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Arte Contemporânea no Ensino Superior: uma dialética de estereótipos e diversidade  das práticas artísticas
Autora:
Sheila Christina Ortega [1] - sheila.ortega@uol.com.br

Resumo: O presente trabalho busca refletir sobre a abordagem da arte contemporânea no Ensino Superior bem como a relação da práxis artística com a universidade. Apresentamos um breve panorama de algumas transformações no cenário da arte internacional e quebras de paradigmas que se dão a partir da década de 1950.

Palavras-chave: Arte contemporânea. Ensino Superior.

Abstract: The present work search to contemplate over the approach of the contemporary art in the higher education as well the relationship of the artistic practices with the university. We presented a brief panorama of some transformations in the scenery of the international art and breaks of paradigms that starting from the decade of 1950. 

Keywords: Contemporary art . Education.

To be a teacher is my greatest work of art / Ser um professor é meu maior trabalho de arte.
Joseph Beuys

Como trabalhar a imagem contemporânea no Ensino Superior? Como transformar a criação em profissão? Quais os caminhos a serem percorridos pelo aluno para promover sua inserção no circuito profissional, seja na qualidade de arte-educador, artista ou artista que encontra na docência amparo profissional? É importante refletirmos sobre a dificuldade encontrada por uma parcela significativa de alunos ingressantes nos cursos superiores que tratam da arte para lidarem com a arte contemporânea. Tanto do ponto de vista da fruição como da práxis artística. Como lidar então, com a arte que se produz hoje versus repertório apresentado pelos alunos ao longo do curso, cujo ideal estético se apóia nos cânones clássicos?

Devemos entender que a dificuldade para interagir com as obras de arte contemporâneas prejudica tanto a formação do aluno como futuro professor, quanto como indivíduo criador. Podemos considerar que parte desta problemática tem raiz nos anos de estudos antecedentes à vida universitária. A outra fatia deste grupo de alunos pode estar apoiada no fato de que muitos deles não possuem o costume de visitar museus e instituições culturais, não fruindo obras de arte. Se concebermos a idéia de que, a possível origem da resistência ao se tratar da obra de arte contemporânea esteja nos anos de estudo anteriores à universidade, devemos levar em conta que historicamente é recente a transição conceitual da escola tradicional para a escola contemporânea responsáveis pelas transformações tão fundamentais no ensino da arte:

[...] Para falar de arte-educação é necessário compreender os acessos à educação e à arte e, ainda, a concepção de arte em um determinado tempo. [...] No Brasil, aumenta o número de escolas cujos professores levam seus alunos a instituições culturais – nos grandes centros urbanos – para desfrutar de mostras e exposições. As práticas educativas em arte aproximam-se das práticas sociais, incluindo a produção de diferentes tempos e culturas como conteúdo a ser ensinado [ARSLAN; IAVELBERG, 2006, P.2].

Segundo as autoras, a prática de expedições artísticas e culturais é a chave-mestra para levar o educando a compreender a relação da arte com a vida:

O arte-educador pode pesquisar ao redor da escola, no bairro onde trabalha, fazer uma caminhada atenta e perceber as imagens e manifestações artísticas que emergem no local e elaborar um inventário artístico-cultural da região. Identificar as manifestações que contenham artisticidade pode ser um trabalho coletivo dos alunos, orientados pelo professor [ARSLAN; IAVELBERG, 2006, PP.41-42]. 

Ao tratarmos da leitura de obras, devemos ter a preparação estética adequada para que possamos criar um discurso de aproximação direta com os alunos. Para lembrar das palavras de Maria Christina de Souza Rizzi [2003, P. 67]:

[...] A leitura de obra de arte envolve questionamento, a busca, a descoberta e o despertar da capacidade crítica dos alunos. As interpretações oriundas desse processo de leitura, relacionando sujeito/obra/contexto, não são passíveis da redução certo/errado.

No ensino superior a dificuldade da leitura da imagem contemporânea fica bastante evidenciada se considerarmos disciplinas que “resgatam” facilmente estereótipos, como no caso das disciplinas que envolvem a pintura, na qual costumamos tratar (sob o ponto de vista teórico das disciplinas, já que estas possuem ênfase na prática), da desconstrução do suporte, dos hibridismos e até mesmo das sucessivas “mortes da pintura”. Nesse momento, entra em jogo, a base cultural do aluno antes do ingresso na universidade. O estudante costuma ter no repertório do bidimensional, idéias bastante calcadas nos chamados “clichês visuais” quando anteriormente não lhe foi apresentado todo o universo sensível das imagens, quando não está familiarizado com as “expedições artísticas”.

A recusa ao novo, historicamente, é bastante conhecida e sempre relacionada a questões sociais. A exemplo disto, se por um lado a arte da atualidade pede uma estética reflexiva, por outro lado, no cotidiano, somos acometidos pelos “reality shows” na TV. Como bem coloca o crítico de arte Rodrigo Naves [2002][2]:

Os ‘reality shows’ também são um sintoma de um mundo convertido em imagem, transformado em objeto de desejo dos espectadores: ‘não é apenas um voyerismo, é a impressão de que seria possível transpor aquele mundo para o nosso’. Naves identifica nesses programas uma ‘dupla dimensão utópica’. De um lado está a utopia da suspensão do conflito entre o desenvolvimento do mundo e as intenções ou vontades de cada um, [...] de outro, a utopia de poder compreender a relação entre intenção e destino. Ao mostrar as pessoas na intimidade, o ‘reality show’ cria a impressão ‘de que temos acesso à compreensão radical dos fenômenos, porque simultaneamente observamos os comportamentos e um pouco de sua natureza, seu móvel. [...] É uma aproximação entre arte e vida que geraria uma promiscuidade entre realidade e imaginário.

Sobre a experiência dos “reality shows” e do consumo indiscriminado das imagens, o crítico prossegue:

É aí que repousa uma dificuldade enorme das artes hoje em dia: dar conta da envergadura das nossas experiências, dos nossos problemas, dos meios de comunicação ou mesmo da política, que hoje está muito ligada à conversão do mundo em imagem – vide o papel dos marqueteiros.

Nas esteiras desse pensamento, fica evidente que as imagens estéticas passam por um crescido desinteresse na atual sociedade brasileira. Acredita-se que os principais motivos desse problema encontram-se nos modos de acesso a esses códigos visuais. A marca populacional desse fenômeno desliza dos cartazes até o consumo televisivo e cinematográfico, muitas vezes encarando a estética como diversão banal. As pessoas são motivadas a consumir essas imagens por valores extra-estéticos. Quanto às obras artísticas, ora violam os paradigmas estéticos vigentes, ora os seguem. A imagem estética, tida como um produto, bombardeia o cotidiano do brasileiro. Este por sua vez, possui considerável dificuldade de acesso a seu significado.

Outra questão que apontam as pesquisas recentes em educação é a falta de preocupação com a aprendizagem da leitura desses códigos, como a que existe em relação à língua natural. Sem a oportunidade de conhecer o funcionamento dos códigos imagéticos, duas são as possibilidades: leituras equivocadas e intuitivas ou as que são incapazes de traduzir a imagem, gerando desinteresse.

Adorno [1986] pressupõe os fenômenos da banalização da arte e da cultura denominando esta pseudocultura e a educação, semi-educação. Fenômenos que poderiam vir a acontecer em nome da intenção de se democratizar o acesso aos bens artísticos e culturais. Com postura oposta, Benjamim (1990) demonstra que o potencial da indústria cultural pode ser um meio para alcançar e promover a cultura popular, o que só será possível através da qualificação de educadores, tornando o sujeito um enunciatário da imagem, capaz de recriá-la.

Ao estudar os problemas de leitura de imagens, o que hoje se verifica na maioria da população brasileira é o distanciamento causado por uma espécie de estranheza provocada pelos sistemas estéticos que encerram certo nível de complexidade ou uma lógica diferenciada da língua natural. Daí o consumo irrefletido de formas estéticas de fácil digestão. Neste estado de comodidade em compreender a imagem e aceitar qualquer “tradução” satisfatoriamente, expurga-se o novo e depende-se daquilo que é convencional.

Desconstrução do suporte: uma estética pós-moderna.

Para que possamos tratar da arte contemporânea e das diversas práticas artísticas, é necessário compreendermos algumas transformações no cenário da arte internacional e quebras de paradigmas que acontecem de maneira acentuada a partir da década de 1950.

Com a mudança do centro artístico mundial de Paris para Nova York, ocorreram importantes mudanças estilísticas no desenvolvimento das artes visuais. No final dos anos de 1950, o Expressionismo Abstrato norte-americano estava em declínio e, com ele, parecia terminar a vigência das vanguardas européias sobre a arte internacional. Tudo o que se produziu após este período, tinha influência dos efeitos da sociedade americana, que se direcionava para um processo de emancipação ensaiado desde fins da Segunda Guerra. A sociedade, ao se aproximar dos anos 60, percebia a falta de sentido e o excesso de sentir que permeava o cotidiano e a cultura; uma cultura vazia, porém, cheia de significados. A contracultura marca o início desta transição: do suporte conhecido para o desconhecido, surge a crítica à teoria do belo e a busca por uma arte para ser consumida, para o dia-a-dia e não restrita à aristocracia. É um período que recebe o reflexo direto da Revolução Industrial, da tecnologia e do consumismo.

O excesso de vanguardas e de “ismos” (1900-1940), o excesso de inovação, traz o cansaço e o desgaste dos suportes, principalmente na pintura.

A transição da obra de arte para o objeto artístico, que sinaliza para a produção contemporânea, nos revela novos aspectos da criação e da representação. É desconstruida a tradição pictórica do belo e a relação da obra de arte com a imitação e verossimilhança. Os materiais nobres e a qualidade da manufatura são substituídos por objetos cotidianos já existentes, a exemplo disso os Novos Realistas, que desenvolviam seus trabalhos com os restos industriais, fezes e urina. Temos então, uma arte que parte da aparência e passa para a essência. Na primeira, uma preocupação em recriar o mundo, na segunda, recriar a essência desse mundo.

O objeto artístico não pretende sobreviver quinhentos anos ou mais, é efêmero e cheio de significados. A sociedade, acostumada a perceber a obra de arte por meio de uma tradição de quase dois mil anos, construindo suas bases de fruição e interpretação na perfeição clássica (simetria, equilíbrio, harmonia, proporção rigorosa e verossimilhança) rejeita o objeto artístico. Ocorre o divórcio do público com a arte. O sentimento de prazer é substituído pela estranheza e aversão. A arte abjeta (constituída pelo binômio atração-repulsa) ganha espaço, a desmaterialização da obra criou a desilusão e conseqüentemente a reação da sociedade contra essa cultura que se descortinava.

Os artistas seguindo os passos de Marcel Duchamp - a grande raiz do pós-modernismo, já que em 1913 lançava idéias que seriam desenvolvidas quarenta anos mais tarde - criam trabalhos com uma ampla cadeia de significados e significantes. A obra passa a ter um conceito, ganha poli-espaços, tudo passa a ser suporte, torna-se híbrida e parece ser estranha. Tinham como palavra de ordem: libertação, de regras e da tradição.

Artistas como Robert Rauschenberg e Jasper Jonhs, cujas credenciais duchampianas foram enfatizadas pelo rótulo Neo-Dada,  evidenciam múltiplos aspectos da cultura americana. Retornam à figuração, mas uma figuração sem representação, desprovida do espaço ilusionista, coerente com a pintura enquanto objeto, e não linguagem. Esses dois artistas trabalhavam materiais brutos e buscavam a indicialidade da imagem por sua importância para a crítica à narrativa e ao ilusionismo.

O desdém pela destreza manual encontra expressão perfeita na impressão de imagens prontas por meio da serigrafia e de outros métodos, assim como na moldagem de objetos prontos. O readymade puro leva o desdém ao extremo, marcando o ponto onde cessa a indicialidade e começa a realidade. Estavam encarnando a nova cultura de consumo promovida pela mídia triunfante do pós-guerra e, coerentemente, adotando técnicas seriais e industriais na arte que produziam.

Já nos trabalhos dos pintores Pop, como Warhol e Lichtenstein, é o uso de imagens dos meios de comunicação de massa, que refletem a iconografia de sua geração. A Pop Art norte-americana, busca um mundo objetivo utilizando linguagens comerciais e da vida urbana. As cores de seus trabalhos são inflamadas e “hollywoodianas”, trabalham superfícies rasas como a dos cartazes de propaganda. O nonsense da repetição e do vazio foi enaltecido em formas monumentais, tudo era ampliado em série e em escala. Tratavam as figuras (“pop stars”) como seres anônimos e frios, congelados no esvaziamento da “persona” e desprovidos de inquietações existenciais. A figura foi reduzida a estereótipo, com valor de produto.

A repetição da imagem anuncia a falência do novo e da originalidade. Os artistas pop queriam desconstruir o fetiche da obra de arte. Analisando a obra de Andy Warhol, Dezesseis Jackies [1964], repetir inúmeras vezes a imagem de Jackeline Kennedy no enterro do marido presidente, não reduplicava seu sofrimento, mas ao contrário, apenas endossava seu caráter de notícia, sua multiplicação na imprensa mundial e o “sucesso” mórbido da imagem [CANONGIA, 2005].

 A partir dos novos afrontamentos propostos pelos artistas, surge então, a participação do espectador e do corpo: corpo de quem produz, corpo de quem recebe. A utilização do corpo pode ser entendida como o mais alto grau de desmaterialização da arte. O grau mais efêmero que podemos considerar. A arte pós-moderna evidencia o conceito e o processo artístico. É o poder de consciência que caracteriza a arte pós-moderna.

Com a transição da aparência para a essência do objeto artístico, a arte passa a ser produção mental. A obra, criada por meio da mente humana (ilusão), acontece entre o observador e o artista.

Seguindo as idéias da arte como processo, temos o expectador como participante da obra. Como expoentes desse processo, Jesus Soto, Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica expandiram o suporte e o objeto artístico para muito além do plano bidimensional ou tridimensional. Oiticica com seus penetráveis lança a idéia que futuramente seria denominada instalação e Soto ao expandir o processo da pintura, cria vibrações óticas e é conceituado como um dos principais desmaterializadores do suporte da pintura. As obras expandidas no espaço convidam o público a vivenciar o conceito da obra. O espaço penetra na superfície e a superfície penetra no espaço. Lygia Clark desenvolveu um trabalho participacional, Oiticica e Soto um trabalho de arte ambiental que invade o espaço.

A trajetória de Lygia Pape foi um exercício constante de experimentação do novo e da invenção. A artista ao se desvencilhar dos suportes tradicionais, encontra na experimentação, no humor e na ironia, o potencial crítico necessário para o exercício de sua poética [ORTEGA, 2004].

Finalizando este breve panorama, a ressonância da arte pós-moderna no Brasil, encontra o ápice da criação quando os artistas buscam o “exercício experimental da liberdade” para lembrar as idéias do crítico Mário Pedrosa. Os Neoconcretos (RJ) subvertem o rigor arquitetônico da trama construtiva (base das idéias dos Concretistas em São Paulo), imprimindo-lhe um lirismo paradoxal e desconcertante. Esses artistas não admitiam que suas obras fossem encaradas como “objetos”; através de um viés fenomenológico, enveredavam no universo dos sentidos, em busca de novas significações. Encontraram uma liberdade estilística em relação aos cânones modernos da Europa, com as primeiras demonstrações de uma maturidade que já indicava autonomia. Nesse momento, a arte brasileira conseguiu alcançar situações de interesse universal [CANONGIA, 2005].

Para reflexão...

A partir das idéias aqui apresentadas dois pontos ficam bastante evidentes: primeiro, como é refletida na universidade a abordagem da arte contemporânea nos ensinos Fundamental e Médio, dessa forma contribuindo para a alfabetização visual do aluno e sustentação de seu repertório visual e imagético; segundo, a necessidade da prática institucional extra-muros: visitando instituições culturais, museus e ateliês (em todos os momentos do ensino). Com essa prática a sala de aula pode ser considerada como instância central de mediação entre os conteúdos culturais produzidos por artistas contemporâneos e o corpo discente.

Defendemos neste trabalho a prática educativa que instiga, provoca, leva à reflexão e, sobretudo, abre as portas para a compreensão da arte que se produz hoje. O docente enfrenta desafios naturais que surgem com a arte contemporânea, deve buscar romper com a “normose”, lembrando os escritos de Ruy do Espírito Santo, quando nos alerta:

A expressão “normose” e seu adjetivo “normótico” dizem respeito ao que os autores[3] consideram como sendo a grande patologia contemporânea: a mesmice. Em outras palavras, o ser humano abrindo mão de sua singularidade e portanto de sua criatividade, encontra-se hoje à busca de ‘clones’... Buscam-se “receitas prontas’ e modelos a serem copiados... A Educação precisa e deve estimular a criatividade de seu aluno, para que sua personalidade integral aflore [ESPÍRITO SANTO, 2004, P. 44].

O autor ainda acrescenta:

Dou aulas na PUC desde os anos setenta e observo, que os alunos recém-chegados dos vestibulares, na sua maioria, vêm absolutamente ‘vazios’ de conhecimento desejáveis para sua idade e freqüentemente não sabem o porquê da escolha da área ‘escolhida’... É freqüente a mudança de faculdade após o primeiro ano... Ou pior, ainda o curso é feito tão somente no sentido de ‘obter um diploma’... Estes são outros aspectos daquilo que foi apontado como ‘normose’... Paulo Freire, já aqui mencionado, apontava para a importância de conscientizar, antes de alfabetizar, o que significa um processo de integração do educando, em seu ‘mundo-vida’, utilizando as palavras do próprio Freire [ESPÍRITO SANTO, 2004, P.45].

Com o advento das novas tecnologias e a eclosão das novas linguagens, cresce a investigação dos novos suportes para se trabalhar a arte contemporânea no ensino universitário. Com a facilidade que possuímos de encontrar uma informação e com todo o esforço das instituições culturais e museus ao oferecer o serviço educativo, a compreensão dos caminhos propostos pela arte contemporânea deve ficar cada vez mais próxima do aluno universitário.

Percebendo a situação por outro viés, e pensando em todo o processo do Ensino Superior, como transformar a criação dos próprios alunos universitários em profissão? No Brasil, o tema da formação acadêmica do artista é um fenômeno recente e a relação da arte com a universidade é levada à reflexão pela crítica de arte e curadora independente Lisette Lagnado (2004):

Poderíamos fazer o seguinte teste: será que se passa pela cabeça de algum de nós indagar se Cildo Meireles ou Tunga têm mestrado ou doutorado? A pergunta é absolutamente irrelevante para o entendimento dessas duas carreiras. Ora, se é verdade que o diploma universitário não faz o artista, ou seja, não lhe confere garantia de reconhecimento (tanto do mercado como até mesmo crítico), a crise econômica tem levado um contingente crescente de candidatos a enfrentar a burocracia da vida acadêmica com o objetivo de transformar em ‘profissão universitária’ um tipo de saber que, pouco tempo atrás, era transmitido na vivência e informalidade dos ateliês livres e projetava seus freqüentadores para um circuito ‘selvagem’. Lecionar ainda é a saída mais honrosa para quem não consegue se sustentar da venda de seu trabalho.

O trecho citado é parte do registro das mesas-redondas[4] promovidas na Pinacoteca do Estado de São Paulo pela revista digital Trópico que busca em seu formato convidar um artista e um teórico, levando-nos a refletir se existiria um “modo de pesquisa integrada”, ou seja, um caminho para “transcender a antinomia entre modos de conhecimento subjetivista e objetivista”, para colocarmos nos termos da ocasião.

Pensamos que o artista, assim como o arte-educador deve resolver essa “equação” de perto criando um híbrido de artista-pesquisador, o artista que propõe reflexões sobre sua práxis e poética. Pois, dessa maneira poderá criar estratégias para sensibilizar seus alunos perante a produção contemporânea:

O ato de educar perdeu-se com a mesmice e gestou a ‘escola bancária[5]’. [...] Educar não será nunca ‘passar aos alunos a sua verdade’. Educar é despertar a profundidade do aprender de cada aluno. Esse aprender vincula-se à alegria e ao prazer como Rubem Alves reiteradamente insiste em sua vasta obra [ESPÍRITO SANTO, 2002, P.43].

Consideramos que uma das estratégias, dentre as várias possíveis, seja a de levar o aluno universitário a refletir sobre sua própria produção plástica por meio de um memorial descritivo, buscando referências, refletindo sobre sua práxis artística. De onde falo? Para quem falo? O que dizer? Questões estas pertinentes ao fazer artístico, que levam o educando a um melhor relacionamento com a arte da atualidade, sem preconceitos. O principal neste processo é que o artista/professor em formação perceba o processo de criação e vivencie-o com legitimidade. O docente do ensino superior tem sua parcela no processo de pesquisa do corpo discente: apresentar um extenso repertório visual formado por imagens e vídeos, levantar discussões de textos escritos por artistas, discutir a produção em sala de aula individualmente e em grupo, enfim, assumir a postura do educador reflexivo que sinaliza para a construção de novos caminhos significativos.

Referências Bibliográficas:

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Notas:

[1] Sheila Christina Ortega é Artista Plástica e Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP. Atualmente atua como docente no Centro Universitário Metropolitano de São Paulo – UNIFIG e como arte-educadora na Escola Municipal de Iniciação Artística – EMIA.

[2] Transcrição, por Bruno Favaretto, do debate de Rodrigo Naves e Marcelo Tas sobre os “reality shows”, promovidos pela Pinacoteca do Estado de São Paulo e a revista digital Trópico em 30/06/2002. Debate intitulado: Trópico na Pinacoteca 2: Tele-realidades

[3] Jean Yves Leloup, Roberto Crema e Pierre Weil, autores do livro de filosofia, denominado “Normose – A Patologia da Normalidade”.

[4] Mesa-redonda “Trópico na Pinacoteca: arte e universidade”, realizada em 26/06/2004, com a participação de Carla Zaccagnini (artista) e Tadeu Chiarelli (professor da ECA/USP, historiador da Arte e curador do MAM/SP). A coordenação foi feita por Lisette Lagnado.

[5] Referência às idéias de Paulo Freire.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 09 - Abril de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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