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Objetos e Engenhocas
Autora: Elisabete Bianchi[1] - elisabete.bianchi@gmail.com

Resumo: “As máquinas de Guto Lacaz”, vídeo do Projeto Arte na Escola, encorajou os alunos a realizarem suas próprias invenções de objetos e engenhocas. Primeiramente elaboraram projetos gráficos, sem o compromisso de confeccioná-los, onde podiam deixar a imaginação livre da restrição de acesso aos materiais. Após, com pesquisas e por vezes com algum auxílio de parentes e amigos, elaboraram e colocaram em prática projetos de criação de objetos lúdicos, inutilizados ou transformados em elétricos, originando novos conceitos aos objetos e materiais utilizados. Com a construção de um mapa conceitual, sistematizamos as relações entre as diversas áreas do conhecimento envolvidas no processo de pesquisa e criação do artista.

Palavras-chave: Arte Contemporânea, Objeto, Guto Lacaz, Mapa Conceitual, Arte/Educação.

Abstract: “The machines of Guto Lacaz”, a video from art project at school, encouraged the students figure out their own inventions and new objects. Fist of all they drew projects up, with no obligation with the materials. Later with the researches and sometimes the help of relatives and friends, they draw the projects up and put it into practice. They created with useless objects or transform in electrical. It is the beginning of new concepts about objects and materials. With the construction of concepts maps, we figure out the relation between the different knowledge areas involved into the research process and artistic creation.

Keywords: Contemporary Art, Objects, Guto Lacaz, Concepts Maps, Education Art.

Este projeto foi realizado no terceiro trimestre de 2007, pela Professora Elisabete Bianchi e 155 alunos do 6º ano – II Ciclo, 7º, 8º e 9º ano – III Ciclo da Escola Municipal de Ensino Fundamental Abramo Pezzi, localizada no Bairro Castelo, da cidade de Caxias do Sul, RS.

A possibilidade de levar os alunos para visitar a 6ª Bienal do Mercosul fez-me pensar sobre o impacto que teriam ao ver obras de linguagem não tradicional, já que muitos alunos não tinham familiaridade com essas linguagens. Em especial preocupava-me o 6º e o 7º ano, que, embora conhecessem trabalhos de arte contemporânea em desenho, pintura, colagem e assemblagem, não tinham conhecimento sobre objeto, instalação, vídeo-arte, etc. Optei por trabalhar com a linguagem do objeto, com o qual passariam a compreender a apropriação de objetos do dia-a-dia no universo da arte. Assim, estariam mais bem preparados para tirar maior proveito da visita à Bienal.

O vídeo “As máquinas de Guto Lacaz”, do Projeto Arte na Escola, foi apresentado integralmente para algumas turmas e, após, solicitei que elaborassem projetos gráficos (Fig. 1), sem o compromisso de confeccioná-los, onde poderiam deixar a imaginação livre da restrição de acesso concreto aos materiais. Para outras turmas, num primeiro momento, apresentei apenas os 15 segundos iniciais (sugestão apresentada no Material de Apoio do DVD) e então solicitei a mesma atividade, para só então mostrar o restante do vídeo. A curiosidade fez com que os alunos protestassem à visualização do vídeo, mas ao mesmo tempo os acompanhava uma ansiedade para enfrentar o desafiado de criar. A segunda experiência, que proporcionou um tempo para criação entre os dois trechos do vídeo, pareceu-me ter promovido mais idéias nos alunos, pois foram mais rápidos e produtivos no insight e registro de idéias, do que nas turmas onde mostrei o vídeo integralmente. Acredito que isso se deu pelo fato de as imagens dos primeiros 15 segundos serem provocativas, não darem respostas e instigarem a memória lúdica.

Fig. 1 – Projeto do objeto “Lápis para missão aérea” – Lucas Rosa do Amaral – 7º ano

Do vídeo, os alunos destacaram o jeito “infantil”, cômico e cativante de Guto Lacaz. Chamei atenção para como esse estilo se revela em suas obras, o quanto seus objetos são também cativantes, bem humorados e lúdicos. O processo de criação do artista também foi foco de discussão, desde sua atração por um objeto do cotidiano, sua exploração, até sua recriação. Discutimos sobre a brincadeira como forma de aprender, de deixar a imaginação fluir, de criar e de recriar. A inutilidade dos objetos de Guto Lacaz foi, por alguns alunos, inicialmente rejeitada, mas após pedir que comparassem a utilidade de algum de seus objetos com a de uma pintura, aceitaram instantaneamente os motivos de tal inutilidade. Lembrei-os das falas e imagens das performances que levam a compreender que a inutilidade no trabalho de Lacaz é uma maneira de contrapor e ironizar, de forma humorada, o senso comum às funções que determinamos aos objetos, o trabalho científico e o acadêmico. De alguma forma eles compreenderam que essas inutilidades podem comunicar, expressar, e por isso são necessárias, de que a arte é uma necessidade humana.

Em seguida foi solicitado aos alunos para criar um objeto. Alguns se utilizaram da criação de projetos gráficos (Fig. 2), outros preferiram criar a partir da experiência lúdica do contato direto com os materiais. Alguns alunos destacaram-se pela iniciativa em criar objetos, antes mesmo de eu solicitar. Foram seduzidos pela possibilidade de criar objetos com os sistemas de mecânica e eletricidade. Combinei que teriam duas semanas para criar, em casa, pois cada um exploraria materiais diferentes, teriam necessidades específicas para confecção em tempos também bastantes distintos.

Fig. 2 – Projeto e objeto “Bicicleta de 8 rodas"– Lucas Rosa do Amaral – 7º ano

Os objetos criados (Fig. 3 a Fig. 14) revelaram processos criativos que se confundiam em meio a atitudes de artistas, pesquisadores, cientistas e inventores. Parentes e amigos dos alunos envolveram-se, por vezes, na prestação de algum auxílio na confecção do objeto, principalmente no trabalho com eletricidade, mecânica, marcenaria e solda. O prazer de criar e de inventar fez com que alguns alunos fizessem mais de um objeto. Criaram brinquedos e objetos de características diversas, como os de materiais alternativos, os interativos, os elétricos, os lúdicos, os inúteis e os metafóricos, sendo que uma característica não excluiu outra. Dentre os materiais alternativos que se utilizaram para confeccioná-los estavam: potes, garrafas pet, caixas, latas, pregos, arame, madeira, brinquedos, motores, pilhas, lâmpadas, bomba de ar, imã, lixa de pé, caneta, rolha, balão, farinha, entre outros. Alguns objetos exigiam interações como apertar um botão em controle remoto, girar uma manivela, puxar uma corda, assoprar e bater palmas. Para cada interação um movimento físico e/ou uma resposta sonora eram obtidos. Outros objetos eram movidos pela força elétrica, montados com fios condutores, motores, pilhas, etc. Este último era o desejo de grande parte dos alunos, alguns se arriscaram na experiência, partindo de conhecimentos prévios, pesquisando em livros ou com o auxílio de adultos. Buscaram conhecimentos de engenharia mecânica e elétrica, entre tantos outros conhecimentos, para produzir seus objetos de arte, e assim desmistificaram o isolamento das áreas do conhecimento, vivenciando conscientemente a fusão entre arte e ciência, então direcionadas para um objetivo em comum. Ao pensar arte e ciência, Guto Lacaz disse: “Os artistas, de modo geral, têm medo da ciência e acabam se esquecendo que, se ela for bem administrada, pode se tornar um poderoso instrumento de expressão”.

Fig. 3 – “Cata-vento elétrico” – Maiara Taís Santos da Silva – 6º ano

Fig. 4 – “Moinho elétrico” – Leonardo Novello Bueno – 6º ano

Fig. 5 – “Triciclo motorizado e elétrico” – Yuri de Oliveira Signorelli – 7º ano

Fig. 6 – “Enchendo balão com bomba de ar para aquário” – Nataniel da Silva Oliveira – 7º ano

Fig. 7 – “O bater das asas de uma borboleta ao som de caixinha de música” – Joice Guazzelli – 8º ano

Fig. 8 – “Roda elétrica de diversão” – Eduardo Terra de Lucena – 8º ano

Fig. 9 – “Puxe a corda: Galo em eterna fuga dos cães” – Juliana de Oliveira – 8º ano

Fig. 10 – “Fio de cobre girando ao ser atraído por ímã” – Tiago Inocenti – 8º ano

Fig. 11 – “Cobiçado e intocável” – Bianca Rodrigues Varela – 8º ano

Fig. 12 – “Auxílio de fios elétricos para manter a etiqueta ao segurar taça de vinho” – Bruno Menegat – 9º ano

Fig. 13 – “Amplificador para celular” – Sabrina da Silva Marques – 9º ano

Fig. 14 – "Espaçonave" – Jéssica Rossa de Campos e Patrícia Karine Carijio – 9º ano

Cada turma organizou uma exposição de objetos em sua sala de aula, convidando as demais turmas para apreciar, interagir e conversar sobre o processo de criação dos objetos expostos. Com a construção de um mapa conceitual (Fig. 15), os alunos sistematizaram as relações estabelecidas no estudo da arte de Guto Lacaz e, assim, perceberam os vínculos entre as diversas áreas do conhecimento, clarificando os conceitos envolvidos no processo de pesquisa e criação realizado pelo artista e, por vezes, por eles mesmos.

Fig. 15 – Mapa conceitual, a partir de Guto Lacaz – 7º ano

Ao conhecer e referenciar-se no trabalho do artista, projetar e confeccionar um objeto artístico apropriando-se de objetos do cotidiano e montar uma exposição, os alunos ampliaram a compreensão quanto ao processo de criação artística. Com o propósito de prepará-los para a visita à 6ª Bienal, também outras atividades foram realizadas, focadas na temática da mostra “A Terceira Margem do Rio”, na organização curatorial e artistas da mostra.

A visita dos alunos à Bienal, nas mostras Zona Franca e Exposições Monográficas, expandiu ainda mais seus conhecimentos. O contato direto com a arte contemporânea – abarrotada de apropriações de objetos do cotidiano – pôde causar um novo impacto aos seus conceitos. Tramas de relações mais complexas foram construídas em suas leituras ao longo da visita e à medida que os monitores os provocavam com questões. A arte contemporânea pareceu fazer mais sentido a eles.

Referências Bibliográficas

LACAZ, G. Entrevista com. Disponível em http://www.ufmg.br/online/arquivos/000587.shtml. Acesso em 01 dez 2008.

________. Disponível em: http://www.gutolacaz.com.br. Acesso em 01 dez 2008.

RABELLO, M.E. “As Máquinas de Guto Lacaz”. Documentário. 23 min. DVDteca Arte na Escola – Material educativo para professor propositor. São Paulo: Rede Sesc Senac de Televisão, 2000.

TINOCO, E.F.V.; MARTINS, M.C.; PICOSQUE, G.. “As Máquinas de Guto Lacaz”. DVDteca Arte na Escola – Material educativo para professor propositor. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2006.

Notas:

[1] Professora de Artes na Escola Municipal de Ensino Fundamental Abramo Pezzi.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 10 - Novembro de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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