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A Multiculturalidade como Cenário para a Arte e o Design no Brasil
Autora:
Tatiana Azzi Roizenbruch [1] - tatiazzi@gmail.com

Resumo: Multicultural, no seu sentido mais simples refere-se àquilo que traz em si elementos de muitas culturas. Desse conceito inicial desenvolvemos a idéia de multiculturalismo, o jogo das diferenças, quando diversos elementos culturais se juntam dentro de um mesmo espaço. Nos dias atuais, sob os efeitos da globalização, o domínio cultural e as questões locais de cada país passaram a ser de suma importância, uma vez que as identidades deixam de existir e passam a ser globais. Nesse estudo, busca-se questionar qual seria uma saída para as atividades artísticas e tecnológicas, como o design, dessa massificação cultural tão sufocante nos dias atuais. O resgate das culturas locais talvez possa ser um novo caminho para o design no Brasil contemporâneo.

Palavras-chave: Multiculturalismo, Design, Cultura brasileira.

Abstract: The term “multicultural” refers to the existence of several elements of many cultures. From that initial concept, the idea of multiculturalism is developed meaning a play of differences when various cultural elements gather in the same space. Nowadays, under globalization effects, cultural domains and local questions from each country are very important once identities are vanishing and becoming “global”. In this study, the aim is to look for a clue to artistic and technologic activities, such as the design, that suffer a cultural mass production process. The revival of local cultures may be a new way to Brazil’s contemporary design.

Keywords: Multiculturalism, Design, Brazilian culture.

Brasil, país plural

O Brasil é um dos países que possui uma grande confluência de raças, de cores, de gostos e de diferentes percepções de uma realidade miscigenada. Muitos povos aqui presentes promoveram um mosaico de culturas e comportamentos distintos. Segundo Stuart Hall, as nações modernas são, todas, híbridos culturais. (HALL, 2005). Mas a imagem do Brasil no exterior muitas vezes é folclorizada, talvez por sua rica expressividade, vem sendo reconhecido apenas como o país do carnaval, do futebol, das festas em contraponto ao país da miséria e das favelas. Mas o Brasil plural, de uma cultura mestiça vem desmistificando esses conceitos e se mostrando através de novas formas e fontes.

De acordo com o antropólogo Darcy Ribeiro, a identidade étnica e a configuração cultural do Brasil formou-se “destribalizando índios, desafricanizando negros e deseuropeizando brancos” [Ribeiro, 2005]. Assim ele nos demonstra que a formação multicultural do Brasil levou a um sincretismo que se vê presente na base da cultura brasileira. Esses fundamentos nos fazem refletir sobre a cultura multiétnica do país e como ela influencia outros campos como das artes e do design, por exemplo.

Com os efeitos da globalização, o domínio cultural e as questões locais de cada país passaram a ser de suma importância, uma vez que as identidades deixam de existir e passam a serem globais. Segundo Stuart Hall, as identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global”.

O pós-modernismo destaca sociedades multiculturais e multiétnicas. Promove a `política da diferença´. A identidade não é unitária nem essencial, mas fluída e mutável, alimentada por fontes múltiplas e assumindo formas múltiplas “[...] A sociedade pós-moderna associa tipicamente o local e o global” [KUMAR, 1996].

A cultura pós-moderna se desenvolve dentro de uma cultura múltipla, como um laboratório de novas linguagens, valendo-se de ícones e signos do passado, mas propondo interações com os do presente. Assim, o pós-modernismo propõe novas alternativas comportamentais e estéticas, tendo como referência um ideal plural. Sendo assim podemos pensar o pós-modernismo como sendo talvez o mais irreverente, se posso assim dizer, dos movimentos sucessores ao modernismo.

A cultura pós-moderna também foi capaz de antecipar a multiculturalidade do modelo de globalização que hoje percebemos com maior clareza. Dijon de Moraes cita Frédric Jameson, para explicitar a legitimação da cultura pós-moderna como antecessora do modelo global em formação: “Nos resta o puro jogo aleatório das expressões que chamamos de pós-modernismo, que não produz obras monumentais como aquelas modernistas, mas mistura sem fim os fragmentos de textos pré-existentes, como um puzzle da produção cultural e da produção social mundial, em um novo e verdadeiro potencial bricolagem em que se encontram meta livros que canibalizam outros livros, meta textos feitos de partes de outros textos já existentes; assim é a lógica do pós-modernismo em geral, que encontrou na arte do vídeo-experimental um dos pontos mais fortes, mais originais e mais autênticos da sua obra” [JAMESON, 1991. In: MORAES, 2006].

Além do aspecto estético e das linguagens artísticas, a cultura pós-moderna de fato propõe evidenciar e colocar em questão características da cultura moderna que, no ponto de vista pós-moderno, não mais correspondia à realidade mundial, dentro de uma lógica comportamental e cultural. Essa realidade era agora, apontada como pós-industrial e conseqüentemente, pós-moderna.

A marca registrada da pós-modernidade é o pluralismo, ou seja, a abertura para posturas novas e a tolerância para posições divergentes. Na época pós-moderna, já não existe a pretensão de encontrar uma única forma correta de fazer as coisas, uma única solução que resolva todos os problemas, uma única narrativa que amarre todas as pontas. Talvez pela primeira vez desde o início do processo de industrialização, a sociedade ocidental esteja se dispondo a conviver com a complexidade em vez de combatê-la, o que não deixa de ser (quase que por ironia) um progresso [CARDOSO, 2004].

Essa relação local/global e o interesse pelo multicultural nessa era pós-moderna começam a refletir na atividade da arte e do design, evidenciando a vasta gama de elementos da cultura no Brasil. Mas será que este é mesmo um caminho para um design híbrido no Brasil?

Da mímese ao design múltiplo

O design industrial no Brasil se impulsionou na década de 50, junto ao seu processo de industrialização, trazendo a esperança, o ufanismo, as riquezas das raízes do país, sempre levado pela força da nova arquitetura. Lina Bo Bardi, Zanine Caldas, Sérgio Rodrigues dentre outros tentaram unir o design aos elementos da riqueza cultural do país.

Passada essa fase, um outro modo de produzir design no país se estabeleceu. O design passou a ter referência estrangeira e uma fase de puro mimetismo vigorou, onde a estética européia prevaleceu.

design brasileiro, como se sabe, sustentou, desde o início de sua instituição oficial nos anos 1960, o modelo racional-funcionalista moderno como referência maior para guiar o país rumo à estrada da industrialização e, mais importante ainda, para fora da sua condição de periferia, subdesenvolvimento e pobreza. Mas, na realidade, esta estrada escolhida pelo modelo racional-funcionalista veio, igualmente, amenizar a inserção dos ícones da cultura local brasileira junto à sua cultura material e aos seus artefatos industriais [MORAES, 2004. In: LAGES, 2004].

Neste período, após o golpe militar de 1964, o Movimento Moderno no Brasil começa a perder seus ideais socialistas e o sonho do projeto modernista. O ideal de uma nova cultura dita pós-moderna, anunciava uma segunda modernidade no Brasil. O design no país não se encontrava em uma boa fase, dada ao desprezo das multinacionais e das empresas locais por essa área de trabalho.

Ao assumirem o pensamento pós-moderno no fim do governo militar em meados dos anos 80, os designers brasileiros começaram a protestar contra a maneira como o design no país se apresentava e pela falta de apreço das multinacionais. Os próprios empreendedores do país não demonstravam interesse pela inclusão do design na produção industrial e muito menos com a inserção de uma identidade cultural brasileira na produção de artefatos. Por mais que os designers buscassem essa caracterização e identificação da cultura, a mímese produtiva ainda era dominante no país pelo modelo pós-moderno na década de 80 ajudou o design brasileiro a reconhecer os valores da multiculturalidade do país. Não se produziu muito durante este período, por todos os problemas enfrentados, mas certamente um novo caminho para o design se iniciou, e em meados da década seguinte uma nova cultura projetual começou a ser despertada no país.

Designers como os irmãos Campana, Guto Índio da Costa, Pedro Useche, Fabíola Bergamo, Heloísa Crocco, Renato Imbroisi entre outros, começaram a pensar e produzir um outro design no país, associando conceitos globais e locais e produzindo com maior originalidade.

Sob os efeitos da globalização, o desafio dos designers brasileiros deixa de ser puramente técnico, já que o Brasil possui habilidade e tecnologia no setor industrial, e passa a buscar novos conceitos, onde a colisão entre o design e a cultura do país passa a ser um diferencial competitivo no mundo global. Segundo Branzi [In: MORAES, 2006], hoje, o maior problema para o design brasileiro é libertar-se de uma vez por todas do complexo de inferioridade que os velhos racionalistas europeus lhe transmitiram, através de um modelo errôneo de desenvolvimento dentro da modernidade e da ordem.

Os designers brasileiros devem adquirir consciência de si mesmos como portadores de uma realidade criativa de todo autônoma e original, por meio da qual os velhos defeitos possam se tornar extraordinárias oportunidades. Eles devem considerar que o mundo se assemelha cada vez mais ao Brasil, e não vice-versa.

A multiculturalidade do país busca ser valorizada dentro da atividade do design, mas talvez essa falta de unicidade do design brasileiro não provenha da falta de cultura, mas, ao contrário, do excesso.

O mundo contemporâneo busca a reciclagem das próprias fontes, Antoni Gaudi, arquiteto, designer e artista catalão dizia que “la originalidad es volver al origen”, ou seja, cada vez mais a preocupação pela inovação e pela originalidade se volta para as questões locais, para a cultura de cada região. Kevin Robin observa que, ao lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da “alteridade”. Há, juntamente com o impacto “global”, um novo interesse pelo “local” [In: HALL, 2005].

Observa-se então que, cada vez mais, o mercado mundial evidencia outras culturas, os consumidores ocidentais estão à procura de produtos de terras distantes. O design brasileiro, ainda mimético, tem que se voltar para as questões locais e achar outra maneira de pensar e produzir design no país, o que talvez seja uma saída para a competição global.

Stuart Hall trabalha a questão cultural composta não somente por instituições culturais, mas principalmente por símbolos e representações, para ele, “uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”.

Podemos ter aqui produtos criativos, pois o país possui a tão falada mistura com forte apelo cultural, numa integração perfeita de tipologias típicas. Tanto as tradições e regionalismos, quanto as inovações em termos estéticos podem agregar valor à imagem externa do design produzido no Brasil. A multiculturalidade se faz presente em todos os cantos do país. Mas o que é multicultural, afinal?

Multiculturalismo: o jogo das diferenças

Segundo o antropólogo Antônio Greco, multicultural, no seu sentido mais simples refere-se àquilo que traz em si elementos de muitas culturas. Desse conceito inicial desenvolvemos a idéia de multiculturalismo, o jogo das diferenças, quando diversos elementos culturais se juntam dentro de um mesmo espaço, forjando as características de uma sociedade. Ele é freqüentemente pensado como se opondo ao etnocentrismo. Nessa acepção, é usado para trabalhar a situação de países como o Brasil, ou os Estados Unidos, que por sua formação receberam influência de várias culturas e tornaram-se, assim, um mosaico[2] onde se criou a mistura que produziu, ao final, uma cultura própria formada por todos esses elementos. 

Para Andrea Semprini, um dos pontos-chave do multiculturalismo é a questão da diferença. Como se pode tratar a diferença? Qual é seu lugar dentro de um sistema social? A diferença é um fator de enriquecimento ou, ao contrário, um empobrecimento? Para chegarmos a uma resposta, importa relembrar que a diferença não é simplesmente, ou unicamente, um conceito filosófico, uma forma semântica.

A diferença é antes de tudo uma realidade concreta, um processo humano e social, que os homens empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico. Assim, é impossível estudar a diferença desconsiderando-se as mudanças e as evoluções que fazem dessa idéia uma realização dinâmica [SEMPRINI, 1999].

O multiculturalismo pode ser analisado como um sintoma, o indicador de uma mudança social de grande importância. Nenhuma mudança à força dessa magnitude poderia acontecer sem provocar conflitos, incertezas, ansiedade.

Enquanto aspiração a uma melhor e mais equilibrada consideração das diferenças, o multiculturalismo é a conseqüência de uma mistura social muito maior, do questionamento radical dos limites impostos, das fronteiras e divisões próprias da sociedade. Tanto a reação “monocultural” como as reivindicações identitárias podem ser interpretadas como estratégias de resistência ou de mudança dessa situação de mistura e incerteza [SEMPRINI, 1999].

Sendo assim, O multiculturalismo é, sem dúvida, a resultante de um processo de mistura e de encontro de diferenças. Ele representa uma reação à dificuldade e, freqüentemente, ao fracasso deste processo.

O gerenciamento da diferença não é um problema exclusivamente ocidental. A história demonstra que as pequenas comunidades pré-industriais, as sociedades de caráter étnico e a força as diferentes formas de totalitarismo demonstram existir uma dificuldade básica de aceitar a diferença.

A filosofia, as ciências da linguagem, a biologia, a ecologia colocaram o conceito de diferença no centro de suas epistemologias, demonstraram que nem à evolução humana, nem o pensamento, nem o sentido são concebíveis sem a diferença, a mistura, os efeitos combinatórios que só a diferença torna possíveis.

David Goldberg identifica no sucesso da idéia de diferença um dos fatores da emergência do multiculturalismo. Para este autor, a heterogeneidade sempre precede, logicamente e socioculturalmente, a homogeneidade.

Semprini [1999], ainda destaca uma segunda interpretação do multiculturalismo, que privilegia sua dimensão especificamente cultural. Ela concentra sua atenção sobre as reivindicações de grupos que não têm necessariamente uma base “objetivamente” étnica, política ou nacional. Eles são mais movimentos sociais, estruturados em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou pertença coletivos, ou mesmo de uma experiência de marginalização. Com freqüência é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecerem, ao contrário, como possuidores de valores comuns e a se perceberem como um grupo à parte. Esta segunda acepção serve-se das grades de análise da antropologia interpretativa ou da corrente dos cultural studies[3].

Esse caráter multicultural das sociedades contemporâneas surge desses contatos constantes com o que é diferente, dessas relações de troca das diversas culturas existentes do país. Mas ainda existe muita desigualdade e desinteresse entre as classes no país. “O grande desafio multicultural do Brasil é minimizar o preconceito social, diminuir a distância entre elite e as pessoas comuns” [BARBOSA, 1998]. 

A mestiçagem fortalece ao invés de enfraquecer e é isso que temos que colocar em questão e buscar valorizar, a diversidade cultural do país. O design dentro dessa cultura múltipla, dessa heterogeneidade só torna-se possível com o equilíbrio e a união dos diferentes elementos desta cultura.

Parece-me este, ser o grande desafio dos designers hoje no mundo globalizado, tornar possível uma atividade de design baseada na sua multiculturalidade, incorporar a diferença e fazer disto algo a favor da cultura e do desenvolvimento do país. Essa decodificação dos elementos culturais e assimilação das diferenças são problemas a serem enfrentados dentro de uma sociedade fruto de uma identidade complexa como a nossa, porém necessários.

Após as influências da segunda modernidade, ou diríamos, pós-modernidade e o constante processo de inter-relação das culturas, o design no Brasil começa a se afastar dos modelos europeus, da racionalidade e da funcionalidade, tornando-se um design mais livre, mais expressivo, assemelhando sua identidade múltipla.

Dentro deste cenário, o design brasileiro começa a se distanciar da prática de mimese e das referências provenientes do exterior e a apontar em direção a uma referência própria como modelo possível. Começa, então, a partir dos anos oitenta, a surgir, através do multiculturalismo e mestiçagem local, novas referências projetuais que, de forma correta, coloca em evidência e reflete a vasta gama de elementos da cultura híbrida e das nuances do nosso próprio país [MORAES, 2006:192].

Durante toda a década de oitenta, o modelo multicultural possível ao design local começou a surgir e assim, a partir da década de noventa, e principalmente no novo século, este modelo apresenta-se com novas possibilidades, harmonizando-se com o modelo globalizado.

O trabalho dos irmãos Humberto e Fernando Campana, designers brasileiros reconhecidos no mercado mundial, tenta ilustrar essa mudança de valores do design no Brasil. Eles utilizam inúmeros materiais encontrados ao longo de suas pesquisas pelo centro de São Paulo, cidade por si só multicultural. Após um período de experiências, este material, aliado a outros materiais freqüentemente utilizados em artefatos industriais, como aço e a madeira formam móveis e objetos únicos e expressivos de formas diferentes, coloridas e de grande criatividade. Essa diferença entre os componentes forma, no produto final, uma harmonia e atenuam os contrastes entre os materiais. Os trabalhos dos irmãos Campana são exemplos claros da relação entre arte e design na contemporaneidade.

Outro exemplo de design híbrido e da relação do mesmo com as artes e principalmente as artes chamadas populares, como o artesanato é o projeto do Laboratório Piracema de design. Criado em 2003 como um núcleo de pesquisa da forma na cultura brasileira, o Laboratório Piracema de Design, com sede em Porto Alegre – RS, logo se propôs a desenvolver um projeto que aproximasse o design do artesanato.

Constatou-se, já de início, que apesar da produção artesanal ser uma área de grande potencial e carente de ações efetivas, era um desafio para quem se propusesse a um trabalho profundo e contínuo. A primeira coisa era se pensar a médio e longo prazos, evitando agir em função de vantagens imediatas e que não levam em conta conseqüências futuras. A opção estava feita: plantar sementes. Assim criou-se um sistema de formação de profissionais para atuação em programas de aproximação entre o design e o artesanato.

A filosofia deste trabalho começa por seu próprio nome – Piracema – um fenômeno da natureza em que os peixes sobem a correnteza dos rios pata desovar na fonte. É uma metáfora perfeita para um trabalho que se propõe mergulhar na tradição para projetar o contemporâneo. Composto de fundamentos teóricos, práticas criativas e vivências de campo, o projeto vem se firmando como a mais respeitada experiência no setor.

Uma outra preocupação é a de ver o produto artesanal em sua dimensão antropológica, ou seja, fruto da experiência criativa de uma pessoa, de uma comunidade, de uma cultura. Aumenta, assim, a responsabilidade em face de toda e qualquer intervenção, conscientizando-se de que, como numa grande teia, a mudança no produto implica em mudanças muito mais amplas e profundas.

Por outro lado, as vivências de campo subvertem as posturas cristalizadas dos atores desses encontros. Tanto artesãos quanto designers são estimulados a uma troca de saberes: de um lado, o domínio da matéria, o conhecimento da tradição, o imaginário de uma cultura específica; de outro, a atualização da informação, o aperfeiçoamento da forma, a oxigenação cultural. Por fim, num empreendimento marcado por metas explícitas e freqüentemente quantificadas, a metodologia do Projeto Piracema abre um grande espaço para a subjetividade, para a apreensão das questões mais sutis do fazer humano. É nesse território abstrato e nem sempre mensurável que mora a substância, a essência de uma cultura. Ao perceber isto, tem-se nas mãos a chave da permanência da identidade, da renovação conseqüente de uma produção cultural (José Alberto Nemer – Gestor Científico do Projeto Piracema).

Considerações Finais

Através desses exemplos podemos perceber que hoje há uma hibridização cultural intensa e que as relações entre aspectos da cultura estão cada vez mais se intensificando, o que gera diversas possibilidades tanto para o design quanto para outras artes, principalmente pela valorização das artes populares.

Dentro desse contexto de globalização, resgatar a cultura nacional se tornou um fator importante e o design acompanha esse ideal, ou pelo menos deveria, pois através dessas relações com a arte, com o popular e o regional, o design se intensifica e amadurece.

Talvez uma das soluções para a intensificação de um design local, híbrido, seja justamente olhar para seu interior, para o que existe de mais periférico e não somente para o centro. A assimilação da diferença passa a ser talvez um ponto a favor para um design local e que assimila a cultura do país como algo positivo para todos.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, A.M. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

CARDOSO, R. Uma Introdução à História do Design. São Paulo, Edgard Blücher, 2004.

CAVALCANTE, L. (Org) Tudo é Brasil. São Paulo: Itaú Cultural; Rio de Janeiro: Paço Imperial, 2004.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

KUMAR, K. From post-industrial to post-modern society: new theories of the contemporary world. Oxford: Blackwell Publishers, 1996.

LAGES, V.; BRAGA, C. e MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de Janeiro: Relume Dumará & Brasília: SEBRAE-NA, 2004.

MORAES, D. de. Análise do Design Brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Ed. Edgard Blücher, 2006.

NIEMEYER, L. Design no Brasil: origens e instalações. Rio de Janeiro: Ed. 2AB, 1997.

ORTIZ, R. Cultura Brasileira e identidade nacional. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.

RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SEMPRINI, A. Multiculturalismo. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

VILLAS-BOAS, A. Identidade e Cultura. Rio de Janeiro: 2 AB Ed., 2002.

Notas:

Designer formada pela UEMG, Belo Horizonte; Mestranda em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, SP, na Linha de Pesquisa Design, Arte e Tecnologia sob orientação da Profª. Drª. Ana Mae T. B. Barbosa, com a pesquisa intitulada ”A multiculturalidade como cenário para o design no Brasil”.

[2] A metáfora do melting pot , que durante quase um século ilustrou uma visão otimista e homogênea do processo de integração, é denunciada pelos partidários do multiculturalismo. Ela é substituída por imagens que evocam a coexistência, mas também a preservação das especificidades: a saladeira (salad bowl), o jardim botânico (botanic garden), o mosaico. [SEMPRINI, 1999:129].

[3] Clifford Geertz. The Interpretation of Cultures, e Stuart Hall, Cultural Studies: Two Paradigms, para citar alguns autores dessa corrente.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 09 - Abril de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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