:: Cultura Popular ::

Este número promove o contínuo delinear do perfil de um grupo de pesquisa – no qual me integro – o Núcleo de Cultura Popular da UERJ. Como sempre lanço o olhar ao meu redor fui premida pela necessária abordagem inicial de meus colegas de pesquisa, pensando em ir, paulatinamente, abrindo o círculo e integrando muitos outros. 

Trago nesta revista a fala do prof. Dr. Ricardo Gomes Lima, nosso líder, para apresentá-lo ao público de Art&.  Como o diálogo foi oralmente apresentado, gravado e transcrito, as respostas puderam se alongar. Elas estarão dispostas em duas partes, a próxima edição devendo conter, então, a segunda sessão dessa nossa conversa.

Ricardo Gomes Lima é doutor em Antropologia. Professor Adjunto do Instituto de Artes e do Programa de Pós-Graduação em Artes da UERJ. Atualmente, dirige o Departamento Cultural da Universidade.

Pesquisador do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular / IPHAN / MinC, dirige o Setor de Pesquisas e é responsável pela Sala do Artista Popular.

Está deliciosa a entrevista! Espero que possam fruí-la, conhecendo mais uma personalidade influente no campo da Cultura Popular.

Editora Responsável: Profª. Drª. Isabela Nascimento Frade

Ricardo Gomes Lima

Art&: O que é arte popular? Como você lida com ela enquanto agente de eleição e distribuição?

RICARDO LIMA: Definir arte é uma questão extremamente difícil, especialmente nos dias de hoje. Definir arte popular então se torna uma questão ainda mais problemática, tanto pelo próprio conceito de arte, e as imprecisões que esse campo contém, quanto pelo conceito de popular, que é também algo extremamente complexo.

Quer dizer, o conceito de popular pode ser entendido em sentido econômico, como questão de segmentos sociais, de classes sociais, dos estratos que compõem a sociedade.

Segundo essa forma de ver, o popular é aquilo que se identifica com os segmentos de baixa renda da sociedade.

Quando você está pensando assim, você define o popular por oposição à elite, então você teria como arte popular aquela que vem do povo, que é produzida por ele, para ele ou com sua anuência; aquela produção que é feita pelos estratos não hegemônicos da sociedade, ou para eles.

Mas pode-se também entender o popular como um conceito englobante, abrangedor. Neste sentido, seria popular aquilo que é domínio do povo e povo aí entendido não em oposição a elite, mas como uma totalidade, quer dizer, um universo que abarca toda a população de uma determinada unidade. Quando você fala do povo de um país, do povo brasileiro, você está falando tanto das camadas subalternas, quanto você está falando da elite.

Então, o popular é um conceito na verdade muito complexo e cada vez que a gente quer defini-lo, eu diria, é um pouco como tentar pegar água nas mãos: por mais que você se esforce por segurá-la, a água está sempre vazando por entre os dedos, você cerca daqui ela vaza por lá, você prende por lá e ela derrama por cá.

Assim você procede na tentativa de cercar o conceito de popular de um lado e do outro, e ele vai estar sempre deixando escapar algo.

Mas, até que surja uma solução mais confortável, temos que ir lidando com esse conceito mesmo, a despeito de suas imperfeições. Assim, a gente pode pensar a questão da arte popular como um domínio, um campo, um mundo, aquilo que Howard Becker chamou de “O Mundo das Artes”. Trata-se de um campo que se constitui de relações sociais, de agentes sociais díspares mas que integram uma mesma rede, de elementos que vão estar em relação nem sempre direta mas formando, como fios, uma trama, conectados por intermédio de nós que se sucedem e os põem em interação, definindo que isto é arte, isto não é arte, isto é arte popular, isto não é arte popular. Assim se constitui o mundo da arte nos tempos atuais. Neste sentido, eu direi, também o mundo da arte popular se constitui de um universo feito de consagrações, de indivíduos, de grupos que entram em relações e definem o estatuto do que vem a ser arte popular, definem isto aqui é arte popular, aquilo ali não é arte popular.

Para tornar mais claro o que pretendo elucidar, basta lembrar que, até 1947, praticamente estava ausente o conceito de uma arte popular no país. Foi preciso que Augusto Rodrigues, o arte-educador, em visita à feira de Caruaru, em Pernambuco, olhasse a produção de Mestre Vitalino e falasse: “- Mas isso aqui é arte.”, e resolvesse fazer uma exposição com a produção do Vitalino, chamando a aqueles objetos de arte popular. Em sua visão, uma arte que é feita por indivíduos do povo que estão fora do mundo da arte erudita, do mundo da arte consagrada. Quer dizer, para além do mundo de produção artística hegemônica, no Brasil, existem outras produções que igualmente merecem o estatuto de Arte. Foi o que Augusto Rodrigues fez com Vitalino em 1947 promovendo a primeira exposição de arte popular no país. Pela primeira vez tanto o povo quanto a própria elite tiveram a notícia de que existia uma coisa chamada arte popular e ali estavam os objetos dessa arte popular, presentificados. Então, a importância da exposição organizada por Augusto Rodrigues é imensa porque ela dá partida à constituição do mundo da arte popular no Brasil.

Isso acontece num contexto histórico específico: é mais um momento de discussão da nacionalidade no país. De se pensar o Brasil como nação constituída também pelas camadas populares. E aí passa a ser importante se considerar as expressões ligadas ao povo, as expressões do povo. É o momento de surgimento da Comissão Nacional de Folclore, em 1947, propondo uma ação nacional de estudo dos saberes e dos conhecimentos do povo brasileiro como uma forma de valorização do próprio país. Isto tudo, Augusto Rodrigues, a “descoberta”, ou “invenção”, de uma arte popular brasileira, a Comissão Nacional de Folclore estão fazendo parte do mesmo contexto de discussão que é a descoberta das produções populares que aqui se faziam.

Eu, enquanto um agente de eleição e distribuição da arte popular, como a Revista Digital Art& me nomeia, respondendo à pergunta de como lido com a questão, eu diria que lido com bastante cuidado. A minha carreira, minha trajetória neste campo, tem uma divisão ou um somatório, quer dizer, ao mesmo tempo em que eu me coloco como um antropólogo interessado na observação, na análise, na discussão deste campo no país, o que pressupõe certo afastamento, também tenho todo um lado de militância, digamos assim, de mergulho na realidade social para defesa dessas expressões da arte popular, expressões da cultura popular, expressões da cultura desse povo brasileiro. E defendo isso como um espaço importante que tem que existir junto às instituições transmissoras de cultura no país. Então, eu, ao mesmo tempo em que procuro analisar esse mundo, reconheço que ocupo um lugar de influência, ou melhor, eu sou um desses elementos do “Mundo da Arte” de que Becker falava. Eu trabalho em instâncias no fundo definidoras e consagradoras do que venha ser arte popular, tanto na Uerj, hoje à frente do Departamento Cultural e à frente do Núcleo de Cultura Popular, quanto também ligado ao Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular onde tenho uma responsabilidade grande na condução do Setor de Pesquisa daquele centro e com influências na política, por exemplo, de definição dos caminhos das exposições realizadas no Museu do Folclore Edison Carneiro, na constituição de seu acervo e na coordenação que faço da Sala do Artista Popular.

Art&: Você tem sido curador de muitas mostras de arte popular. Como você organiza as exposições da Sala do Artista Popular no Museu de Folclore? Há uma forma específica de seleção de artistas ou de tipos de produção? 

RICARDO LIMA: A Sala do Artista Popular (SAP) é um espaço criado no Centro Nacional do Folclore e Cultura Popular, o antigo Instituto Nacional do Folclore que integrava a Funarte. Hoje, o Centro está ligado ao IPHAN do Ministério da Cultura. A SAP é um espaço que foi criado em 1983, pela diretora do então INF, Lélia Coelho Frota. Foi uma inspiração dela e eu cheguei à instituição naquele momento, em 1983, a convite dela para trabalhar lá. Quando eu cheguei, a SAP estava recém-criada, eu entro lá talvez em sua terceira exposição e de lá pra cá eu tenho tentado desenvolver uma política de apoio às exposições que acontecem naquele espaço.

Qual foi a necessidade de criação desse espaço? Eu diria que até a década de 1980, o INF esteve muito impregnado por uma visão de que as coisas do folclore estavam marcadas por determinadas características tais como a pouca importância da autoria, a “não contaminação” pelo ethos urbano, a temporalidade que remetia essas expressões sempre ao passado, o distanciamento geográfico em relação aos grandes centros do país, a regionalização, a ruralização dessas expressões de arte e cultura. Tudo isso se refletia nos objetos com que a instituição lidava. O Instituto, como órgão integrante da Funarte, participava de suas ações e, por exemplo,  fornecia objetos para venda nos espaços de comercialização da Funarte. Nas lojas vendia-se a produção da Funarte relativa às publicações do INAP, Instituto Nacional de Artes Plásticas, catálogos e outros produtos do Instituto Nacional da Música, a produção de discos, de lp’s e compactos, cartazes, livros e etc, enfim, toda a produção gráfica, sonora e visual de que a Funarte dispunha. E junto a essa produção você encontrava, além das edições do INF, pecinhas de arte popular. Eram representações de cerâmica do Jequitinhonha, representações dos figureiros de Taubaté, e outras que se encontravam ali, para deleite do público que visitava esses espaços, geralmente pessoas das camadas médias, intelectuais, consumidores das artes. Eu mesmo antes de integrar o quadro do INF ia muito à loja da Funarte, na rua México, para comprar minhas pecinhas de barro. Só que toda a produção era vendida ali com esse caráter que o folclore então assumia naquela época: de ser uma expressão do povo brasileiro, a expressão da alma do povo, e por ser a expressão dessa alma, por ser o povo, essa coisa coletiva, anônima, a autoria não era importante e quase nunca estava presente. Não que ela não estivesse nos objetos que, muitas vezes até podiam portar a assinatura de quem os havia feito, mas isso era de menor importância, o que importava ali é que os objetos expressassem a vontade ou a visão de mundo ou a cosmovisão do povo brasileiro. Era nessa condição, como tal, que esses objetos vinham sendo cultuados.

Quando a Lélia assume o INF, uma das tentativas principais que ela faz, uma das primeiras propostas que empreende, é rever esse tipo de postura em relação à produção de cunho popular, de origem popular. Ela propõe que esses objetos sejam vistos como produzidos dentro de determinadas condições, condições essas que deveriam ser explicitadas para o público. Como objetos que são oriundos de determinados contextos sociais e culturais, que precisam ser explicitados para terem uma fruição mais direta do público, uma comunicação mais intensa com ele. Aí ela paralisou esse tipo de comercialização de objetos feitos sem identificação e abriu, na rua do Catete, na sede do INF, a Sala do Artista Popular, como exemplo de um espaço que atuasse na difusão da produção de arte no país, de arte popular e artesanato, mas que trouxesse para o público que visitasse o espaço, informações – fotografias, catálogos, se possível documentos filmados – mostrando de onde vinham aqueles objetos, quem eram os indivíduos que os produziam, como e porque os produziam, qual o significado que esses objetos tinham para seus produtores, fossem eles resultado do fazer individual ou produto do trabalho de grupos e comunidades.

Então, as SAPs começam e têm se mantido ao longo desses 25 anos de funcionamento, como exposições “monográficas”, se pudéssemos falar assim de uma exposição. Exposições que tratam de uma realidade única, seja um artista, um indivíduo, a produção dele, seja uma coletividade, um grupo que produz determinados objetos. Então, os critérios que temos adotado na eleição do que apresentar são sempre esses ligados à Sala do Artista Popular. Mostrar a produção que venha desses estratos, das camadas populares e que tem um significado que vai além da mera mercadoria: não são produtos simplesmente feitos, descaracterizados, sem identidade. É o chamado artesanato tradicional, o artesanato de cunho cultural ou artesanato de raiz - são vários os nomes que se tem no país para designar essa classe de objetos. Enfim, são objetos que, embora produzidos hoje, contemporâneos portanto, voltados ou não para o  contexto de comercialização, têm como um marco um lastro cultural intenso, têm uma tradição por trás deles e aí a tradição não é vista só num sentido histórico, de passado. Na verdade, o tradicional é o objeto que está sendo feito hoje, um objeto contemporâneo, mas que tem um pé lá atrás. O grande fator é que ele é um objeto de hoje, ele é um objeto contemporâneo, porque se fosse só um objeto do passado, seria um objeto histórico, morto, desaparecido e não um objeto da tradição.

A tradição só existe porque ela se mantém viva, ela está aí presente nos dias de hoje. É isso que faz uma distinção grande entre a questão da tradição e a questão do histórico. O fato histórico é um fato que é acontecido no passado e enquanto tal ele lá permanece; o fato tradicional é um fato que está presente aqui hoje, porque no dia que ele deixar de estar presente, vivo, dinâmico nessa sociedade de hoje, ele se transformará num fato meramente histórico.

Esse artesanato que a gente está prezando é o artesanato tradicional, contemporâneo, embora muitos olhem pra ele e remetam à questão meramente do passado, como quando dizem: “-a minha avó fazia assim, isso existia na casa da minha avó.” Interessante esse fenômeno quando se olha para essa classe de objeto. No entanto, se a gente pensar bem, eles são objetos do passado sim porque sua avó os usou, mas não são meros objetos do passado, daí eles serem tradicionais.

Com relação à seleção dos objetos para as mostras na Sala do Artista Popular, é isso: o primeiro critério é serem objetos tradicionais, objetos que vêm de um indivíduo ou de uma coletividade, quer dizer, que expressem uma visão de mundo ou o modo de ser de um grupo que forme este país, esta sociedade, ou que estes objetos sejam de um indivíduo, mas enquanto tal, ele expresse também uma verdade que está por trás, vontade de uma coletividade toda.

Nós hoje temos um cadastro na instituição. No início, saíamos muito procurando o que expor, hoje a SAP se consagrou. Desde 1983 até hoje, é transcorrido um grande tempo e nos chega muita demanda do país todo. Os critérios então são combinados: a tradição com representações regionais, locais e etc, com diferenças de matéria-prima, de técnicas, de tipo de produtos. Então, a SAP trabalha com uma equipe de pesquisadores que tem que estar sempre realizando exposições do norte, do nordeste, do sul, do sudeste, do centro-oeste, para não haver uma concentração, por exemplo, do nordeste, onde se diz que há muita arte popular, ou do sudeste, por estar mais próximo de nós. Ao mesmo tempo, procura-se criar oportunidade para estar representados diferentes tipos de matéria-prima – madeira, barro, fibras vegetais, tecido, papel, metal – enfim, variar as matérias-primas de modo que no final do ano se tenha um naipe grande de realidades distintas, de matérias-primas distintas, intercalando exposições de indivíduos com exposições de comunidade, do rural, do urbano, enfim, mostrando a grande diversidade de produção artesanal, artística, contemporânea. Fazemos cerca de oito exposições por ano, com duração média de trinta a quarenta dias. No final do ano, sempre se reúne uma comissão para definir as exposições do próximo ano, onde se faz uma seleção a partir do repertório de demanda que existe na própria instituição.

Art&: Acho que posso dizer que nas galerias de arte da UERJ você tem inaugurado um novo olhar sobre essas produções populares. Qual o maior estímulo para a organização dessas mostras?

RICARDO LIMA: Eu diria, Isabela, que estamos fazendo com as galerias da Uerj o que eu já fazia junto a Cáscia Frade, a você, a Felipe Ferreira com as atividades do Núcleo de Cultura Popular, ligado ao Instituto de Artes. Na verdade, é abrir a Universidade para essa cultura do povo, dando chance aos artistas de estarem aqui e dando chance ao público, alunos, professores, funcionários e pessoas de fora da Universidade de ver essas produções aqui também. Por ocasião de realização das Semanas de Cultura Popular, sempre procuramos fazer uma exposição que denominamos “Notórios Saberes”. Eram exposições de arte popular a partir de pesquisas realizadas pelos próprios alunos de graduação na disciplina Folclore III. Era o momento do trabalho de campo com os alunos, era o momento de descoberta de coisas, era o momento de aplicação de metodologia de pesquisa antropológica e a gente sempre aproveitava para fazer descobertas pelo Estado do Rio, e os alunos são excelentes agentes para isso. Então eles nos traziam muitas coisas, faziam seus trabalhos finais de curso e a gente então apresentava a exposição “Notórios Saberes” convidando os artistas, uma seleção deles para expor – e se exporem – na UERJ. Esses trabalhos dos alunos foi, assim, o primeiro balão de ensaio feito aqui na universidade por mim e que resgatei, ou do qual me apropriei, agora ao assumir a direção do Departamento Cultural. Por que? O que eu noto?

Nós temos duas galerias dentro da UERJ , no Maracanã: a Galeria Cândido Portinari e a Galeria Gustavo Schnoor, essas galerias de certa forma ficavam muito fechadas, tinham um público muito restrito. A Galeria Cândido Portinari, por exemplo, se abria para fora da universidade, para um espaço que não tinha muita circulação de público, então ela ficava ali meio isolada. Ao assumir a direção, a primeira coisa que eu quis fazer foi transformar isso, mudar a porta da Galeria Cândido Portinari de modo que ela passasse a se comunicar diretamente com a entrada principal da universidade. Realmente essa foi uma medida providencial. A diferença de freqüência de público nessa galeria hoje praticamente quadruplicou, se é que eu não posso dizer que ela aumentou ainda mais, porque é impressionante o quanto as pessoas estão entrando pra ver as exposições colocadas na Cândido Portinari.

Do mesmo modo, a Galeria Gustavo Schnnor também tem tido uma visitação enorme, mostrando esse tipo de trabalho que a gente vem procurando evidenciar lá. Penso que a universidade é um espaço que tem que primar pela democracia. Eu encaro essas galerias como vitrines do que pensa a universidade e aí, eu acho, elas têm que expor o máximo e dar oportunidade, também o máximo possível, a segmentos sociais diferenciados, para que mostrem seus trabalhos. Então, se existe uma arte contemporânea, uma produção ligada a uma expressão de elite, atual, eu acho que tem que ser mostrada dentro de uma galeria sim, mas também uma produção de arte popular, ou uma produção de arte naif, e a produção de grafite urbano e muito mais da pluralidade que existe por aí, sendo produzida hoje. Enfim, nosso propósito à frente do Departamento Cultural da UERJ é dar voz às mais distintas expressões de cultura e arte, sem hierarquias, discriminações.

Você me pergunta o que me estimula a organizar essas mostras. Primeiro é a chance que eu tenho de democratizar o acesso à arte dentro da universidade. Isso realmente pra mim é uma questão de honra que sempre fez parte da minha trajetória intelectual. Ademais, como professor, como antropólogo, mostrar que a realidade não é unívoca, a realidade não é homogênea, e muito menos ela tem que ser hegemônica; existem diferentes formas de expressão no mundo e todos têm que ter o direito de se exprimirem. Ao assumir o Departamento Cultural, eu estou tendo a chance de mostrar isso, de atuar num outro plano que não a sala de aula, buscando defender isto. E é isto que eu tenho feito.

Segundo que a UERJ é uma universidade pública e é fantástico o que ela permite aos alunos de baixa renda, dos estratos sociais menos favorecidos, de estarem aqui dentro. A Uerj tem um contingente enorme de alunos advindos da baixada fluminense, das periferias,  da Zona Norte do Rio, espaços que são extremamente carentes de equipamentos culturais, haja vista que, exceto as galerias da Uerj, não se dispõe na zona norte da cidade de um único espaço de exposição permanentemente aberto. Existem alguns outros espaços também culturais, mas fazem um trabalho intermitente em relação a exposições, como o Sesc Tijuca, por exemplo. E mesmo assim, a gente conta nos dedos: é o Sesc Tijuca, Sesc Madureira e poucos mais. E na UERJ, a maioria dos alunos são dessas áreas, dessas regiões. Vem à Uerj e daqui voltam para suas casas. Ou a Uerj oferece essa opção para eles ou muitos jamais entrarão numa galeria de arte, jamais freqüentarão um museu, instituição que, em sua quase  totalidade se concentra na zona sul da cidade. Então, o papel, a importância estratégica da Uerj aqui no Campus Maracanã é enorme. Daí esse trabalho com as galerias, poder estar oferecendo a esse público, que é aluno, funcionário, o público do entorno aqui da Uerj, a oportunidade de ver trabalhos de arte, e toda vez que eu vou às galerias e encontro alunos lá, vejo muitas vezes o deslumbramento no rosto desses alunos, pelas coisas que eles estão vendo, que estão descobrindo ali dentro, o acesso que eles estão tendo à arte e que não tinham. Isso pra mim é extremamente compensador, talvez seja isso o maior estímulo em promover, trazer à Uerj esse tipo de expressão.   

Art&: A arte popular tem sido alvo de inúmeras atenções: pesquisadores, designers, artistas, investidores, curadores e o público em geral têm se voltado para esse estrato da produção artística. Podemos pensar em um progressivo fortalecimento desse campo artístico?

RICARDO: A gente teria que analisar com um pouco mais de atenção essa afirmativa. As pesquisas há um tempo acontecem nessa área – muito embora ainda continuo a achar que poucas. Mereceria haver mais. Com relação à atuação dos designers, eu penso que o campo do design é bastante específico, quer dizer, qual é o interesse do design relativo ao campo da produção popular? Isso passa muito mais por um campo mercadológico e econômico, a meu ver, do que um fortalecimento do campo popular enquanto campo de arte. Aí há tensões enormes convivendo lado a lado. O interesse de artistas pela questão da arte popular é uma outra questão que a gente pode discutir de volta mais adiante. Eu penso que, como é sabido, desde o movimento modernista, a questão do popular já chamava a atenção dos artistas, a saber, Tarsila, Vicente Rego Monteiro, Mário de Andrade, todos eles  voltaram o olhar para o campo das produções populares, mas com uma especificidade também muito grande. Muitos investiram na arte popular, que se constitui em um campo de interesse econômico também. Enfim, num certo sentido, há o interesse maior pelo campo, em outro sentido esse interesse é já ‘de sempre’ um interesse específico. Não é necessariamente a arte popular que está interessando a muitos que dela se aproximam. Com isso, eu não saberia dizer se há um fortalecimento do campo enquanto expressão de arte.

Art&: Qual é o lugar do artista popular? Onde ele pode ser encontrado?

RICARDO: Penso que nesse mundo globalizado de hoje, com tantas interpenetrações, tanta comunicação, tantos fluxos, movimentos, é difícil estabelecer um lugar específico para o artista popular. Na realidade, não existe um gueto próprio do artista, e isso num certo sentido é até perigoso, mas ele pode ser encontrado na sociedade como um todo. Você cruza esse país, de norte a sul, e o que vê de produção popular, entendendo esse popular, o que talvez eu não tenha falado antes, como expressão de arte até certo ponto apartada do hegemônico, daquele saber que é aprendido nos bancos formais de uma academia de arte, que é dirigido, discutido e “incensado” pelos pequenos círculos definidores do mercado das artes, formado, em especial, por críticos, galeristas e marchands, mas entendendo essa arte como expressão do indivíduo, do segmento a que pertence e a que dá expressão por meio do que realiza. A gente vê isso nos grafites aí pelas paredes, quanta coisa fantástica vem surgindo. A gente vê isso na batucada, no sambinha que acontece na esquina, no botequim. Enfim, essa arte já está impregnada no social, na vida, e depende de seus consagradores tomar os exemplos e transformá-los em ícones desse mundo da arte popular. Então, ela pode ser encontrada em todo lugar e existem espaços reservados especificamente para ela, como a Sala do Artista Popular, o Museu de Folclore Edison Carneiro, o Museu Casa do Pontal, para citar apenas alguns que estão no Rio de Janeiro. São espaços que se voltam à finalidade de ter ali um repertório da arte popular como um todo. Eu me lembro, neste momento, da existência, pertinho da gente, do Pavilhão de São Cristóvão, com a feira dos nordestinos, onde você consegue ter expressões que vão da dança ao teatro, à música, ao artesanato e à culinária. Muitas coisas que são formas de expressar e revelar os valores desse povo brasileiro.

A Palha que Conta Histórias o artesanato de palha no sul do país

 

Artesão Maçariqueiro- A Arte do cristal em Blumenal.

 

D+20- mostra virtual da sala do artista popular.

 

O Traiado e o Ordido-Tecidos de Buriti dos gerais da Bahia.


ISSN 1806-2962

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 10 - Novembro de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados