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INCLUSÃO PELA ARTE: PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO DE PESSOAS COM CEGUEIRA AO MUSEU
Autoras: Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva[1] - cristinaudesc@pesquisador.cnpq.br e Adriane Cristine Kirst[2] - adrianekirst@hotmail.com

Resumo: O presente texto tem como objetivo apresentar os resultados da investigação que se desenvolveu tomando como objeto de estudo as atividades realizadas pelo Programa Educação e Arte: uma perspectiva inclusiva. Neste contexto buscou-se averiguar quais as possibilidades de democratização do acesso para públicos cegos a partir de maquetes táteis. Desenvolveu-se a partir de 2006 uma parceria do Núcleo de Arte-educação NAE/ MASC, Museu de Arte de Santa Catarina com a UDESC, Universidade do Estado de Santa Catarina, para Investigar, desenvolver e refletir sobre as ações que possibilitassem o acesso de pessoas com cegueira ao Museu de Arte. Para tanto, utilizamos um processo de pesquisa-ação. Como resultado pôde-se perceber que para o cego o Museu de Arte é um espaço ainda pouco explorado. Identificamos também que o material em Braille é fundamental para que se constitua o acesso democrático dos públicos especiais no museu. Por último, diagnosticamos um conjunto de características necessárias para as maquetes táteis que podem ampliar, a partir de uma mediação qualificada, a apreciação de exposições de arte em contextos museológicos.

Palavras-Chaves:   Ensino de arte, Inclusão, Formação de Professores.

Abstract: Results on an investigation with regard to activities undertaken by the program Education and Art: An Inclusive Perspective are provided. Possibilities for blind people’s democratization access through tactile models have been verified. In 2006 a partnership has been established between the Nucleus for Art-Education, Art Museum of Santa Catarina (NAE/MASC) and the State University of Santa Catarina (UDESC) to develop and reflect on activities that would make possible blind people’s access to the Art Museum. The research-activities process was the methodology adopted in the undertaking. Results show that the Art Museum is still unexplored space for blind people and that Braille material is of paramount importance for the democratic access of the milieu. A set of factors, required for the tactile models, have been diagnosed, which will broaden the appreciation of Art expositions in the Museum context through qualified mediation.

Key words: Art Teaching; Inclusion; Teachers’ training.

1. Introdução:

Consolidando um modelo de ensino de arte na contemporaneidade o Museu de Arte é uma possibilidade de ampliação da preparação artística dos indivíduos na sociedade. O contato com o objeto artístico torna-se uma estratégia que, na medida do possível, tem sido inserida nos espaços da escolarização, bem como na formação de professores de artes. Neste caso, o foco do presente texto extrapola o contexto da escola, ainda que de alguma forma se constitua como uma interface necessária neste processo. O objeto de investigação que se consolida neste texto diz respeito à investigação dos processos de inclusão do público cego no Museu de Arte, como consolidar a participação deste segmento nos espaços expositivos. Nossa investigação analisou as atividades do Programa: Educação e Arte: uma perspectiva inclusiva, um programa de extensão desenvolvido entre os anos de 2006 e 2008 junto ao Museu de Arte de Santa Catarina – MASC.

Iniciamos as atividades investigativas coletando dados da participação dos cegos no Museu de Arte de Santa Catarina. A partir dos dados do NAE/MASC, percebemos que o público cego não visitava o Museu regularmente e que as iniciativas de preparação de materiais ainda eram poucas. Neste caso, podemos afirmar que a escola tem um importante papel na formação de públicos para os espaços expositivos, assim, se o estímulo escolar ou familiar não se consolidar ao longo da trajetória do estudante, poucos vão desenvolver o hábito da freqüência ao museu. Em contrapartida, a escola e o público em geral necessitam encontrar no museu de arte condições de apreciação que estejam em acordo com os diferentes modos de perceber o objeto artístico. Bourdieu [2005] destaca que o gosto se constitui a partir de um capital cultural que se consolida nos grupos sociais, principalmente do ponto de vista do acesso econômico. Ocorre que o público que freqüenta o Museu, a partir dos programas de estímulo a freqüência, é principalmente o público de escola pública, ou seja, o grupo com menor poder aquisitivo, e por força disso com menos experiências de acesso aos bens culturais institucionalizados.

Apresentamos o presente artigo a partir de uma breve introdução que caracteriza o tema investigado. No primeiro tópico desenvolvemos as reflexões que fundamentam a proposição no âmbito do ensino de arte e sua articulação com os espaços museológicos. No segundo tópico abordamos as condições adequadas para o desenvolvimento de um projeto de democratização do acesso de cegos no museu de arte. No terceiro tópico expomos as análises realizadas a partir do desenvolvimento das matrizes táteis, sua caracterização como material auxiliar na ampliação da experiência estético-tátil da pessoa cega. Ainda, como último tópico, abordamos as considerações finais buscando focar no papel da gestão dos espaços culturais como elemento impulsionador das ações de inclusão.

2. Da escola inclusiva aos espaços de inclusão cultural:

Neste tópico destacamos uma síntese dos aspectos que consolidam a trajetória por uma escola inclusiva. Acreditamos que a ampliação da inclusão dos públicos com necessidades especiais no Museu de Arte se consolida a partir de dois eixos: estímulo à educação estética a partir da escola e condições adequadas de recepção deste grupo nos espaços expositivos. Neste tópico será enfatizado o eixo de “estímulo à educação estética” e no tópico seguinte “as condições adequadas da recepção deste grupo nos espaços expositivos”. Neste sentido levamos em conta a diversidade que está presente nas escolas e que muitas vezes necessita de outros olhares e novas perspectivas na formação dos professores para que a inclusão dos estudantes consolide os diversos espaços culturais da sociedade[3]. Ao levar em conta o contexto da escola brasileira, cabe ressaltar que os esforços na construção de uma diretriz inclusiva na educação foram construídos nas lutas do movimento educacional, das entidades científicas e das organizações da sociedade civil. Ocorre que a disciplina de Educação Artística é colocada no currículo escolar na contramão dos movimentos sociais. Novamente a organização dos professores e intelectuais da área impulsionou o Movimento Arte-Educação, que a partir da década de 1980 consolidou uma proposição mais ampla para a disciplina de Educação Artística, e que havia sido inserida na escola no golpe militar (reforma 5692/1971)[4].

Segundo Mendes [2006], mesmo que os princípios da Educação Inclusiva estejam presentes nas leis, normas e resoluções dos governos, pouco na prática tem sido feito para efetivar as políticas de inclusão.

Ressaltamos que o movimento por uma educação inclusiva cresce no anseio por uma sociedade que respeite as diferenças. Assim, pensar na inclusão no ambiente escolar não significa apenas criar vagas para as pessoas com necessidades especiais na escola regular. Essa prática, segundo Beyer [2006], foi denominada durante muito tempo como movimento de integração, tornando as escolas depósitos e aumentando a frustração e a discriminação das pessoas com necessidades especiais. Destacamos que de modo geral o trabalho com pessoas com necessidades especiais envolve aspectos relativos ao ensino de arte (técnicas, orientações e materiais), no entanto na maioria dos casos não há um profissional com formação em arte junto a estes grupos.

Na perspectiva inclusiva cabe não só o acesso à escola como também a permanência com qualidade, significando o direito à aprendizagem e à socialização com suporte diferenciado necessário a cada uma das crianças do contexto regular de ensino, bem como, no caso aqui proposto, o acesso às instituições culturais.

Reily [2004] apresenta uma fala de uma estudante cega congênita na sala de aula que caracteriza a situação deste estudante na sala de aula.

“Quando o professor precisava explicar um conceito que dependia de ilustrações, de desenhos, de representação gráfica, de um pré-requisito visual, ele dizia que não sabia como fazer e esperava uma solução minha, mas, eu, também, não sabia como resolver isso e nem tampouco sabia a matéria que ele estava dando. Então como eu poderia apresentar uma solução?” (Depoimento citado por Caiado 2003, PP.90-91) [REILY,2004 p.38].

Situações como essa são freqüentes nas escolas, porque ainda são recentes as ações de inclusão na sociedade. Neste caso, grande parte dos espaços sociais não está preparada do ponto de vista da acessibilidade (rampas, piso guia, elevadores, sinais sonoros) no caso dos cegos. A inclusão das pessoas com necessidades especiais, como público ativo e participante no contexto cultural da cidade, é tema recente no projeto das instituições brasileiras. Observamos que a maioria das instituições que desenvolvem projetos na área social são instituições públicas de grande porte. Tojal [2007] em sua tese de doutorado relata como importantes museus da Europa desenvolveram condições mais adequadas de participação do cego nestas instituições. Podemos dizer a partir dos relatos da autora que a realidade brasileira está muito aquém da realidade européia não só do ponto de vista das ações inclusivas, como principalmente dos recursos para financiamento das ações de inclusão.

Considerando os aspectos apontados anteriormente afirmamos que a escola poderá impulsionar a reflexão das necessidades de tomada de conhecimento no âmbito da inclusão. O convívio cotidiano com as diferenças poderá ampliar as condições de alteridade na sociedade, estimulando a percepção da dinâmica do outro, da sua relação com o mundo e com as artes.

Os espaços culturais da sociedade devem fazer parte do cotidiano da pessoa com deficiência[5]. No âmbito do ensino de arte, o Museu traz à tona a participação de diversos públicos no âmbito da inclusão das pessoas com necessidades especiais e do ensino de arte contemporânea.  

Se a existência da arte e de um público de arte (que detém conhecimentos específicos sobre ela) parece sempre ter existido, a arte contemporânea parece falar a um público ainda mais restrito. Visitar uma exposição de arte-contemporânea é abrir-se para o inesperado, o estranho, o incomum. É explorar o não-atendimento, a indagação (que muitas vezes vem acompanhada de certa indignação) diante de trabalhos que fogem do imaginado, do esperado, do que é concebido e valorizado como arte. Cria-se uma distância entre a expectativa e o conhecimento do espectador e entre a realidade da arte e a maneira como esta se apresenta e se constrói” [MENEZES, 2007, p. 67].

Na educação das crianças cegas, a formação estética no âmbito das artes plásticas fica em segundo plano, não só na escola e na família, como também nos espaços expositivos. Diagnosticamos a partir da análise de relatos de trabalho na bibliografia do ensino de arte, que nos processos de formação artística com crianças são privilegiadas as imagens bidimensionais, as pinturas, gravuras e desenhos para citar algumas produções. Por outro lado, os objetos tridimensionais são pouco estimulados nos processos de fazer, refletir e contextualizar. Para a criança cega, os objetos tridimensionais possibilitam por meio do tato um veículo de experimentação artística e de educação estética, mesmo que não precisem ser as únicas formas de percepção artística para este grupo.

Freire [2005] destacou a importância da formação artística de qualidade para as pessoas com deficiência, aponta a necessidade de um trabalho sério de formação estética. Para a autora a formação artística com este grupo não deve ser vista como ato terapêutico ou de ocupação, mas como exercício de formação artística, regular e com consistência. Sua experiência com formação de bailarinos cegos propõe uma:

Experiência estética que transforma a existência de quem vê e de quem é visto. Como as proposições anteriores indicaram a busca de trabalhos para estudantes com cegueira que primem pelo rigor e uma qualidade artística consciente, reflexiva e que respeite a singularidade humana num mundo plural, nesta última justificativa, argumentamos sobre a proposição da dança como experiência estética que transforme o dançarino e sua platéia” [2005, p.71].

Considerando o processo de inclusão social na escola e no espaço institucionalizado da arte, a pessoa com deficiência amplia sua participação social. Neste aspecto a Arte é concebida como área de conhecimento que colabora para a auto-reflexão e para reflexão acerca do outro e do coletivo. Procurando viabilizar a tomada de consciência de mudanças culturais presentes no contexto social, a escola participa por meio do ensino de arte do processo de empoderamento dos grupos com necessidades especiais. O termo inclusão é tomado de forma ampla neste contexto, no sentido da participação e da diversidade de grupos historicamente desfavorecidos.

Desejamos finalizar este tópico considerando que a inclusão do cego no museu deve ser alvo, junto com a educação das demais crianças, do que Thistlewood [1997] designa como estudos críticos. O autor aborda um conjunto de aspectos no âmbito da complexa rede de conhecimentos onde o museu está situado, que buscam formas de interagir com a produção artística em todas as suas dimensões, mesmo que os aspectos físicos de percepção do objeto artístico sejam diferenciados.

3. Condições adequadas de recepção dos cegos nos espaços expositivos:

Ao longo do projeto utilizamos um recorte teórico que se propôs a indagar o cenário museológico como espaço lúdico de interação com as pessoas cegas. Mesmo que a princípio o Museu de Arte não se constitua como espaço democrático de difusão da arte[6], pode, no entanto, propor ações que ampliem a participação dos cegos nos museus. Na investigação sistematizamos a partir de entrevistas, estudos bibliográficos, debates e consultorias que o Museu precisa ser acessível no seu plano físico, rampas, aberturas, indicações dos locais de forma visível, auditivo e legível a partir do Braille. Ainda na entrada do Museu precisa estar disponível o leque de exposições em diversos formatos, inclusive em Braille para que seja possível que a pessoa cega, de forma independente, possa acessar as informações e escolher qual exposição deseja conhecer.

No caso específico do Museu de Arte de Santa Catarina – MASC - não há possibilidade de uma visita autônoma da pessoa cega. Ainda, a mediação conta com atividades restritas a uma parte do acervo, que nem sempre está presente devido aos problemas de espaço do museu. Observamos ao longo da investigação que o setor educativo não consegue planejar sua ação em função da indefinição da programação das exposições. Muitas vezes a programação é definida com pouco tempo para a produção de materiais ou mesmo previsão de recursos. De tal modo o material adaptado em Braille acaba atrasando, em relação ao início da exposição.

Buscando constituir um elemento de ligação entre a pessoa cega e o espaço museológico, ao longo da pesquisa foi testado algumas matrizes táteis. Consolidadas como ferramentas de apoio elas foram concebidas para apoiar a reflexão, a experiência estética e a imaginação tendo como ponto de partida algumas obras do artista Martinho de Haro presentes no acervo. Neste sentido para Vygotsky [1999] o papel da imaginação está diretamente relacionado com a atividade criadora. Ao desenvolver um jogo simbólico a criança ensaia comportamentos e papéis, projeta-se em outras atividades, ensaia atitudes, valores, hábitos e situações para as quais não está preparada para a vida real, atribuindo significados que vão muito além de suas capacidades efetivas.

No caso em que analisamos a mediação pedagógica, as atividades desenvolvidas pelo educativo do museu procuraram refletir a partir do acervo de esculturas que fazem parte dos jardins internos. Buscando estratégias para a reflexão, ampliando a experiência estética e a imaginação das pessoas cegas, a experiência consolidou uma atividade de exploração não só do objeto artístico como também do seu entorno.

Um depoimento de um cego relata que a experiência de tocar a escultura foi ímpar na sua vida, que nunca havia pensado em estar dentro de um museu de arte, como se aquela experiência não lhe pertencesse. Por outro lado, seria fundamental o diálogo do público cego com a produção contemporânea também, não só com o acervo, para que pudesse dialogar com diversas formas artísticas, do campo do tradicional à arte tecnológica. As artes midiáticas dialogam com o avanço tecnológico no cotidiano dos centros urbanos.

As crianças estão cada vez mais brincando sozinhas em casa, tendo como mediação o computador, o vídeo game e a televisão. As produções de arte contemporânea dialogam com esse brincar tecnológico, podendo ser um espaço de troca direta do cego com o objeto artístico, interagindo diretamente com a obra de arte:

Destaca-se que na sociedade capitalista contemporânea, o brinquedo assume características que, inegavelmente, traduzem as novas demandas socioculturais. A tela do computador e os instrumentos de controle remoto passam a fazer parte do universo e do imaginário infantil” [BARRETO, 2003, p.39].

A pesquisa refletiu sobre como se constituiu o desenvolvimento de materiais que possibilitassem a pessoa com deficiência visual, inclusão no espaço do museu de artes. Através de parcerias, pesquisas e produção de materiais adaptados é possível não só aproximar o cego do patrimônio histórico cultural, mas também o professor de artes que muitas vezes tem estudantes com deficiências em suas turmas, mas não possui um preparo adequado para abordar assuntos e propor experiências que tenham significado para todos.

O museu pode ser um grande laboratório de conhecimento. “Se o que atrai e torna o visitante do museu seu amante é a curiosidade, a questão é: como estimulá-la, acolhê-la, dar lugar para o que se manifeste” [FORTUNA, 2006 p.10]. Este é o desafio dos profissionais ligados à área de arte.  Ao levar o cego para o espaço do museu, tanto o professor quanto o mediador do museu apresentam uma forma de aprender, mas também é preciso fazer com que o aluno esteja preparado para perceber as coisas de diversas maneiras, que ele saiba ler os códigos de maneira visual ou tátil no caso do cego. O professor deve saber envolver, ligar, e contextualizar os temas, ou obras do museu, com o seu projeto de ensino na sala de aula.

Para Archer, “Observar a arte não significa “consumi-la” passivamente, mas tornar-se parte de um mundo ao qual pertencem esta arte e esse espectador. Olhar não é um ato passivo; ele não faz com que as coisas permaneçam imutáveis” [2001,p.235]. Um professor de arte que esteja ligado aos conceitos da arte contemporânea e esteja aberto a experimentar diferentes posturas, que levem seus estudantes a uma posição mais crítica perante o mundo através da arte, contribui para uma prática autônoma nos espaços museológicos. 

A inclusão de fato se dá na prática do dia a dia, dentro da sala de aula, na relação professor e aluno, também acontece dentro do museu preparado para atender este público. Neste sentido o papel da monitoria tem grande responsabilidade na ampliação do acesso do público especial com os objetos artísticos. É de suma importância que os debates não sejam só utópicos, mas que dêem conta de uma nova realidade. A inclusão é algo muito novo, e é preciso um preparo que também deve partir do profissional de educação, tanto os que atuam em sala de aula, quanto os que atuam no museu. A formação continuada se consolida como uma estratégia também para os arte-educadores do Museu.

4. A produção dos materiais táteis: uma metodologia de reflexão sobre o fazer:

Os participantes da investigação desenvolveram atividades diferenciadas e colaborativas. Como já apontamos anteriormente trata-se de um processo de pesquisa-ação, ou seja, construímos o projeto como atividade de extensão e analisamos seus resultados como atividade de pesquisa. Deste processo temos a proposição de um trabalho dissertativo e dois trabalhos de conclusão de curso. A pesquisa ação permite o diálogo com os diversos participantes na construção do registro da pesquisa.

No primeiro ano iniciamos as atividades a partir de um grupo de discussão com a participação do Núcleo de Arte Educação do MASC, onde a realidade foi diagnosticada e realizamos as primeiras atividades de produção de material para público cego. Interessava-nos, neste primeiro momento, identificar a participação dos cegos no museu, como eles vinham e como interagiam com as exposições. No entanto, observamos que a freqüência de cegos no museu era inexistente não propiciando dados para análise do uso e adequabilidade dos materiais táteis produzidos. Contamos nesta etapa com a participação de Geofilho Ferreira, um estudante de psicologia que desenvolve seu estágio no Laboratório de Educação Inclusiva da UDESC. Geofilho, que é cego, pôde fazer a análise dos materiais produzidos em Braille e da monitoria realizada pelo NAE-MASC nas exposições do Museu.

No segundo ano, a partir de uma consultoria com a Professora Dra. Amanda Tojal, a investigação iniciou o desenvolvimento de maquetes táteis para cegos partindo da experiência desenvolvida pela Pinacoteca do Estado de São Paulo.

No terceiro ano o projeto buscou ampliar as visitas regulares com grupos de cego que desenvolvem atividades na Associação Catarinense de Cegos – ACIC - nos espaços do Museu a partir das esculturas do acervo presentes nos Jardins de Inverno do Museu.  Mostraram-se importantíssimas as parcerias entre as instituições, os professores e o público com necessidades especiais, para acharmos soluções para ampliar a participação dos cegos no museu.

No processo de construção das maquetes táteis partimos da preocupação em desenvolver materiais que pudessem aliar custo, qualidade e praticidade para a produção de maquetes táteis. Mas, também, que ampliassem a interação de pessoas cegas no museu de arte em conjunto com os materiais em Braille, etiquetas, catálogos e folhetos orientadores ampliando a experiência estética do público cego. Nesta etapa a pesquisa estava voltando-se para os aspectos da acessibilidade dos materiais partindo do seguinte objeto de estudo: Como elaborar maquetes táteis que ampliem a experiência estética do público cego e ao mesmo tempo aproximando-o da poética do artista?

Na experiência de refletir sobre as maquetes contamos com a participação do artista plástico Edmilson Vasconcellos que desenvolveu um processo de pesquisa estudando a princípio as possibilidades de material a ser utilizado, adequando-se aos recursos previstos pelo projeto. Nesta primeira etapa utilizamos a exposição com obras do acervo comemorativa aos cem anos do nascimento de Martinho de Haro, pintor catarinense de expressão modernista e um dos importantes artistas no Estado.

Na exposição comemorativa aos cem anos do artista houve uma grande movimentação para a produção de material educativo, um livro reunindo a coletânea do artista e grande mídia em torno da exposição, onde foram apresentadas as primeiras maquetes táteis.

Fig. 1- Fotografia - Adriane Cristine Kirst

Fig. 2- Fotografia - Edmilson Vasconcellos

Para esta exposição, Edmilson produziu duas maquetes táteis tridimensionais e duas maquetes de desenho em relevo. Destacamos que o artista desenvolveu todo o processo de registro das etapas de produção das maquetes táteis. Quando da primeira produção tátil escolhemos “A moça”, uma obra do artista Martinho de Haro. Esta maquete foi experimentada por Geofilho que identificou na produção as características necessárias para a experimentação tátil da obra de arte. Ressaltamos que neste caso “A moça” reunia características já vivenciadas pelo estudante, onde ele podia reconhecer o corpo humano, as partes do rosto e o jarro encostado na cabeça. Ainda a maquete trazia com grande destaque as diferenças de planos entre a moça e o fundo, as partes curvas do corpo e a arquitetura no fundo.

Quando iniciamos o processo de investigação partíamos de um pressuposto de que a maquete tátil deveria reproduzir ao máximo a obra do artista, pois parecia tratar-se de um desacato ao artista não reproduzi-la em sua totalidade. Ao longo da pesquisa fomos mudando nossas posições a partir dos seguintes argumentos: 01 – Por mais que reproduzíssemos a obra de arte na maquete, ela jamais seria a obra do artista, só o fato da mudança de material já faria toda a diferença. 02 – Para o cego, principalmente o cego congênito (que nunca teve visão), uma maquete com muitos detalhes, ou que não tivesse os planos muito bem definidos, não poderia ter o efeito desejado, de percepção dos objetos ou formas que compõem a obra de arte.

Concluímos este tópico apresentando a segunda maquete que tinha como temática o Cais, também do artista Martinho de Haro. Nesta maquete pudemos constatar que o excesso de detalhes do fundo, em contraposição com a forma do barco, impediam que Geofilho reconhecesse as formas presentes no objeto artístico. Destacamos que neste caso a proposta foi construir materiais auxiliares que pudessem ajudar a identificar o barco fora da obra, em sua totalidade, e o ângulo em que o barco estava colocado na obra. Podemos afirmar que quando o cego consegue abarcar com a mão a totalidade do objeto, obtém melhor compreensão de sua concretude.

Fig. 3- Matriz tátil da obra “Integração”, 1987.

Fig. 4- Obra da artista Helena Montenegro.

Em uma terceira experiência o artista Edmilson produziu uma maquete de uma escultura do jardim do Museu onde utilizou o mesmo material da escultura (cimento), como podemos observar na imagem.

Esta maquete foi perfeitamente acessível para a compreensão do objeto produzido pela artista Helena Montenegro, por parte do público cego. Apresentamos um recorte específico de três maquetes táteis, no entanto cabe ressaltar que este é um recorte do projeto, outras maquetes foram produzidas com resultados diferenciados. Ainda cabe enfatizar que os cegos adultos valorizam a atividade de descrição da imagem como uma ferramenta que amplia a visualidade e a interação com sua realidade.

Considerações Finais:

A inclusão ganhou força em todo o mundo a partir dos anos 80, e as pessoas com deficiência têm conquistado novas oportunidades, incluindo a defesa do direito de serem considerados como seres humanos plenos. Leontief [2004] aponta para a importância de se considerar o fato de que cada um é diferente, e que com condições adequadas e métodos de ensino especiais muitas das deficiências podem ser vistas como desafios diante das experiências que se proponham a dar condições de aprendizagem iguais para todos. Portanto, o desenvolvimento da percepção estética depende das condições que são dadas a estes estudantes. Com certeza se olharmos para trás muita coisa melhorou, mas ainda estamos longe de uma verdadeira inclusão, pois não basta o estudante especial estar dentro do espaço físico da sala de aula, ou do museu, ele deve estar participando de maneira justa e interagindo com os demais e constituindo sua expressão.

A investigação que se constituiu focando o projeto Museu de Artes e a possibilidade de inclusão do Programa Educação e Arte: uma perspectiva inclusiva que buscou investigar os processos de proposição para as questões que se tornam urgentes na sociedade a partir das mudanças que se consolidam quando o cego sai do espaço familiar e busca interações com os espaços públicos, que de modo geral não está preparado para a recepção dos públicos especiais.

Concluímos esta etapa da investigação com resultados importantes, como a necessidade de organização de grupos de estudo que aproximem professores de arte da escola e do museu para fundamentar a ação inclusiva em arte. Os processos de mediação dos públicos de modo geral precisam ser vistos como ações processuais que se consolidam ao longo da vida do sujeito a partir das diversas experiências estéticas e artísticas.

Podemos dizer também que existe um conjunto de materiais que necessita ser produzido para que os públicos especiais possam adentrar ao espaço do museu numa condição de público. Para tanto é necessário repensar o espaço de gestão dos museus, no caso aqui apresentado observamos as dificuldades de gestão do Museu de Arte de Santa Catarina que são vistas como empecilhos para a inclusão de qualidade. Entre elas a indefinição da pauta de exposições, a marcação de um espaço definido para o museu e a falta de um orçamento para o setor de Arte-Educação do MASC.

Cabe ressaltar que o museu precisa ter definido um espaço de acervo para que o núcleo de educação possa constituir um planejamento para atender os públicos especiais e desenvolver projetos de médio e longo prazo. No caso da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Tojal [2007] aponta que as mudanças do acervo não são freqüentes justamente para apoiar os projetos e materiais produzidos para atender os grupos diferenciados. Neste caso não podemos deixar de ressaltar a necessidade de financiamento para produção do material adaptado e para a aproximação dos públicos especiais do museu de artes.

Consolidamos a partir da investigação algumas propostas no sentido de diminuir o despreparo do atendimento do público cego no contexto da inclusão nos espaços expositivos. As iniciativas de formação nesta área estão tornando-se presentes e cabe aos profissionais ampliarem o aprimoramento de seu conhecimento crítico-reflexivo. A pesquisa é uma proposição que tem efetivado de forma qualitativa as experiências inovadoras no campo da Arte, da Educação e da Inclusão. 

Referências Bibliográficas:

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VYGOTSKY, L.S. Imaginación y creación en la edad infantil. La Habana: Editorial Pueblo y Educación.1999.

Notas:

[1] Professora do CEAD e do PPGAV – CEART/ UDESC. Líder do Grupo de Pesquisa: Educação, Arte e Inclusão do CNPq.

[2] Mestranda do PPGAV – CEART/UDESC e membro do grupo de pesquisa: Educação, Arte e Inclusão do CNPq.

[3] Sobre este tema ver: Por uma Arte-educação Multicultural.  Mason [2001].

[4] Sobre este tema ler: A Formação de Professores de Arte: Diversidade e Complexidade Pedagógica. Fonseca da Silva [2005].

[5] Existe um amplo debate acerca da melhor nomenclatura para designar pessoas com deficiência. Não é alvo de este texto fazer tal discussão. Utilizamos aqui o termo deficiência para representar as necessidades específicas do grupo em discussão.

[6] Dizemos isso a partir da concepção de que o espaço do museu é um espaço de seleção, de escolha, a partir dos aspectos que o sistema das artes significa como arte e dos que desenvolvem o processo de gestão do museu de arte.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 10 - Novembro de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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