pessoas e na forma com que cada artista se auto-retrata, citando linguagens, períodos e técnicas artísticas presentes nas imagens. Além disso, foi trabalhado um texto sobre auto-retrato, identidade e estranhamento. A turma foi dividida em quatro grupos, havendo a discussão oral entre os grupos. Percebeu-se que entenderam o conceito de auto-retrato e identidade. Alguns componentes permaneceram mais calados, ou somente realizaram a leitura oral.

Posteriormente, solicitou-se que construíssem seus auto-retratos a partir do texto escrito na aula anterior, onde cada um falou sobre si. Foram disponibilizados diversos materiais para que utilizassem técnica mista. Aconselhou-se que pensassem numa justificativa para os trabalhos e numa relação com eles. Pelo que foi observado nos trabalhos plásticos iniciados, alguns escreveram seu nome, outros utilizaram estereótipos, como corações e borboletas. Acredita-se que isso ocorreu devido à ausência de referencias visuais na construção dos trabalhos.

 

Fig. 2. Presença de estereótipos nos trabalhos. Fotografia da autora.

A identidade pessoal talvez tenha sido trabalhada durante o fazer artístico, mesmo assim, a maioria da turma teve dificuldade na construção de seus trabalhos. Muitos tinham dúvidas de como fazer e o que fazer. Quando todos, finalmente, estavam concentrados soou o sinal sonoro para terminar a aula. Todos se olharam, ficou um silêncio, até que alguém disse: “aula boa é assim, a gente nem vê passar”.

Devido ao grande interesse da maioria da turma em desenhar e por ter percebido que, apesar de suas vontades, os alunos possuíam muita dificuldade, na terceira aula, foram abordadas algumas técnicas e materiais referentes ao desenho, para facilitar o momento da construção plástica. Foram mostrados desenhos de autoria própria, utilizando diversas técnicas, enquanto se falava de vários aspectos do desenho. Os estudantes demonstraram bastante interesse, realizando questionamentos.

Por fim, foi proposto aos educandos que continuassem os trabalhos plásticos iniciados na aula anterior. Depois que se falou e mostrou desenhos, constatou-se que alguns alunos deixaram de lado os desenhos da aula anterior, começando um novo trabalho. Outros continuaram os mesmos trabalhos, procurando redimensioná-los, colocando outros elementos no fundo. Como muitos estavam sentados em grupos, sofriam influências dos colegas que estavam perto, em relação à técnica, ao material ou à temática.

 

Fig.3 Influência do trabalho do colega. Fotografia da autora.

As coisas faladas e mostradas em aula também influenciaram, de alguma forma. Por exemplo, duas alunas que estavam sentadas juntas foram influenciadas pela obra mostrada: “Sendo um anjo 1” de Edouard Fraipont, pois as duas se auto-retrataram como anjo. Algumas meninas, apenas escreveram e pintaram seu nome, ou o nome de alguém que se identificam. A presença de estereótipos como corações, pássaros, borboletas, nuvens, foram comuns.

 

Fig.4. Trabalhos de duas alunas influenciadas pela imagem do artista Edouard Fraipont, fotografados pela autora.

Como tiveram problemas ao fazer seus auto-retratos, “Vivi” sugeriu que nas próximas aulas fosse utilizado algum modelo ou referencial. “Ara”, a aluna com deficiência visual, teve muita dificuldade, sendo preciso ajudá-la. O material utilizado em seu trabalho foi giz de cera, o que não a ajudou. Nas próximas aulas foi necessário o trabalho com materiais possuidores de relevo, pois “Ara” precisou explorar o tato. Nesse sentido, Baumel e Castro (2003) falam da importância do uso de materiais junto aos deficientes visuais, uma vez que os consideram suportes do ensino. Já os desenhos de “Pa” (outro aluno com deficiência visual) apresentaram traços infantis e muitos estereótipos.

Diante da proposta de compartilhar, de forma oral, os trabalhos com os colegas, surgiram dificuldades, pois alguns estudantes ficavam tímidos, outros falavam baixo demais, enquanto outros não prestavam atenção nos colegas. Quando se pedia silêncio, eles atendiam, entretanto os colegas que iriam apresentar ficavam envergonhados querendo desistir de falar. Os estudantes mais falantes faziam brincadeiras com relação a seus trabalhos. Já ao escrever sobre os mesmos, os alunos foram mais sérios, conseguindo relacioná-los consigo. Na grande maioria dos trabalhos, houve uma atribuição de sentido pelos alunos, que os identificaram com suas personalidades.

Nesse momento, ainda não foi possível que os alunos construíssem um entendimento mais aprofundado sobre o desenho, porém tiveram contato com alguns materiais e técnicas, através da visualização dos trabalhos levados e do próprio fazer. Diante do fato dos alunos terem mostrado dificuldade na construção de trabalhos plásticos e da falta de uma referência visual, observou-se que a grande maioria dos estudantes recorreu aos estereótipos novamente. Por isso, na quarta aula, foi importante trabalhar o desenho de observação para que buscassem outros meios para desenhar, mesmo que isso não fizesse parte das aulas planejadas. Acreditou-se que apresentar um documentário sobre desenho seria de interesse da turma, já que entre as sugestões para a aula estava “assistir filmes e vídeos”.

Como na aula anterior não deu tempo de propor uma retrospectiva escrita, para se avaliar o que os alunos estão aprendendo, esse trabalho foi solicitado. Nesse sentido, são apontados alguns fragmentos de seus textos:

Rê: “aprendi que cada um tem seu jeito de se auto-retratar, pois as mudanças são constantes em cada pessoa, e o que somos hoje, amanhã ou depois podemos mudar nossas opiniões, mudar nosso jeito de pensar ser e agir”.

Lu: “aprendi que existem muitos tipos de arte”.

Dud: “Tivemos poucas aulas, mas o auto-retrato foi o mais legal, pode-se trabalhar com várias coisas além do auto-retrato físico [...] a arte tem importância cultural, sempre tem algo à acrescentar, tanto a técnica como o contexto”.

Vi: [...] na aula a gente aprende como a arte é importante na nossa vida”.

Dai: “aprendi melhor sobre o auto-retrato, a arte não é feita só de uma forma é feita de vários tipos”.

Ket: “aprendi o que é auto-retrato e o que é arte [...] a aula teve importância, pois não são simples aulas. Aprendemos algo a mais do que só desenhar e pintar”.

Gabri: “Aprendi algumas coisas sobre a arte e seus conceitos e também sobre como é visto o auto-retrato e como possivelmente o artista pensa para fazer seu auto-retrato”.

Luci: “aprendi que arte é tudo o que podemos criar e atiçar os nossos sentidos [...] acho que nos estamos trabalhando tudo, usando a parte teórica e prática da arte”.

Thom: “a arte é um jeito do artista impor seus sentimentos”.

Zic: “A arte não é definida só como uma forma de desenhar, rabiscar é a forma de mostrar um pouco de si mesmo. Eu aprendi que a obra por mais “feia” que seja, devemos respeitar o sentimento de cada um, de se expressar [...] além de me ajudar a desenhar melhor, as aulas nos mostrou muitas formas de observação em uma obra”.

Van: “Conheci um pouco mais sobre mim mesma”.

Luc: “aprendi varias coisas que eu não sabia por exemplo um trabalho, um desenho que fiz na sala de aula com tinta”.

Ana: “que a arte envolve criatividade, aprendi o que é auto-retrato, o que é arte [...] teve importância sim, a importância de trazer e fazer desenhos (auto-retratos). A importância de aprender a parte teórica da arte em si”.

Num segundo momento, falou-se da falta de referências visuais, além de buscar outras formas de desenhar, deixando de lado os estereótipos, esclarecendo o que seriam e explanando o desenho de observação. A princípio iriam assistir um vídeo sobre “o desenho de rostos a partir de modelo vivo”, um vídeo gravado da “TV Escola” pertencente à série denominada: “A mão livre: a linguagem do desenho”. Entretanto, o volume da televisão era muito baixo, os alunos mostraram interesse em assisti-lo, permanecendo em silêncio, mesmo assim, foi impossível escutá-lo. Então, o vídeo foi retirado e se pediu que algum aluno servisse de modelo para a turma desenhar.

Assim, “Rê” ficou pousando, enquanto explicava-se como fazer a estrutura da cabeça, as proporções, luz e sombra. Percebeu-se que no início da aula muitos não estavam fazendo um desenho de observação, uma vez que a modelo estava quase de perfil, em relação a alguns, e eles a desenhavam de frente, deixando que os estereótipos lhes influenciassem novamente. Ao longo da aula se foi passando em todas as classes realizando a mediação necessária. De forma geral, os rostos ficaram mais proporcionais, pois eles tentaram modificar algumas coisas em seus desenhos, os quais ficaram mais espontâneos e soltos. Ainda existem muitos problemas, mas, depois da mediação melhorou a proporção das figuras, sendo possível visualizar o ângulo em que elas se encontravam. Também trabalharam a luz e sombra, redimensionando alguns elementos do desenho, sendo possível perceber que houve uma observação. Apesar de haver progressos, seria necessário o trabalho continuo com esse tipo de desenho para que houvesse a solução de certos problemas.

    

Fig. 6. Desenhos de observação dos estudantes fotografados pela autora.

Tentou-se adaptar a atividade à “Ara”, propondo-se que trabalhasse utilizando o tato para tentar construir o próprio rosto com massa de modelar sobre um papel. Ela fez o trabalho, entretanto quase não usou o tato. “Pa” insistiu em desenhar de observação, e não o fez, já que afirmou: “o meu desenho eu nem olhei para fazer. É desenho psicológico”. Assim, trabalhar desenho de observação com alunos com deficiência visual é difícil, pois necessitam mais atenção. No entanto, isso não é algo impossível, já que eles podem desenvolver a percepção através do tato. Por isso, de acordo com Gil (2000), é preciso oferecer oportunidades para que as pessoas com limitações em seu relacionamento visual com o mundo possam desenvolver sua capacidade física e mental. De modo geral, acredita-se que a turma entendeu o que é um desenho de observação.

Fig.7. Trabalho de “Ara” fotografado pela autora.

Como no decorrer das aulas foi observado que os alunos não conheciam as linguagens das artes visuais, mesmo as mais tradicionais, chamando tudo de “desenho”, foi necessário propiciar-lhes o conhecimento de algumas linguagens e técnicas das artes visuais, para que pudessem distinguir a natureza de algumas obras de arte, o que poderá contribuir na leitura de imagens. Dessa forma, foi dado um retorno à turma sobre os desenhos da aula anterior e das retrospectivas e sugestões. Falou-se das linguagens mais tradicionais como a pintura, a escultura, o desenho e a gravura.

Posteriormente, a turma foi dividida em quatro grupos. Cada um recebeu um texto sobre linguagens das artes visuais, além de livros. Foi proposto a cada grupo a escolha de uma linguagem para explicar para o restante da turma. Os grupos deveriam procurar nos livros imagens correspondentes às linguagens para apresentar aos demais. Foi dado um tempo para que cada grupo preparasse o que iria apresentar e para olharem as imagens nos livros. Enquanto isso, passou-se nas classes realizando a mediação.

Os meninos, “Thom”, “Luc”, “Gabri” e “Ca”, ficaram com escultura, porém, durante a preparação do trabalho não paravam de rir e cochichar. Percebeu-se que riam das imagens, especialmente porque haviam esculturas de figuras nuas. Entretanto, para Rossi (2003, p.27) “... mesmo que não aconteça um engajamento, toda a imagem vista torna-se um catalisador, que ativa as percepções do leitor para um próximo encontro com a arte”. Assim, o importante foi que mesmo através das brincadeiras eles foram tendo contato com imagens artísticas.

Esses meninos olharam um dos livros que tinha esculturas abstratas utilizando materiais menos tradicionais e “Gabri” falou: “sôra, isso aqui a senhora se enganou, não é escultura”. Disse que se trata de um monte de ferro retorcido. Foi sugerido a ele que tentasse observar melhor e fazer relações com o texto. Na hora da apresentação desse grupo surgiu o assunto de figurativo e abstrato. Perguntou-se se tinham algum exemplo de escultura abstrata para mostrar aos colegas. Eles responderam que não, pois todas eram figurativas. Questionou-se se estavam seguros, perguntando-se pelo livro que eles não haviam gostado. Eles, rapidamente entenderam que aquilo que afirmaram não ser uma escultura era uma escultura abstrata.

O grupo da gravura foi formado por “Ket” e “Daí”. Elas costumavam ser tímidas em sala de aula, e, ficou-se alegre com suas participações. Elas apresentaram sobre xilogravura, litografia e gravura em metal, mostrando imagens. O grupo que ficou com desenho foi “Ara”, “Pa”, “Ana” e “Luci”. Pediu-se que “Ana” e “Luci” ajudassem “Ara” e “Pa”, lendo os textos em voz alta. O grupo da pintura foi formado por “Zic”, “Wa”, “Hel” e “Van”. “Zic” ao olhar os livros afirmou que odeia arte abstrata. Perguntou-se o motivo e ele respondeu que não consegue identificar as formas. Foi questionado se ele acha que a arte tem que ser realista. Ele disse que não, mas que acha feio, que para ele arte abstrata não é arte, pois não é bonita. Comparou a obra de Rubens à de Picasso, dizendo que a de Rubens é bonita, mas a de Picasso é feia, considerando sua obra abstrata. Tentou-se explicar que eram artistas de épocas diferentes, que a forma de representação era outra. Mesmo assim, ele disse que não adianta que ele não consegue gostar de “Arte Abstrata”. Falou-se que vamos estudar História da Arte para ver como essas mudanças na forma de representação ocorreram.

Com as colocações de “Zic” e “Gabri” notou-se que eles têm um conceito de que a arte deve ser o belo, o bonito, não o que cause estranhamento ou situações que não sejam agradáveis. Alguns não toleram trabalhos que apresentem deformações e abstrações. Ao transcorrer das falas, foi observado que para eles as obras modernas já causam estranhamento, o que torna complicado trabalhar muitos assuntos relacionados à Arte Contemporânea, uma vez que não a aceitariam como arte. De tal forma, posteriormente, foi necessário o estudo de alguns momentos da História da Arte para que entendessem um pouco da Arte Moderna e Contemporânea.

Posteriormente às apresentações, levaram-se trabalhos de autoria própria em várias linguagens e técnicas para verificar se saberiam distingui-las. Esse exercício foi muito satisfatório, pois as dúvidas e questionamentos foram surgindo. Felizmente, a maioria se mostrou interessada em dar sua opinião. Muitos alunos acertavam de que linguagens se tratavam os trabalhos. Quando erravam, perguntava-se aos outros até que acertassem. Onde mais surgiram polêmicas, foi com relação à gravura que, muitas vezes, pensavam se tratar de desenhos, especialmente a Litografia.

Também, mostraram-se as matrizes, explicando-se como se faz uma gravura. Os trabalhos foram passados nas classes para que os alunos tivessem um contato. Isso foi bom para “Ara”, que pôde tocar nos trabalhos que tinham texturas e relevos. Parece ter sido possível a identificação das diferenças nas principais linguagens artísticas. A compreensão pode ter se dado melhor através do contato real com os trabalhos artísticos do que com os livros ou texto.

No sexto encontro, deu-se início ao estudo da História da Arte, já que é o conteúdo disciplinar do Ensino Médio. Começou-se pela Arte na Pré-História, questionando-se aos alunos se já haviam estudado-a na aula de Arte ou História e o que lembravam, “Pa” disse que eram pinturas e desenhos feitos nas cavernas. Aí, explicou-se sobre o período e sobre as “mãos em negativo”, as quais podem ser relacionadas ao tema do projeto.

Ainda foi falado das pinturas de animais e prováveis explicações para a construção dessas imagens. Tentou-se exemplificar isso comparando as imagens a coisas conhecidas do cotidiano. Ao mesmo tempo, mostravam-se imagens através de reproduções impressas e livros, que foram passados nas classes para uma melhor visualização.

Num segundo momento, mostraram-se três imagens: “Mão em negativo” (arte rupestre), “sem título” de Pilar Sallum (arte contemporânea) e uma imagem da cultura visual de uma carteira de identidade. A partir delas, foram realizadas indagações, tentando-se relacionar as imagens entre si e ao tema do projeto.

Mais tarde, distribuiu-se um texto sobre a arte na Pré-História, realizando sua leitura e discussão. Como tinha uma colega fazendo observação da aula, aproveitou-se para apresentar alguns de seus trabalhos em aula, pois ela utiliza o material que seria explorado na próxima proposta. Falou-se sobre o processo artístico da colega e da construção de seus trabalhos com terras de diferentes cores, passando-se dois trabalhos da colega nas classes dos alunos.

Assim, foi proposto um trabalho artístico, com o seguinte questionamento: Se você tivesse que deixar um vestígio seu para a posteridade qual seria? Explicou-se que poderiam fazer referência a coisas ou pessoas que fossem importantes para eles, representar partes do corpo, objetos ou pessoas que se identificassem, utilizando diferentes tonalidades de terra diluída em água, em razão do homem da Pré-História usar pigmentos naturais em seus trabalhos. “Ara” e “Pa” trabalharam com a argila, em razão do relevo, que os ajudou. Cada aluno escreveu atrás do próprio trabalho no que pensou, pois não quiseram explicá-los aos colegas. Percebeu-se que não gostam de apresentar os trabalhos, devido à relação que possuem consigo mesmos, importando-se com o que os colegas iriam pensar ou com possíveis brincadeiras.

Fig.8. Trabalho de “Pa”, fotografado pela autora.

A aula pareceu produtiva, mesmo que uma minoria não estivesse prestando atenção à parte teórica, sempre demonstram interesse nas imagens, o que os ajuda a fixar alguma coisa, mesmo que de forma inconsciente, à respeito do conteúdo. Também pareceu que ficou clara a relação que se tentou fazer entre a arte atual e a Pré-histórica. Eles demonstram gostar quando são levados trabalhos originais na aula. A produção plástica, geralmente é um momento descontraído da aula, onde os alunos se soltam, pedem opinião e questionam. Quanto ao fazer artístico, todos trabalharam com o material proposto, utilizando como referencial coisas ou pessoas que se identificam, como flores, Deus, colegas ou um auto-retrato.

    

Fig. 9. Trabalhos dos estudantes utilizando terra, fotografados pela autora.

A sétima aula se tratou da Arte na Idade Média e Renascimento. Antes, falou-se da arte Paleo-cristã e sua simbologia, da Arte Bizantina, na qual era utilizado o mosaico e a encáustica. Para que os alunos pudessem compreender melhor essas técnicas, levaram-se trabalhos próprios que foram passados nas classes, permitindo um contato visual e tátil com a técnica. Além disso, levaram-se imagens de livros e impressas que também foram passadas aos alunos. O grupo parece gostar desse contato com os trabalhos originais e imagens, pois questionaram sobre o material, a técnica e a temática.

Continuou-se a explanação do conteúdo, falando da arte na Idade Média. Questionou-se sobre o gótico, que já tinha sido estudado com a professora anterior. “Dud” mencionou as figuras alongadas e o formato das janelas na arquitetura. Então, tratou-se sobre o período, mostrando-se uma reprodução de um detalhe da obra “Juízo final” de Giotto, explicando a relação dessa obra com o auto-retrato. Posteriormente, foi explanado o Renascimento, as mudanças no pensamento, além da popularização do auto-retrato, tentando-se contextualizar e comparar o Renascimento ao período atual. Mostrou-se a reprodução de uma obra de Dürer “Auto-retrato com casaco de peles”, realizando-se questionamentos à turma.  

Mais tarde, foi realizada a leitura oral de um texto sobre a arte na Idade média e no renascimento pelos alunos, que foram se revezando. Explicou-se que tanto na Idade Média quanto no Renascimento, estão sendo discutidas crenças e, a identidade, também, é formada por crenças. Explicou-se que como a identidade se encontra em transição, essas mudanças se dão em razão das crenças que também se modificam à medida que se conhecem outras coisas. Dessa forma, mesmo hoje, artistas continuam utilizando suas crenças como referencial na criação artística. Mostraram-se alguns livros com imagens de artistas contemporâneos e de outros períodos que trabalharam diversas crenças, não somente religiosas. Em seguida, foi proposta a construção de um trabalho onde os alunos mostrassem suas crenças ou descrenças, podendo elas estar relacionadas à religião, à ciência, à sociedade, ao homem, enfim, a coisas que fossem verdade para eles. Todos trabalharam utilizando técnicas diversas. Alguns trabalharam a monotipia em isopor impressa em papel. Muitos utilizaram símbolos religiosos.

 

Fig. 10. Trabalhos sobre crenças, fotografados pela autora.

A oitava aula teve como objetivo estudar a Arte Moderna através do conceito de auto-retrato, identidade e estranhamento. Além disso, visou desmistificar a idéia de que a Arte deve ser o bonito e o bem acabado, implícita nas falas de alguns alunos, em aulas anteriores. Também, buscou-se que aceitassem como Arte obras abstratas, que apresentem interpretações ou deformações no referencial utilizado para a produção da imagem.

Para isso, foram estudados alguns movimentos da Arte Moderna, como o Expressionismo, o Fauvismo, o Cubismo e o Futurismo. Ao mesmo tempo, mostravam-se imagens impressas e outras em livros, e os alunos aproveitavam para fazer colocações ou perguntas. Uma aluna falou: “Sôra, tem uma coisa que eu não consigo entender, como que esses artistas conseguiam desenhar, inventar um jeito novo de pintar e criar? Isso era o que, um dom? Só podia ser, porque eu não consigo nem pegar um lápis direito.” Aí, discutiu-se sobre esse assunto, tentando-se desmistificar a idéia do artista enquanto gênio e do dom.

Mais tarde, entregou-se um texto sobre o assunto tratado e uma aluna pediu para realizar a leitura. Alguns estudantes leram o texto oralmente para o restante da turma. Depois, foi proposto um trabalho, para a próxima aula, onde cada aluno escolheu um artista referente aos momentos estudados da História da Arte, para pesquisar e apresentar na próxima aula. Este trabalho foi proposto para que pudessem conhecer outros artistas que não foram abordados e, também, para verificar se iriam desenvolver a tarefa, pois até o momento, todos os trabalhos tinham sido realizados em sala de aula.

Depois que todos os alunos presentes escolheram um artista, foi solicitado um trabalho onde cada um se auto-retratasse, fazendo alterações em sua imagem, já que o modernismo realizava muitas deformações e interpretações partindo de um referencial. A idéia foi que se olhassem num espelho ou em uma foto e fizessem desenhos rápidos, sem muitos detalhes, utilizando lápis 6B. A maioria da turma compreendeu a proposta, realizando uma série de desenhos rápidos. Outros acabaram fazendo apenas um desenho, com várias das características solicitadas e detalhando-o.

 

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Fig.11. Auto-retratos dos estudantes se deformando, fotografados pela autora.

Na nona aula, buscou-se dar continuidade aos movimentos da Arte Moderna, visando-se alcançar os objetivos propostos anteriormente. A princípio foi feito um levantamento para constatar quantos alunos haviam desenvolvido o trabalho de pesquisa sobre diferentes artistas, proposto na aula anterior. Como apenas uma minoria fez, a apresentação foi deixada para a próxima semana. Assim, retomou-se as aulas anteriores através de um esquema no quadro-negro, onde foram colocados conteúdos estudados, em forma de tópicos. Ao mesmo tempo solicitava-se a ajuda dos estudantes ao escrever. Observou-se que alguns não prestavam atenção, enquanto outros tentavam responder e ajudar na construção desse esquema, porém demonstravam muita dificuldade em lembrar os conceitos e fatos estudados. Essa é uma dificuldade dos alunos, pois, muitas vezes, parecem prestar atenção aos conteúdos e entendê-los, entretanto não conseguem explicá-los, parecendo que não houve a assimilação. Quanto a isso, Gauthier (1998) afirma que fatos são aprendidos por repetição, já que sua assimilação está relacionada a uma memorização significativa. Portanto, é importante que as novas informações se “mesclem” aos conteúdos já aprendidos.

Depois de fazer o esquema, deu-se continuidade ao estudo da Arte Moderna, com a explanação do Abstracionismo e Dadaísmo. Ao mostrar imagens impressas de obras de Duchamp, escutavam-se comentários dos alunos questionando “o porquê do artista fazer isso”. Então, buscou-se explicar melhor esse movimento. Quando se explicou o Surrealismo, mostrando-se imagens de obras de Salvador Dali em livros, os alunos pareciam gostar: “A obra desse artista é muito massa”. Por fim, falou-se da Pop-Art, mostrando-se imagens de obras de Andy Warhol e de Roy Lichtenstein.

Mais tarde, foi proposto aos alunos um trabalho escrito, onde buscassem responder o que aprenderam sobre História da Arte. Permitiu-se a consulta aos textos entregues nas aulas anteriores e se tentou estimular os educandos para que lembrassem das aulas e conteúdos estudados. Fazer esse trabalho foi válido, pois possibilitou que realizassem a leitura dos textos e uma retomada dos conteúdos estudados.

Ao final, conversou-se sobre leitura e interpretação de imagens, tanto artísticas, quanto imagens da cultura visual, explicando o que seriam. A fim de que exercitassem o pensamento crítico e reflexivo, destacou-se a importância de, antes de realizar uma leitura de imagem, questioná-las. A proposta foi que formassem duplas e, cada uma, escolhesse em livros uma imagem de um artista para elaborar questionamentos à obra, podendo eles estar relacionados à temática, à época, ás formas e às cores. Quase todos os alunos presentes entregaram os trabalhos por escrito. Ele foi relevante para que começassem a refletir sobre uma obra de arte. Nesse sentido, segundo Tourinho (2003, p. 33) “o ensino da Arte na escola não está em busca de soluções. Está em busca de provocações”. Assim, o trabalho pode ter despertado a curiosidade dos alunos sobre uma imagem artística, já que desenvolveram questões interessantes.

Na décima aula, visou-se estudar a arte contemporânea e aprender a fazer uma leitura de imagem. Quanto ao trabalho de pesquisa sobre um artista escolhido por cada aluno, a grande maioria não o entregou novamente. Por esse motivo, decidiu-se dar início à aula e foi cancelada a apresentação oral. Com a posterior leitura dos poucos trabalhos entregues, foi observado que apenas copiaram algumas coisas de livros ou da Internet sem ter uma reflexão sobre o que estavam escrevendo. Assim, constatou-se que é mais relevante desenvolver trabalhos em aula, do que fazê-los em casa.

Foi trabalhado um texto sobre Arte Contemporânea, solicitando a realização de sua leitura oral. Ao mesmo tempo, teceram-se comentários, elaboraram-se questionamentos e mostraram-se imagens em livros e catálogos de exposições de Arte Contemporânea. Foi solicitado que escrevessem o que aprenderam nessa aula sobre Arte contemporânea. Alguns alunos demonstram muita dificuldade de concentração para escrever. Outros escreveram com suas palavras o que entenderam, citando, até mesmo, exemplos próprios. Muitos apenas fizeram um resumo do texto entregue. Mesmo sendo difícil observar se realmente entenderam o conteúdo, o ato de escrever os obriga a realizar pelo menos a leitura do texto, o que pode ajudá-los na compreensão.

Em seguida, falou-se da importância em ler as imagens que convivem no cotidiano, como as que estão nas ruas, na televisão, já que exercem influencia nas pessoas. Foram citados exemplos. Falou-se, ainda, da leitura de imagens da Arte. Como foi estudada a arte contemporânea, a proposta dessa aula seria que realizassem a leitura de uma obra atual. Disponibilizaram-se livros e catálogos para que escolhessem imagens. Falou-se que buscassem escrever do que se trata a imagem, o que ela diz, descrevendo-a, falando de seus elementos, de sua temática, de seu significado, de suas relações com o mundo, com eles e com o artista, como foi produzida, suas cores e formas e se há uma identificação com ela. Ao final da aula, os alunos entregaram seus textos por escrito. Verificou-se que escrevem pouco e a maioria fez apenas uma descrição sobre os objetos reconhecíveis existentes nas imagens ou os dados da obra. Refletindo-se sobre os trabalhos entregues e relacionando-os aos níveis de compreensão de Franz (2003), é possível perceber que alguns se encontram no nível 1 (de compreensão ingênua), pois mostraram concepções intuitivas e de senso comum, enquanto outros se encontram no nível 2 (de compreensão de principiante), visto que misturaram idéias intuitivas à dados que já ouviram falar sobre a obra, aceitando-as passivamente sem questionar. Assim, seria necessário que a partir dessas leituras ingênuas se buscasse estimular o grupo para que chegassem a um nível de compreensão mais aprofundado sobre a Arte, o que leva tempo e estudo aprofundado, não sendo possível realizar em apenas dois encontros restantes.

No décimo encontro, relembraram-se características da Arte Contemporânea. Falou-se que dentro da diversidade dessa arte seria estudado o conceito de apropriação. Dessa forma, perguntou-se aos alunos o que eles entendiam por apropriação na vida cotidiana. Alguns pareciam querer explicar, mas não encontravam as palavras. Então, explicou-se o conceito, falando de baixar músicas e fotos da internet, tirar fotocópias de um livro sem a autorização do autor. Questionou-se como eles achavam que isso ocorre na arte. Não obtendo resposta, foi explicado o conceito de apropriação. Também, foram mostradas algumas imagens de artistas contemporâneos que possuíam características que poderiam estar relacionadas à apropriação.

Mais tarde, solicitou-se que a turma realizasse um trabalho artístico se apropriando de materiais diversos, levados à aula pela professora estagiária, tais como: imagens de revistas, objetos, imagens de obras de artistas, etc. Ainda poderiam utilizar materiais próprios. A idéia seria que fizessem algo somando objetos ou imagens que se identificassem, atribuindo-lhes sentido (a respeito do mundo, de si, de suas memórias, suas vidas, suas visões de mundo ou algo que gostassem). Também poderia ser uma crítica, uma ironia, com relação a algum assunto que fosse de seus interesses.

Os alunos estavam ansiosos para saber suas notas, pois sabiam que elas já haviam sido fechadas. Falaram-se as notas e deixou-se claro que o trabalho artístico dessa aula não valeria nota, mas seria necessário para o relatório da professora estagiária. Todos resolveram colaborar e trabalhar, apesar do calor e visível cansaço. “Gabri” falou: “Pode deixar, sôra, vou fazer um bem caprichado para a senhora levá”.  Já “Luc” disse: “Ai, sôra, as aulas de artes não vão mais ser as mesmas sem a senhora...”. Luc falou: “Aááh, sôra, se a senhora continuasse aqui na escola eu faria aula de artes de novo com a senhora”. Esses comentários demonstram a aceitação da professora estagiária por boa parte da turma.

Após terminarem os trabalhos artísticos, percebeu-se que realizaram somente colagens, resultando todos em trabalhos bidimensionais. Eles utilizaram elementos de imagens distintas, construindo uma figura humana, a qual apresentou diversas deformações e falta de proporção. Isso demonstra que já aceitam a idéia de que a arte não deva ser sempre o belo e o perfeito.

 

Fig.12.Trabalhos dos alunos apropriando-se de imagens. Fotografia da autora.

Por fim, solicitou-se aos alunos presentes que escrevessem o que acharam das aulas e da professora, quanto ao domínio do conteúdo, às propostas solicitadas em aula, e com relação ao relacionamento com os alunos. Deveriam colocar os pontos positivos e negativos. Também foi questionado se o tema “identidade e auto-retrato”, abordado, ajudou na reflexão sobre si e no entendimento da Arte.

Quanto às aulas escreveram:

Gabri: “Gostei bastante das aulas, teve muitos pontos positivos, comentamos sobre vários assuntos relacionados a arte. Pontos negativos não lembro de nenhum”.


Luc: “tudo o que fizemos nas aulas foram pontos positivos, foi muito alegre e produtivo”.
Dai: “a minha opinião sobre as aulas é que foram boas [...] gostei mais dos trabalhos práticos”.
Nat: “Eu acho que as aulas correram super bem, deu para perceber que todos tinham bastante interesse nas aulas. O conteúdo foi trabalhado de uma forma que ficou mais interessante e mais fácil”.
Ket: “Gostei de todos os assuntos que foram tratados [...] as aulas foram muito boas. Não tenho muito jeito pra arte, mas gostei”.
Tho: “[...] as aulas são muito boas, são divertidas e educativas. Eu não tenho o que reclamar das aulas, elas são ótimas e nós entendemos bem a matéria”.
Lu: “acho que as aulas foram super interessantes, as propostas bem legais os conteúdos foram bem trabalhados”.

Com relação à professora escreveram:

Gabri: “A relação com a professora foi boa, bastante comunicativa e sabe expressar-se muito bem. Ela teve no geral uma relação muito harmonioza com os alunos”.


Luc: “Ela domina bem o conteúdo sabe sobre a matéria ela é meio envergonhada no começo mais depois se soltou ficou bom”.
Dai: “as vezes o “clima” na sala não era legal por causa da “bagunça” [...] sobre a professora acho que consegue explicar bem o conteúdo e a relação com os alunos foi bom da minha parte”.
Nat: “A professora teve domínio sobre a turma, sempre com uma aula divertida, mas não deixando virar bagunça”.
Ket: “A professora explica bem, consegui entender”.
Tho: “eu não tenho nada o que reclamar da professora”.
Lu: “A professora é super legal, uma ótima profissional sabe explicar sobre as propostas e o conteúdo, sabe se relacionar muito bem com todos”.

Quanto ao tema se expressaram da seguinte forma:

Gabri: “O tema identidade e auto-retrato ajudou bastante no entendimento sobre a arte, pois falamos de alguns pontos que eu ainda não tinha visto”.


Luc: “O tema identidade auto-retrato ajudou a entender o conteúdo”.
Lu: “Acho que o tema ajuda a gente a se conhecer melhor e a entender como os artistas agem ao se retratar
Dai: “O tema identidade e auto-retrato para mim ajudou a entender um pouco melhor sobre a arte”.
Naty: “O auto-retrato nos fez perceber que arte somos nós que fazemos”.
Ket: “Eu não tinha nenhuma noção sobre o que seria auto retrato, mas gostei de aprender e concluí que tenho uma imaginação surpreendente”.
Tho: “O tema identidade e auto-retrato ajudou muito na reflexão sobre o entendimento da arte”.

Surgiram, ainda, sugestões:

Luc: “Fazer mais trabalho em grupo para apresentar”.
Ket: “poderia ter filmes, aulas fora da sala de aula”.

Resultados da pesquisa

Ao apresentar os resultados da pesquisa é possível perceber que os objetivos foram parcialmente alcançados. Nesse sentido, pode-se destacar o interesse da grande maioria dos estudantes pela arte, o aprendizado de forma gradual e a receptividade às propostas apresentadas pela pesquisadora, considerando-se as diferenças e o ritmo de cada educando. Buscou-se mediar as dificuldades com relação ao entendimento dos conteúdos da Arte e ao fazer artístico, durante o processo de ensino-aprendizagem. Tem-se consciência que o tempo de estágio foi curto, para que os conteúdos abordados se transformassem realmente em conhecimento, pois se considera importante um estudo contínuo sobre a arte. 

Quanto à temática, identidade e auto-retrato, parece ter sido relevante para despertar nos alunos interesse pela arte e, para ajudá-los na compreensão dos conteúdos das aulas. Também, buscou-se mostrar imagens que abordassem outras temáticas, mesmo não perdendo o foco do trabalho. Não foi possível, de forma plena, propiciar aos educandos condições para que se tornassem leitores críticos e reflexivos, sendo que, para isso, seria necessário um exercício contínuo, através de questionamentos e leituras de imagens, os quais ocorreram apenas nos últimos dias de aula.

Houve a contextualização das imagens e conteúdos, os quais foram relacionados a fatos próprios do cotidiano, o que agradou aos estudantes, pois era visível o interesse, quando se falava em fatos conhecidos ou se mostravam imagens e trabalhos artísticos originais em sala de aula. O desenvolvimento da sensibilidade e criatividade foi explorado, principalmente nos momentos de fazer artístico, período da aula notoriamente preferido pelos alunos. A produção plástica a partir da identidade e auto-retrato permitiu aos alunos explorar sua identidade pessoal, refletindo seu contexto cultural, fato percebido quando escreviam sobre seus trabalhos. Alguns também conseguiram colocar características físicas nos trabalhos, o que demonstrou o envolvimento e a percepção de si mesmos. A produção textual também foi desenvolvida.

A identidade grupal dos educandos foi pouco trabalhada, pois não gostavam de sentar em círculo, nem de fazer atividades que integrassem toda a turma, permanecendo pequenos grupos em espaços distintos da sala. Ao longo das aulas se foi percebendo uma maior abertura, onde alunos foram interagindo também com os outros grupos. Sempre se buscou respeitar as diferenças, procurando-se que eles também fizessem isso entre si. Nessa direção, Freire (1996) ressalta que é fundamental que os sujeitos aprendam e cresçam no respeito à diferença e o educador respeite a autonomia e a identidade do educando. Isso nem sempre é fácil em se tratando de adolescentes.

Como já se havia salientado, fizeram parte da turma dois estudantes com necessidades educacionais especiais. Isso não serviu como empecilho, mas como desafio, pois se buscaram formas de estimulá-los através de outros sentidos, como o tato. Nunca se propôs a eles atividades diversas do restante da turma, apenas buscou-se adaptá-las às suas necessidades. Até mesmo, porque “Pe” ainda tem alguns vestígios visuais que merecem ser trabalhados, ao contrário de “Ara” que já nasceu cega. A esse respeito, Gil (2000) destaca que, infelizmente, muitas pessoas que têm algum grau de visão são consideradas cegas e tratadas como tal. Para esse autor, é importante que o potencial da visão residual seja aproveitada nas atividades educacionais. Assim, quando se levavam textos para a turma, os de “Ara” já estavam em Braile e os de “Pe” eram impressos em letras ampliadas, o que lhe possibilitava, com muita dificuldade, a realização da leitura. “Pe”, como havia sido alfabetizado antes do acidente que lhe tirou a visão, escreve quase normalmente. Enquanto os trabalhos escritos de “Ara” eram feitos em Braile e posteriormente levados à “sala de recursos” da escola. Em alguns trabalhos de leitura, ou pesquisa, feitos em aula, “Pe” e “Ara” trabalhavam em grupo com a ajuda de colegas. Portanto, mesmo com algumas brincadeiras, os colegas os acolheram e os ajudaram.

A grande maioria dos educandos participou e realizou as propostas solicitadas de forma satisfatória, mesmo possuindo, ainda, algumas dificuldades com relação aos conteúdos da arte e à produção plástica. Essas dificuldades somente serão sanadas com um estudo contínuo da Arte, o que infelizmente a maioria das escolas não possibilita, já que o Ensino da Arte é oferecido no Ensino Médio somente durante o primeiro ano. Isso ocorre, segundo Barbosa (2003), porque a LDB obriga a aprendizagem da Arte no Ensino Médio, mas não especifica que esse ensino deveria ser obrigatório em todas as séries, o que é uma pena, pois muitos alunos apresentaram um visível interesse pela Arte.

Por fim, é necessário citar a receptividade e o bom relacionamento mantido com a turma, já que sempre que se fez alguma reclamação foi de uma forma respeitosa e em posição de igualdade, ocorrendo de forma amigável e bem humorada. Nunca se deixou de reclamar de algo quando não se estivesse gostando, por exemplo, alunos escutando música com fones de ouvidos, querendo jogar carta ou conversar no momento em que se estava explicando o conteúdo. Entretanto, quando deveriam realizar alguma atividade, se deixava que conversassem, sentassem em grupo e fizessem brincadeiras, desde que trabalhassem, pois essa é a forma deles se relacionarem. Assim, apesar de alguns objetivos não terem sido integralmente atingidos, os resultados foram muito positivos, pois essa foi uma experiência na qual se aprendeu a lidar melhor com o outro e a superar limitações.

Considerações finais

Essa foi uma vivência significativa, já que se tratou da primeira experiência de ensino no contexto formal. Tudo foi novidade. Porém, em alguns momentos, restaram dúvidas se a postura assumida em sala de aula foi a mais adequada, já que alguns alunos esperam que o professor tenha “pulso firme”, seja exigente e sério, enquanto outros preferem um educador amigo, aberto ao diálogo e bem humorado. Diante dessa situação, se tentou manter certo equilíbrio entre esses dois perfis, tão opostos. De tal modo, não existe uma receita que ensine a ser professor. Logo, presume-se que a melhor forma de agir em sala de aula é tendo coerência e se buscando ser quem realmente se é. Portanto, depois das aulas, procurou-se avaliar o que deu certo ou não, visto que a sala de aula exigia a tomada de decisões imediatas.

Algo que se pensa ser relevante é ter ocorrido um comprometimento com a turma, mostrando aos alunos que realmente eram importantes. Isso ficou implícito em pequenos gestos, que os alunos percebiam. Nesse sentido, Freire (1996, p.42) coloca: “às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora...”. Nessa direção, a capacidade de modificar o ser humano, de torná-lo melhor, de resgatar sua auto-estima é o que mais fascinou na educação. Assim, mais importante do que desestabilizar o aluno, é valorizá-lo, elogiá-lo e a partir disso, conversar sobre as melhorias possíveis, já que se acredita na importância em se colocar no lugar do aluno para poder entendê-lo.

Deste modo, a identidade docente se encontra em fase inicial de construção, e o contato com um grupo de alunos foi positivo, à medida que se percebeu o acolhimento da turma, quando demonstravam gostar das aulas, respeitavam e, principalmente, quando evidenciavam que estavam interessados e aprendendo, mesmo que não se tomassem atitudes repressivas. Frente a esses episódios, tem-se a confirmação de que se está no caminho certo.        Por fim, é possível afirmar que se aprendeu com as angústias e anseios vivenciados no estágio, já que eles geraram reflexões que ajudarão na construção da identidade docente e ensinarão a ser professor, pois, de acordo com Freire (1996, p.39), “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Afinal, isso é algo que deve estar em constante redimensionamento, uma vez que um professor deve permanecer em contínua formação ao longo de seu trabalho.

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Notas:

[1] Os nomes dos estudantes foram omitidos, sendo utilizados ao longo do texto nomes fictícios.

[2] Isso não quer dizer que se esteja definindo o ensino de arte somente na mediação com os conhecimentos que o aluno já possui. Não se está fechando as possibilidades para a construção de novos conhecimentos

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano V - Número 08 - Outubro de 2007 - Webmaster - Todos os Direitos Reservado

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