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A ARTE POR MEIO DO OLHAR: EXPERIÊNCIAS NO ENCONTRO COM A IMAGEM NA FORMAÇÃO DE ALFABETIZADORES INDÍGENAS
Autoras: Ana Lúcia Gomes da Silva[1] - analucia.sc1@hotmail.com e Claudete Cameschi de Souza[2] - cameschi@terra.com.br

Resumo: Parte integrante do projeto de pesquisa: “Educação Escolar Indígena: Língua, Raça, Cultura e Identidade”. Esta comunicação tem por objetivo analisar a leitura de imagens no ensino da língua materna e língua portuguesa com alfabetizadores do acampamento indígena “Mãe Terra” e da reserva da Cachoeirinha, município de Miranda-MS. Os procedimentos metodológicos incluíram levantamento bibliográfico, observação direta de aulas e atividades de intervenção que caracterizam a pesquisa como uma “pesquisa-ação”. As representações das imagens funcionaram como suporte para o significado de todo um corpo de dados culturais que, como a linguagem verbal, foram usadas para compor e compreender mensagens no ambiente escolar, em língua materna (terena). Mesmo parciais, os resultados apontaram grande entusiasmo dos alfabetizadores indígenas na aplicação do uso da imagem no processo ensino e aprendizagem.

Palavras-Chaves: Leitura de Imagens, Língua Materna, Educação Escolar.

Abstract: As integrant part of the research project ‘Indigenous School Education”: Language, Race and Identity”, this communication aims to analyse the reading of images in the teaching of Mother language and Portuguese language with alphabetizations teachers of the indigenous camp “Mãe Terra” and the reserve of Cachoeirinha, municipality of Miranda-MS. The methodological procedures included bibliographical lifting, straight observation of classes and activities of interventions which characterize the research as an “action-research”. The representations of the images work as suppport to the meaning of a whole body of cultural data which, as a verbal language, were used to compose and understand messages in the school environment in Mother language (Terena). Even partial, the results pointed to the great enthusiasm of the indigenous alphabetization teachers in the application of the use of image into the teaching process and learning.

Key words: Reading of Image, Mother Language, School Education.

Introdução

O objetivo deste texto é contemplar as discussões sobre a abordagem multicultural da leitura e releitura de imagens como ação metodológica e dialogar com a realidade contemporânea do povo indígena terena do acampamento “Mãe Terra” e da reserva indígena da Cachoeirinha, município de Miranda/MS, diante dos novos desafios e conflitos que hoje enfrentam pela posse de terras.

A reserva da Cachoeirinha possui uma população indígena aproximada de três mil e quinhentos índios distribuídos em cinco aldeias: Morrinho, Lagoinha, Argola Babassu e a sede Cachoeirinha. Há uma escola — Escola Municipal Pólo Indígena “Coronel Nicolau Horta Barbosa” — e seis extensões que totalizam aproximadamente 700 alunos matriculados, da Pré-Escola às séries finais do ensino fundamental.

Responsabilizam-se pelas aulas da pré-escola à 4ª série do ensino fundamental 45 (quarenta e cinco) professores indígenas, sendo que, destes 45, 20 (vinte) possuem o Magistério — Ensino Médio; quatro estão cursando Pedagogia por meio do Programa de Educação a Distancia da UFMS/Pólo de Porto Murtinho; sete possuem a graduação, geralmente em Pedagogia, pelo Programa de Formação de Professores em Serviço da UFMS/campus de Aquidauana e pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), oito possuem o Normal Superior pela UEMS, em Aquidauana; um é aluno da 2ª série do curso de Pedagogia – Licenciatura para as séries iniciais do ensino fundamental, da UFMS, do Campus de Aquidauana e; cinco possuem o ensino médio, não cursaram o Magistério e não estão cursando a graduação. A Coordenadora Pedagógica é formada em Pedagogia, pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, em Aquidauana e foi aprovada e aceita para o Mestrado pela Fundação Ford.

A reserva da Cachoeirinha localiza-se a 14hm da sede do município de Miranda, tem características urbanas, com energia elétrica, água encanada, ruas bem estruturadas, casas de alvenaria, posto de saúde, posto indígena, telefone público, campo de futebol, quadra coberta e, a maioria dos moradores possui aparelhos eletrodomésticos, como, por exemplo, televisores, máquinas de lavar roupas, liquidificadores, batedeiras e, alguns possuem antenas parabólicas, aparelhos celulares, vídeo, DVD e veículos como bicicletas, carros e motos.

O acampamento “Mãe Terra” localiza-se a 20 km da sede do município de Miranda, surgiu pela disputa de terras indígenas, em novembro de 2005. Atualmente moram no acampamento 165 famílias oriundas da reserva Cachoeirinha, e 103 crianças freqüentam as séries iniciais do ensino fundamental na escola da sede da reserva, a sete quilômetros do acampamento.

No local existe um barracão onde se desenvolve a educação de jovens e adultos, no período diurno, com 48 alunos freqüentes, sob a responsabilidade do professor Eduardo. Não tem energia elétrica e nem água encanada. As famílias indígenas moram em cabanas de taipa, cobertas com folhas de buriti. Há uma organização invejável por grupos de dois a dez índios por equipe-setor, como, por exemplo: equipe de segurança, formada por dez índios que se revezam de cinco em cinco no patrulhamento, diurno e noturno, da cerca e da porteira de entrada, geralmente armados de lança e sob o comando de um coordenador; a equipe de educação é composta por dois índios, coordenada pelo professor Eduardo; equipe das mulheres, coordenada pela senhora Maria, composta por dez senhoras que se responsabilizam pelas doações que recebem (roupas, calçados...) distribuindo-as entre as famílias. A vida no acampamento sangra severa e acre diante dos novos desafios e conflitos que enfrentam pela posse de terras e pela rudez do lugar.

A educação de jovens e adultos desenvolvida no acampamento está vinculada à escola da Cachoeirinha e incluída no projeto Keukapana ra vemo’u, que, por sua vez, integra-se ao projeto de pesquisa: “Educação Escolar Indígena: Língua, Raça, Cultura e Identidade”, coordenado pela Profª. Drª. Claudete Cameschi de Souza, desenvolvido na reserva. Assim, a equipe da coordenação do setor de educação participa dos encontros de formação continuada e, dois dos sete encontros já realizados, aconteceram no acampamento.

Durante os encontros, constatamos as dificuldades enfrentadas pelos professores indígenas em relação a metodologias e conteúdos que trabalham, associadas a uma crise generalizada da auto-estima, manifestada em depoimentos e durante as atividades desenvolvidas. Fato que nos motivou a adiantar o trabalho com artes, previsto para agosto de 2007, com o objetivo de levá-los a olhar para si mesmos, para a sua história individual, coletiva do acampamento e da reserva e do povo terena como um todo, partindo, inicialmente da leitura de imagens para a leitura do mundo ao seu entorno e, posteriormente a leitura de imagens como metodologia no processo de alfabetização. Estas e outras reflexões irão permear o texto, confirmando a trajetória conceitual das relações entre o fazer e o ver, fundando novas metodologias e práticas necessárias na alfabetização.

Komomâti ne yutoxoâti ya tereno’é

Olhando e lendo a cultura terena

Desde o principio da história, o homem vem buscando formas de exprimir seus sentimentos através da Arte e, nesta busca instigante pelo sentido da vida, encontra-se a força do sonho, da comunicação pelas formas, pelas cores e luzes. E, nesta busca o homem foi construindo seu conhecimento sobre a Arte, enquanto representação do “belo”, da realidade histórico-social e cultural, forma de expressão e manifestação humana diante da natureza em sua totalidade, transmitindo, assim, às novas gerações a forma de ler, compreender, interpretar e registrar o mundo, em diferentes períodos da humanidade. Vale salientar que desde estes primórdios tempos, as imagens das figuras, gravadas e pintadas nas paredes de grutas e cavernas (arte rupestre), representam imagens de pessoas, cenas de caça e de dança, além de outros motivos que faziam parte da vida cotidiana e religiosa dessas sociedades. Ainda hoje é possível apreciar muitas dessas pinturas, as quais servem de referência para estudos sobre os modos de vida e a cultura de populações que viveram há milhares e milhares de anos.

A instituição da educação através da arte como atividade obrigatória no currículo escolar foi uma das novidades trazidas pela Lei 5.692/71. Antes dela a existência de algumas matérias opcionais para a escola fazia acreditar que a arte já estava presente no currículo. Essas matérias eram: Artes Industriais Música e Desenho. Embora uma delas até tivesse a palavra “artes” em seu nome, o enforque e a metodologia diferia bastante da concepção de ensino da arte contida naquela Lei.

Em Desenho, ensinava-se somente o desenho geométrico e seu processo construtivo de uma forma tal, que o aluno, seguindo determinadas orientações, chegava ao resultado, sem compreender o porquê das operações realizadas. Muitos professores incluíam no programa o desenho decorativo, feito a partir de modelos pré-elaborados pelo professor ou copiado de um livro qualquer. Em Música entoavam-se hinos cívicos e aprendia-se a solfejar. Em Artes industriais, muitas vezes, impunha-se a construção de objetos pretensamente utilitários. Na verdade, todo o conteúdo desenvolvido era calcado numa visão mecanicista e utilitária que não considerava o interesse, a observação, a curiosidade, a imaginação, a descoberta, a expressão individual dos alunos.

Sem dúvida, já naquela época havia professores que faziam nas escolas um trabalho muito diferente daquele a que nos referimos acima, por verem a arte não com simples reprodução de modelos, mas como uma efetiva colaboradora para o desenvolvimento integral do individuo.

Neste processo de leitura, compreensão, interpretação e registro, gradativamente, a educação foi-se entrecruzando e reconhecendo o papel fundamental da Arte no processo de construção e desenvolvimento do conhecimento humano. A partir de então, o sistema educacional começou a introduzir disciplinas especificas para o trabalho com a Arte, como, por exemplo, Educação Artística e Arte – Educação, sob orientação de educadores de diferentes áreas.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n° 9.394), aprovada em 20 de dezembro de 1996, estabelece em seu Artigo 26, parágrafo 2°: que “o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais [PCN – 1998, P. 32] de Arte:

são características desse novo marco curricular as reivindicações de identificar a área por arte (e não mais por educação artística) e de incluí-la na estrutura curricular como área com conteúdos próprios ligados à cultura artística, e não apenas como atividade”.

Reafirmando estes documentos Fayga Ostrower [1983, P.3]:

Entendo a arte como um caminho maior de conhecimento; é caminho, a um só tempo, de conscientização do individuo, pois, ao realizar suas potencialidades, ele também realiza sua individualidade e, ainda, do modo mais abrangente, é caminho de crescente humanização da vida. Na mesma visão, partindo do reconhecimento de que potencialidades criativas existem em todos os seres humanos – embora se combinando em cada pessoa em graus diferentes e áreas diversas –, entendo a realização de tais potencialidades como uma necessidade de vida. Não posso conceber nem aceitar a arte como um mero enfeite, passatempo ou terapia, muito menos uma mercadoria descartável, seja de luxo ou descartável, como querem colocá-la para nós hoje em dia”.

Feitas estas considerações acerca do papel da Arte na educação e sobre como a arte nos mostra novas possibilidades de transformar o cotidiano, daqui em diante, é preciso ter claro que estas possibilidades no universo indígena mobilizam, dentre outros fatores, a educação formal como instrumento capaz de garantir competências e habilidades necessárias para a afirmação da identidade cultural de cada povo e, sobretudo, necessárias à convivência com a sociedade abrangente.

Em outras palavras, por meio do olhar, a arte é uma possibilidade de abertura para que o aluno possa vivenciar a afetividade, a compreensão e a expressão. É uma oportunidade, também, do professor intervir no processo de alfabetização, seja pelo repertório de suas culturas, seja por suas histórias como parte integrante desse mundo que ele próprio tem dificuldades em questionar e recriar.

De acordo com Martins [1998, P.73], tratar a arte como conhecimento é o ponto fundamental e condição indispensável para esse enfoque do ensino de arte, que vem sendo trabalhado há anos para que possamos compreender melhor a realidade dos povos indígenas e, a partir desta compreensão, nela intervir, para revertermos o quadro de injustiças com todos os povos discriminados integrantes da nossa formação social.

Neste particular conceito, a imagem do índio precisa ser despertada, tem que se considerar a complexidade desta questão pela formação dos alfabetizadores. A partir daqui trataremos, em específico dos alfabetizadores do Acampamento “Mãe Terra” e da reserva da Cachoeirinha, no Município de Miranda-MS. Mesmo com todas as dificuldades inerentes a uma pesquisa deste tipo, com poucos recursos, o grupo, até o presente momento, sente-se satisfeito com as inquietações causadas nos alfabetizadores, com o quanto aprendemos através das imagens. Almejamos ainda, que, o educador alfabetizador, dessa cultura indígena, se torne, antes de tudo, alguém que reconheça sua identidade pelos sujeitos com quais trabalha, pela sua origem ou de sua prática. Estamos buscando que compreendam o processo histórico que identifica as diferenças e os pontos comuns daquele grupo, para torná-los mais legítimos, uma vez que, segundo depoimento do indígena da Amazônia, contido no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, “A arte tem o poder de extrair do pensamento humano cada coisa. As imagens significam para o povo a sombra da sua sabedoria” [Raimundo Leopardo Ferreira, professor Ticuna, AM].

Não desconsideramos que, desde muito antes da introdução da escola, os povos indígenas vêm elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo. O resultado são valores, concepções e conhecimentos científicos e filosóficos próprios, elaborados em condições únicas e formulados a partir de pesquisa e reflexões originais. Observar, experimentar, estabelecer relações de causalidade, formular princípios, definir métodos adequados, são alguns dos mecanismos que possibilitaram a esses povos a produção de ricos acervos de informação e reflexões sobre a Natureza, sobre a vida social e sobre os mistérios da existência humana.

Sendo assim, desenvolver um projeto que trata a arte como uma forma de investigação e conhecimento, é estar comprometido com as questões que formam o ser humano mais pleno. E olhar a educação como formação humana, implica em se ocupar com o jeito de ensinar arte na cultura indígena.

Diante dessa abordagem, é importante ressaltar que as verdadeiras mudanças e que o legitimo resgate deste povo, está nas mãos daqueles que são alvo do nosso trabalho. Relembrando Fanon [1961, P. 89], podemos dizer que a Arte capacita um homem, ou uma mulher, a não ser estrangeiro em seu próprio país. A Arte supera o estado de despersonalização, inserindo o individuo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seu lugar no mundo.

Podemos observar que a história do ser humano tem seus alicerces fincados na ousadia da busca e atribuição de sentido a tudo e a todos que o cercam. Ler é produzir sentido. O prazer de manejar e explorar a ótica pessoal de ver-pensar-sentir o mundo, a apreensão dos códigos à procura do estilo pessoal, mesclando estratégias pessoais. A partir dessas reflexões, fica também mais fácil compreender as dificuldades destes alfabetizadores de aprender mais do que ensinar e captar o sentido da arte como expressão de comunicação.

Pensar o ensino de arte é, então, pensar nossa relação sensível com o mundo e justificar a necessidade de valorizar o espaço da arte na educação indígena, como lugar de produções significativas, em que professores e alunos participam de praticas construídas a partir de um currículo reelaborado para atender a comunidade à que pertencem.

De fato, é fundamental, que o grupo de alfabetizadores, do qual estamos tratando, se reconheçam acerca daquilo que aprendemos através das imagens, que contribuam para dar fisionomia própria à sua cultura. Neste momento é que apontamos o prazer observado nos alfabetizadores ao produzir textos pela leitura das imagens.

E, que assim, o ensino e a aprendizagem da arte façam parte, de acordo com normas e valores estabelecidos em cada ambiente cultural, do conhecimento que envolve a produção artística em todos os tempos.

Entretanto, a arte não se constitui em algo que não muda que se transmite através de gerações de modo inalterado. Ela é constantemente elaborada e reelaborada, ao longo do tempo e através do espaço, e seu dinamismo acompanha a própria vida da sociedade produtora. Além de outras funções, as produções artísticas dos povos indígenas são um meio de comunicação de aspectos da cultura, da vida social e da visão do mundo.

E se os alfabetizadores indígenas, ainda perguntarem por que a leitura de imagens, como expressão pessoal e como cultura é um importante instrumento para a identificação cultural? Ou por que tanta preocupação com a área de artes para o conhecimento humano, quando a maioria (até mesmo aqueles que organizam o currículo escolar) destina a maior parte do tempo às outras aulas como ciências, matemática ou língua portuguesa, sejamos competente para responder que trabalhar a arte implica trabalhar com o patrimônio cultural da humanidade e todo o ser humano tem direito ter acesso a esse saber.

As potencialidades da compreensão da arte como conhecimento e sua valorização no currículo escolar estão previstos na Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96) que, em seu texto, estabelece que a disciplina faça parte do currículo, desde as séries iniciais da educação básica até Ensino Médio. E se a trajetória da arte esta presente na legislação que permeia a vida escolar do aluno, torna-se imprescindível tratar da formação de professores, na qual há necessidade, conforme afirmam Ferraz e Fuzari (1993: 49), de uma pedagogia mais realista e progressiva que aproxime os alunos do legado cultural e artístico da humanidade, permitindo, assim que tenham conhecimento dos aspectos mais significativos de nossa cultura, em suas diversas manifestações.

No RCNEI são apresentadas sugestões de trabalho para auxiliar os professores na organização e no desenvolvimento do currículo de suas escolas, de forma a possibilitar-lhes o diálogo e a reflexão permanente.

Diante do exposto e tomando como referencial teórico os textos supracitados, realizamos os trabalhos com os professores alfabetizadores indígenas da reserva da Cachoeirinha e do acampamento “Mãe Terra” a partir das seguintes ações: a) apresentação do plano de trabalho com Artes aos professores; b) esclarecimento sobre a necessidade de contextualização inicial, partindo da produção do texto verbal, em terena, na lousa, em seguida a retirada de palavras geradoras sobre temáticas interdisciplinares, pelo professor, a representação gráfica pela imagem e, novamente o texto verbal; c) apresentação oral e leitura do texto verbal, em terena e em português, e da imagem a todos os participantes.

Os trabalhos tiveram início com a explanação da importância do planejamento e com a elaboração coletiva de um plano de atividades para o processo de alfabetização, tendo como eixo central o texto e prevendo um trabalho interdisciplinar. Os professores trabalharam em equipe e, cada uma das equipes produziu um texto em terena. Em seguida, dois grupos foram sorteados para copiarem na lousa os textos produzidos. A leitura em terena foi feita por um dos membros da equipe e, logo após, procedeu-se a análise lingüística dos textos, pautada, em especial na paragrafação, pontuação, translineação e concordância nominal e verbal[3]. Observa-se que um texto traduzia-se como uma lenda sobre os animais selvagens da reserva, narrada em terceira pessoa e conhecida pelos professores, mediante as histórias contadas pelos anciãos; o outro, um texto informativo que se assemelhava ao texto jornalístico do não-indio e que narrava o inicio da invasão de terras do acampamento “Mãe Terra”, ressaltando o sofrimento das famílias nos dois primeiros dias.

Feita a análise lingüística, com a ajuda do grupo de professores retiraram-se as palavras geradoras temáticas e interdisciplinares. Em seguida, cada equipe escolheu uma palavra para a produção de textos por meio de imagens, observando que novos textos iriam surgir e que não se tratava, apenas de ilustrar os primeiros textos produzidos como costumam fazer com as crianças em sala de aula. Fazia-se necessário extrapolar essa prática que, na maioria das vezes, nada acrescenta ao aprendizado do aluno.

Foram distribuídos entre as equipes diferentes tipos de matérias, desde lápis de cor, giz de cera, tintas, pincéis até revistas, livros velhos, jornais[4], entre outros para recorte e colagem na construção das imagens. Após a seleção das imagens, afixadas em cartolinas brancas, elaboraram pequenos textos, tipo legendas, que foram grafados junto às imagens. Em seguida, cada equipe apresentou a sua produção, fazendo a leitura da imagem e da legenda em terena e em português. Os ministrantes foram realizando observações, considerando os elementos compositivos das artes visuais como, quantidade de imagens, disposição na cartolina, tamanho, cores, organização das legendas, entre outros aspectos, sempre considerando as possibilidades de uso desse material no processo de alfabetização e, ressaltando de forma enfática os pontos positivos e negativos de cada produção.

Os novos textos que surgiram versaram sobre assuntos diversos, mas sempre tendo como temática os usos, costumes, a vida na reserva e no acampamento, as brincadeiras infantis, os objetos, a vida dos antepassados, as origens do povo e as manifestações artísticas da cultura terena. Fato que possibilitou discutir com os professores que a leitura de imagens sob o enfoque do resgate da cultura indígena ancestral, da cultura dos antepassados, influi positivamente no desenvolvimento cultural dos alunos, por meio do ensino e aprendizagem da Arte. Não podemos entender a cultura de um povo sem conhecer sua Arte. O que significa ampliar as possibilidades de transformar o cotidiano de alunos e professores no âmbito escolar, ainda que, em muitas culturas, os desvios continuem comprometendo a afirmação da identidade étnica.

A discussão sobre a necessidade de alfabetização visual vem confirmando a importância do papel da arte no currículo escolar e continuará sendo, ao longo da historia da educação no Brasil, uma necessidade para que, assim, à luz dessas colocações, possamos ressignificar o ensino da arte, de forma a torná-lo tanto uma oportunidade de expressão criativa do aluno quanto uma forma de conhecimento e resgate do saber artístico acumulado pela humanidade.

Finalmente, na avaliação feita pelo grupo, após 30 (trinta) horas de trabalho, constatou-se que, o reconhecimento da leitura de imagens, como um caminho na alfabetização para a humanização da vida do homem e da etnia, foi valorizado, e, o entusiasmo presente durante as atividades propostas e realizadas tornou-se significativo para termos a certeza que, embora iniciais, os resultados atestam que o “barco não está à deriva”, mas não podemos “baixar âncora”, pois a bússola sofre as incertezas na busca por uma escola diferenciada que respeite a cultura, a língua e os processos próprios de ensino-aprendizagem indígena.

Referências Bibliográficas

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LOPES DA SILVA, A. e FERREIRA, M.K. (org.). Práticas pedagógicas na escola indígena. São Paulo: Fapesp, Global, Mari, 2001.

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Ministério da Educação. Referenciais para implantação de programas de formação de professores indígenas nos sistemas estaduais de ensino. Brasília: MEC, 2001.

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VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (Psicologia e Pedagogia).

Notas:

[1] Professora Mestre do Departamento de Educação da UFMS/ Campus de Aquidauana, coordenadora do Curso de Pedagogia e pesquisadora-auxiliar no projeto de pesquisa “A educação escolar indígena: língua, raça, cultura e identidade”, desenvolvido nas aldeias da região de Aquidauana/MS.

[2] Professora Doutora do Departamento de Educação da UFMS/ Campus de Aquidauana; Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFMS/Campus de Três Lagoas, Coordenadora do projeto de pesquisa “A educação escolar indígena: língua, raça, cultura e identidade”, desenvolvido nas aldeias da região de Aquidauana/MS.

[3] Observa-se que a análise lingüística dos exigiu muita atenção tanto dos professores ministrantes, equipe multidisciplinar, quanto dos professores indígenas, pois os textos foram produzidos em terena, língua pouco conhecida pelos primeiros e que, por isso precisaram contar com a ajuda da coordenadora da escola que domina o idioma na modalidade oral e escrita. A coordenadora traduzia, a professora Claudete chamava a atenção para os problemas detectados na tradução e explicava em português, a coordenadora fazia as interferências, observando como os fatos lingüísticos ocorrem em terena e, juntas procediam à correção, explicitada em terena, aos professores indígenas. Os textos eram curtos, o que facilitou, mas o trabalho foi demorado. Considerando a timidez do grupo de professores indígenas, a participação foi grande, uma vez que todos falam a língua materna e o português e dominam a escrita terena, embora tenham pouco conhecimento da estrutura da língua.

[4] Vale registrar aqui o fascínio do grupo de professores indígenas diante do material, em especial das revistas. Fato que chamou a atenção, pois a reserva indígena e o acampamento são próximos à zona urbana; os professores vão com freqüência a sede do município; ressalvando o professor do acampamento, os demais possuem televisão e, portanto, deveriam estar habituados às imagens. O encantamento foi tanto que se fez necessário esperar que folheassem as revistas e as trocassem entre si para, em seguida, reorganizá-los nas equipes e iniciar os trabalhos.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 10 - Novembro de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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