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DANÇA INCLUSIVA: O TRABALHO DE PROFESSORES DE DANÇA COM PORTADORES DE SÍNDROME DE DOWN
Autoras: Cristina Carvalho Boiko[1] - ninaboiko@hotmail.com e Flavia Pilla do Valle - favalle@terra.com.br

Resumo: Este estudo abordou a dança para pessoas com deficiência. Investigou-se o trabalho de professores de dança com Portadores de Necessidades Especiais, procurando conhecer as idéias que norteiam estes professores de dança em relação à inclusão; investigando a formação docente destes profissionais; e destacando pontos positivos e dificuldades detectadas por estes professores no seu campo de trabalho. Enfocou, mais especificamente, o trabalho de professores de dança com portadores da Síndrome de Down, mas não se restringiu apenas a esta deficiência. Foi uma pesquisa descritiva que utilizou um questionário de sete questões abertas. O resultado deste estudo enfatizou o trabalho de dança como um instrumento possível para promover a melhora da qualidade de vida de portadores da Síndrome de Down, assim como pessoas com outras deficiências em geral, relatando experiências em dança no ensino, nos espetáculos e na sociedade.

Palavras-chave: Dança, Síndrome de Down, Deficiência.

Abstract: This study approaches dance to persons with disabilities. The work of dance teachers with persons with Special Needs was investigated, in order to understand the ideas that help these teachers in the inclusion of these students in their programs, the professional capabilities of these teachers plus highlighting the positive situations and the difficulties detected by these same teachers in their professional fields. The study focused more specifically on the work of dance teachers with Down Syndrome students but it did not limit itself to this deficiency only. It was a descriptive research which utilized a questionnaire with seven open questions. The results of this study emphasized the work of dance as a possible instrument to promote a better way of living for people with Down Syndrome, as well as for countless people with other types of deficiencies, describing dance experiences in teaching, in shows and in society.

Keywords:  Dance, Down Syndrome, Deficiency.

A mudança dos tempos e das necessidades da sociedade contemporânea vem rompendo, aos poucos, com os padrões antigos e obsoletos da forma que a sociedade vê a deficiência, e a dança tem contribuído como um meio para esta transformação. Acredita-se que dança é uma das opções de lazer, de arte e de atividade física que pode servir como um meio para promover a qualidade de vida de portadores de necessidades especiais. Essa promoção aconteceria através do convívio das aulas e através das apresentações das companhias profissionais e amadoras que incluem este público.

Diehl, Bittencourt e Pereira [2001] defendem que “a dança não só pode, como deve ser executada por todas as pessoas, independentemente de idade, gênero e capacidades”. A dança pode ser um instrumento para melhorar não só as habilidades motoras como também o contato social, possivelmente influenciando a qualidade de vida de pessoas com deficiência.

Este artigo aborda a prática docente em dança para pessoas Portadoras de Necessidades Especiais. A investigação foi centrada nos portadores da Síndrome de Down, mas não necessariamente as turmas estudadas foram formadas exclusivamente por esta deficiência. Este trabalho também não se restringiu a um estilo de dança específico, e sim a dança em geral, que pode ser aqui entendida como dança contemporânea no momento em que esta é compreendida como a união de várias linguagens e expressões. A dança contemporânea seria assim entendida como a fusão de diversas técnicas, corpos, idades e idéias, que é fruto da época diversa em que vivemos. Optou-se, entretanto, por usar o termo dança inclusiva neste trabalho para designar trabalhos que reúnem pessoas com e sem deficiência, com focos terapêuticos, educacionais e/ou artísticos.

Sendo assim, investigou-se o trabalho de professores de dança com Portadores de Necessidades Especiais onde entre esses se encontrem portadores da Síndrome de Down, conhecendo as idéias que norteiam estes professores de dança em relação à inclusão; investigando a formação docente destes profissionais; e destacando pontos positivos e dificuldades detectadas por estes professores no seu campo de trabalho.

A curiosidade em saber a opinião dos professores de dança, a respeito do trabalho com alunos com Síndrome de Down, foi o propulsor deste trabalho, pois é percebido que este campo é ainda pouco discutido e estudado comparado com a sua relevância. Além disso, o mercado necessita de profissionais competentes. Este estudo se mostra importante para nortear profissionais que tem se deparado com a questão da inclusão, relatando como o trabalho de dança é ou pode ser realizado. É importante também para esclarecer as pessoas em geral sobre o assunto, pois cada vez que este é discutido, há um debate mais profundo e abrangente. A discussão cada vez mais fustigada leva a reflexões mais subsidiadas e conseqüentemente mais críticas, tendendo a uma evolução na forma de pensar este tema.

A investigação delimitou-se em averiguar a percepção sobre dança para pessoas com deficiência a partir do ponto de vista de alguns professores. Estudos deste tipo poderiam ser ampliados para a percepção de outras pessoas envolvidas, como familiares, colegas, sociedade em geral, ou os próprios praticantes, do qual não é pretensão deste trabalho. Aqui se investigou características do ensino, enfocando a prática da dança inclusiva, em detrimento de outras práticas artísticas ou esportivas. Buscou-se especificidades do trabalho para portadores da Síndrome de Down.

Educação Inclusiva

Mittler [2003] coloca que é realmente muito significativo que o movimento das pessoas portadoras de deficiência, o qual, por tradição, diz respeito aos direitos dos adultos. Atualmente, este movimento está voltando a sua atenção às crianças e, de modo mais claro e específico, juntando forças com as organizações que estão fazendo campanha pela educação inclusiva.  

Sebba e Sanchdev [apud MITTLER, 2003] mostram que os fatores que emergem dessa revisão e que tiveram um maior impacto na efetividade da educação inclusiva para alunos com dificuldades de aprendizagem ou com deficiências referem-se à expectativa dos professores e funcionários, dos pais e até mesmo dos próprios alunos. Os professores, integrantes tanto do sistema regular de ensino e também das escolas especiais, podem oferecer o exemplo do próprio comportamento através da sua expectativa, do uso de linguagem (positiva mais do que incapacitante, controladora ou infantilizadora) e da aparente flexibilidade e adaptabilidade para superar as barreiras conforme elas emergem. A mensagem de todos aqueles envolvidos deve ser que a diferença é valorizada.

De acordo com Forlin [apud MITTLER, 2003] a passagem citada sugere que a principal barreira à inclusão encontra-se na própria percepção dos professores de que as crianças especiais são diferentes e de que a tarefa de educá-las requer um conhecimento e uma experiência especiais, um equipamento especial, um treinamento especial e escolas especiais.

Segundo Mittler [2003] as evidências de pesquisas também sugerem que tais atitudes, em geral, mudam, uma vez que os professores tiveram uma experiência direta de incluir essas crianças nas salas de aula. Contudo, a atitude e a percepção do professor apresentam um dos maiores e mais significativos obstáculos à inclusão, o qual não pode ser ignorado.

Stobaus & Mosquera [2004], definem que um professor que busca uma Educação para a Diversidade deve, antes de tudo, desenvolver uma personalidade mais saudável, estabelecer melhores relações interpessoais e intentar, através de uma sadia utopia, um ideal de desenvolver uma sociedade com saúde, como se fosse uma grande escola para todos e iguais em tudo: direitos, deveres e oportunidades.

Diehl [2006], afirma que não se deve ter nenhum pré-conceito sobre dança, recreação e esporte, desenvolvidas nas aulas de Educação Física ou em outros projetos específicos para portadores de deficiência mental. Vários referenciais literários e também pesquisas evidenciam a patologia e os cuidados que devem acompanhar as aulas. Porém, com o conhecimento devido, devem-se propor situações diferenciadas a este público. A autora enfatiza que não se pode ver o ser humano somente como uma deficiência perceptiva ou como uma patologia. E aponta para o conjunto de fatores afetivos, sociais, perceptivos, motores e cognitivos que envolvem cada indivíduo da espécie humana, que são características individuais, portanto a resposta é única para cada um.

A importância do estímulo dado pelo professor aos seus alunos também é ressaltado por Diehl [2006], e pode ser feito no desenvolvimento das tarefas, e parabenizando-os ao finalizá-las, independentemente do nível do sucesso alcançado, para que este estímulo sirva para evitar a desistência do aluno e valorizar a sua iniciativa como já sendo um sucesso.

Síndrome de Down

Lefréve [1985] descreve a causa da Síndrome de Down como simplesmente de um erro ou acidente biológico. A criança que nasce com esta síndrome tem um cromossomo extra nas células do seu organismo e este é o cromossomo responsável por produzir as alterações do seu desenvolvimento mental e físico. Cromossomos são estruturas muito pequenas que contém os genes (fatores hereditários). Cada cromossomo tem milhares de genes e este material genético é totalmente crítico para o desenvolvimento e o crescimento de todo organismo.

Dança Inclusiva

A partir de 1981, com a instituição do AIPD - Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência, pela ONU – Organização das Nações Unidas (apud AMOEDO, 2001), oficialmente iniciou-se uma ampliação gradativa em prol da melhora da qualidade de vida das pessoas com deficiência. Em 1996, com a publicação das Normas para Equiparação de Oportunidades, a Arte e a Cultura passam a ser consideradas importantes fatores para a inclusão social desse público. Diz o manual que os países membros devem garantir que as pessoas com deficiência sejam incluídas em atividades culturais e possam participar delas numa base igualitária.

[...] devem garantir às pessoas com deficiência a oportunidade de usar o seu potencial criativo, artístico e intelectual ao máximo, não só para seu benefício, mas também para o enriquecimento de sua comunidade [...]. Exemplo de tais atividades são a dança, a música, a literatura, a pintura e a escultura. Particularmente nos países em desenvolvimento, deve ser dada ênfase às formas de artes tradicionais contemporâneas [...] [ONU apud AMOEDO, 2001, P. 182].

Conforme Amoedo [2001], antes mesmo da publicação desse manual, pessoas com deficiência já desenvolviam trabalhos em vertentes artísticas diferentes. Em países como Estados Unidos da América, a Inglaterra e o Brasil, entre outros, é notável o surgimento de companhias que abrangem pessoas portadoras de deficiência. Atuando profissional, semi-profissional ou também de forma amadora, tais companhias praticam diversos tipos de dança. Essas companhias apóiam-se em variadas técnicas na preparação corporal de seu elenco, participam em eventos diretamente relacionados à causa da deficiência, atuam em eventos específicos de dança e produzem os seus próprios espetáculos.

Vários termos, segundo Amoedo [2001], são usados para descrever estas práticas: Dança de Habilidades Mistas (Mixed Ability Dance), Dança sobre Cadeiras de Rodas (Wheelchair Dance), Dança Integrada (Integrated Dance), Dança Habilitativa, entre outros. Estes termos são utilizados em diferentes países para denominar os trabalhos de dança que inserem pessoas com deficiência. O autor expressa seu desejo de poder denominar esses trabalhos simplesmente por dança, em sua vertente contemporânea, mas ainda é necessário usar o termo complementar. A inclusão ainda não é total em nossa sociedade. Todo esse processo deve levar em consideração a possibilidade de mudança da imagem social e inclusão dessas pessoas. A arte da dança traz uma possibilidade de pensar esta questão, uma necessidade premente no Brasil, como enfatiza autor.

Quando bailarinos com corpos diferentes forem aceitos em todas as companhias de dança por suas qualidades artísticas e essa diferença não for mais alvo de tantos estudos ou surpresas, talvez assim terá se cumprido um papel em busca de uma real inclusão dessas pessoas no universo da dança, e nesse momento o termo dança inclusiva poderá ser desprezado, ficando somente para os registros históricos [AMOEDO, 2001].

Na Grécia Antiga, competia ao Estado proteger os pobres e os miseráveis, e as pessoas com deficiência quase sempre estavam nesse grupo. Aristóteles, por sua vez, apontava caminhos distintos aos desempenhados pelo Estado quando disse: “É mais fácil ensinar a um aleijado a desempenhar uma tarefa útil do que sustentá-lo como indigente” [SILVA apud AMOEDO, 2001]. Talvez seja esse um dos primeiros registros a chamar à atenção para a visão atual de análise da participação das pessoas com deficiência na sociedade, com base no princípio da igualdade de oportunidades, proposto pela ONU – Organização das Nações Unidas, em que o exercício de uma cidadania plena passa a ser o objetivo principal [AMOEDO, 2001].

Bellini [2001] assegura que a explosão da dança nos Estados Unidos da América e na Europa na metade do século passado, depois dos pioneiros da chamada dança moderna, possibilitaram que, mais tarde, muitos artistas portadores de deficiências físicas e com corpo considerado “fora dos padrões” fossem atraídos para estilos de dança menos ortodoxos em contraposição à dança clássica acadêmica que estava em pleno rigor até então sob a égide do virtuosismo. Ampliaram-se as fronteiras da dança e redesenharam-se amplos contornos do novo teatro-físico e da performance que estava emergindo. Dessa forma, o físico dos artistas-bailarinos com “corpos imperfeitos” tornou-se um fértil material coreográfico e uma fonte para amplas pesquisas.        

Nessa perspectiva, Bellini [2001] salienta que esses corpos com os quais se propõe trabalhar podem ter um papel paradoxal e inusitado, revelando poderes latentes, desenvolvimentos, evoluções e formas que talvez nunca fossem vistos, ou mesmo imaginados, na ausência dessas deficiências. É o paradoxo da deficiência física (dos corpos fragmentados ou metamorfoseados) e seu potencial “criativo”.

Inabilidades físicas e corpos fragmentados colocam-nos no caminho contrário ao que a dança tradicionalmente propôs: a bailarina como estritamente feminina, branca, magra, longilínea, flexível para a discussão sobre o tipo de corpo que constitui um bailarino atualmente. Tenta-se romper, assim, a equação em que habilidade física está diretamente associada a modelos estéticos preconcebidos. É possível perceber que uma estética “fragmentária” contemporânea vem tomando o mundo de surpresa, desafiando as noções aceitas do que significa arte e, especialmente, do que significa dança. A capacidade de experimentações, rigorosas e intensas, cria uma representação que é, às vezes, misteriosa e atemorizante, cheia de humor e reflexões. São as dimensões somáticas, físicas, cognitivas, emocionais e espirituais que estão num processo de reconfiguração, enfatiza Bellini [2001].

Dado que as aptidões físicas dos bailarinos parecem aumentar exponencialmente a cada ano, estão se abrindo espaços dentro do cenário mundial para uma gama mais heterogênea de condições físicas. Bellini [2001] coloca que reconhecendo a necessidade de criar estilos próprios de dança que acomodem possibilidades físicas diferentes, os bailarinos do Candoco – uma companhia de dança inglesa que transcende as limitações de um corpo incapacitado aparece como um dos primeiros sinais de uma linguagem atual não confinada pela definição social da identidade baseada em atributos físicos – apesar de isso não colocar abaixo as dicotomias de diferenças sociais.

Muitos criadores, de acordo com Bellini [2001], apesar de não serem privados nem desafiados corporalmente como portadores de alguma deficiência, também organizam movimentos corporais surpreendentemente novos que vão além de propostas meramente terapêuticas, talvez resida nisso mesmo a inteligência de qualquer trabalho: fazer com que criadores, bailarinos e expectadores vejam de que modo lhes é possível ampliar suas experiências dentro desse campo de trabalho.

A interseção da dança com a deficiência física, tornou-se um campo riquíssimo e extraordinário à exploração de construções de corpos, sobrepostas à habilidade física, à subjetividade e à visibilidade cultural. Escavar o significado social dessas construções é como cavar um buraco arqueológico nas profundezas psíquicas que a deficiência criou. Assistir a corpos deficientes dançando nos obriga a ter dois pontos de vista e nos ajuda a reconhecer que, se uma dança é justificada pela capacidade física do bailarino, ela não é limitada pela mesma, justifica BELLINI [2001]. 

Decisões Metodológicas

Este trabalho foi resultado de um trabalho de conclusão do curso de educação física na Universidade Luterana do Brasil, desenvolvido no ano de 2007. Consistiu em uma pesquisa descritiva, pois segundo Piccoli [2006], “a pesquisa descritiva tem por finalidade observar, registrar, analisar e correlacionar fatos ou fenômenos, sem manipulá-los”. O mesmo autor coloca que este tipo de investigação “visa descobrir e observar os fenômenos procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los com o propósito de conhecer sua natureza”.

Envolveu também uma pesquisa bibliográfica, pois toda a pesquisa deve revisar a literatura existente sobre o assunto para situar as principais idéias defendidas pelos principais pensadores da área em relação às idéias deste trabalho.

A população deste estudo foi composta por professores de dança que trabalham com alunos com Síndrome de Down, entre outras deficiências e em variadas situações, ensino formal ou informal. A investigação é centrada nos portadores da Síndrome de Down, mas não necessariamente as turmas estudadas são formadas exclusivamente por esta deficiência. Tentou-se, num primeiro momento, delimitar a investigação a um público próximo ao município de Canoas/RS, mas a falta de acesso à esses profissionais especializados acabou por flexibilizar o campo da pesquisa.

A amostra foi feita com um grupo de oito professores de dança. A amostra do trabalho foi intencional, uma vez que não foi encontrado nenhum estudo que mapeie estes profissionais para que seja feito um estudo aleatório. Assim, à procura dos trabalhos de dança com esta especificidade deu-se através de indicações. Dos oito questionários obteve-se resposta de quatro professores da área, dois que trabalham e dois que não trabalham mais com pessoas com deficiência. Em sua maioria próximos à cidade de Canoas/RS com exceção de um profissional brasileiro que atua em Portugal. Este último foi incluído devido a falta de respostas ao questionário proposto pela pesquisadora aos professores selecionados no primeiro momento.

A técnica de coleta de dados deu-se a partir de um questionário com perguntas abertas, e que foram analisadas qualitativamente. O instrumento utilizado é o questionário desenvolvido pela pesquisadora em conjunto com a sua orientadora. O questionário foi dividido em sete perguntas que remetem aos objetivos propostos. Junto ao questionário foi um termo de esclarecimento para que o participante obtivesse mais informações sobre a pesquisa, estando cientes dos objetivos da investigação.

De acordo com Lakatos [2001], o questionário é um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador. Em geral, o pesquisador envia o questionário ao entrevistado e depois de preenchido, o pesquisado devolve-o do mesmo modo.

Junto com o questionário deve-se enviar uma nota ou carta explicando a natureza da pesquisa, sua importância e a necessidade de obter respostas, tentando despertar o interesse do recebedor, no sentido de que ele preencha e desenvolva o questionário dentro de um prazo razoável [LAKATOS, 2001].

Primeiramente um dos entrevistados da amostra respondeu o questionário previamente, para verificar se o questionário apresenta três importantes elementos em relação à clareza do vocabulário: fidedignidade, validade e operatividade. Além de detectar a presença de falhas com o objetivo de melhorar o instrumento.

Logo foi entrado em contato com os professores escolhidos, por e-mail, seguido de contato pessoal ou telefônico para a realização do estudo e solicitado seus consentimentos. Num terceiro momento foi marcada a data para a aplicação do questionário por e-mail, e por último, após a aplicação do instrumento, foi realizada a avaliação dos elementos.

Discussão dos Resultados

A partir da aplicação dos questionários, observou-se que os professores entrevistados encontram-se na faixa de 20 a 40 anos. O número de alunos que estes profissionais trabalham em sala de aula é bem variado, mas há uma predominância em geral do gênero feminino. A faixa etária dos alunos mostrou-se bem diversificada. A classe social foi variada, mas nos municípios próximos à Canoas/RS houve uma tendência para a classe social média-baixa e baixa.

Estes dados podem nos remeter a algumas reflexões, como o perfil jovial dos professores. A questão da inclusão ainda é uma discussão de pouco debate, e acaba por estar mais próxima de pessoas que freqüentaram o meio acadêmico mais recentemente, quando a inclusão foi inserida nos currículos universitários. Selau [2007] coloca que escritos sobre deficiência já existem há muito tempo, porém o que a sociedade fazia com essas pessoas, ainda é pouco discutido e revelado.

Ainda sobre os dados iniciais do questionário, observou-se que o público destes professores é composto metade por turmas com e sem deficiências, onde se encontram variadas deficiências, e a outra metade trabalha exclusivamente com portadores da Síndrome de Down.

Este trabalho se propôs, dentre seus objetivos específicos, conhecer algumas idéias que norteiam os professores de dança com portadores da Síndrome de Down em relação à inclusão. Sobre o entendimento de inclusão, relativo à pergunta número 1 “O que é inclusão para você?”, obtiveram variadas respostas:

A inclusão é um desafio que implica mudar a escola ou qualquer outro projeto pedagógico, é necessário obter uma transformação no currículo e principalmente nas atitudes, buscar orientação e suporte, pois a inclusão é um processo cheio de imprevistos, sem fórmulas prontas”. (Entrevistado 1)

Tentar inserir essas crianças na sociedade para que possam ter a chance de uma vida normal, claro que dentro de suas limitações.” (Entrevistado 2)

É aceitar o indivíduo com as suas diferenças, respeitando suas necessidades e limites, e ao mesmo tempo não enfatizá-los, mas procurar sempre trabalhar o grupo, em que cada um pode oferecer uma parte na construção do grupo/equipe em que todos são importantes. É também valorizar as diferenças, aceitando cada um como é, sem ignorar os fatos, mas sem discriminação.” (Entrevistado 3)

Essa resposta afirma o que Diehl [2006] enfatiza que não se pode ver o ser humano somente como uma deficiência perceptiva ou como uma patologia. E aponta para o conjunto de fatores afetivos, sociais, perceptivos, motores e cognitivos que envolvem cada indivíduo da espécie humana, que são características individuais, portanto a resposta é única para cada um.

Inclusão é o processo pelo qual as pessoas socialmente excluídas preparam-se para assumir os seus papéis sociais, exercendo os seus direitos e cumprindo os seus deveres, enquanto esta mesma sociedade se prepara para recebê-las, com todas as suas diferenças”. (Entrevistado 4)

Investigar a formação docente destes profissionais foi o segundo objetivo específico proposto neste trabalho, obteve-se que a maior parte vem da área da Educação Física.  Outra questão a ser levantada é que esta pesquisadora é oriunda desta formação, o que facilita que ela tenha acesso à esses profissionais. A própria universidade que ela se encontra desenvolve e apóia vários projetos neste âmbito.

A seguir vem o que foi encontrado de acordo com o objetivo geral: Investigar o trabalho de professores de dança com portadores da Síndrome de Down.

Na questão sobre o tempo em que estes profissionais da dança desenvolvem este trabalho é bem variado; metade trabalhou num determinado tempo, mas não trabalha mais, e a outra metade trabalha a mais de um ano, sendo que um deles realiza este trabalho há doze anos.

Esta variedade de experiência de trabalho juntamente com o fato da metade dos profissionais da amostra não trabalharem mais com o público em questão, comprova uma das observações deste estudo logo no início, no qual afirma que este campo de trabalho necessita de profissionais competentes, e que se pode admitir que é um mercado que ainda não é bem explorado.

Destacar pontos positivos e dificuldades detectadas por estes professores no seu campo de trabalho foi uma das questões do questionário, e observa-se que todos os entrevistados relatam somente os pontos positivos, anulando desta forma e nessa pesquisa, os pontos negativos.

Também é bem presente nessa questão, que a metade dos professores entrevistados enfatizaram a promoção da qualidade de vida dos seus alunos, o que vem ao encontro ao que foi mencionado por Alves [2004 APUD CANCELLI, 2007], onde o autor ressalta que existe uma grande preocupação e expectativa, tanto dos pais como de uma equipe que lida com o portador da síndrome, sobre a qualidade de vida e perspectivas futuras desse indivíduo. E a metade dos professores entrevistados coloca da seguinte maneira, falando sobre a qualidade de vida:

Além da qualidade de vida que nós estaremos proporcionando, acho que entra muito o lado afetivo, para mim o ponto mais positivo que vejo ao ministrar minhas aulas é que ali naquele momento alguém te convence que existe uma porta destrancada, só esperando para ser aberta! Acho que resume o que eu vejo de positivo.” (Entrevistado 1)

São vários. Acho que o principal é que a dança possibilita uma melhoria da auto-estima. Em alguns casos, e vários, a dança pode desenvolver habilidades que facilitam uma melhor qualidade de vida. Recentemente assisti uma apresentação de dança de um homem que dança salsa, mas ele só tem uma perna, a outra é a muleta. A dança auxilia o PNE a aproveitar suas habilidades e criar outras possibilidades.” (Entrevistado 3)

O entrevistado 2 aponta como ponto positivo a questão do aprendizado e do desafio, o que leva a pensar que este tipo de trabalho ainda é visto como algo difícil e desafiante, assim pode concluir-se através da resposta dada por esse profissional:

  • Poder realizar algo de significativo a outras pessoas;
  • Vivenciar novos desafios;
  • Aprender.

O entrevistado 4 ressalta entre outros fatores, a questão da própria busca da inclusão como sendo um aspecto positivo deste trabalho, no que se refere à apresentações públicas como meio de transformação da imagem social das pessoas com deficiência. Podendo-se constatar pela resposta deste professor:Que além das mais valias físicas, psicológicas e sociais que o trabalho de Dança Inclusiva pode trazer aos seus participantes, penso que o primordial – neste caminho em busca da inclusão – é a capacidade de transformação da imagem social das pessoas com deficiência, que se pode obter através das apresentações públicas deste tipo de trabalho, considerando-se sempre a qualidade artística do objeto apresentado”.

Na pergunta número seis do questionário, sobre quais as maiores dificuldades encontradas, metade dos professores que responderam à este instrumento de pesquisa coloca que a estrutura, local e material adequado são os fatores que tornam o trabalho mais difícil de ser desenvolvido. E essa resposta pode ser relacionada com a menção de Forlin [APUD MITTLER, 2003], o qual sugere que a principal barreira à inclusão encontra-se na própria percepção dos professores de que as crianças especiais são diferentes e que a tarefa de educá-las requer um conhecimento e uma experiência especiais, um equipamento especial, um treinamento especial e escolas especiais. Segundo Mittler [2003] as evidências de pesquisas também sugerem que tais atitudes, em geral, mudam, uma vez que os professores tiveram uma experiência direta de incluir essas crianças nas salas de aula. Contudo, a atitude e a percepção do professor apresentam um dos maiores e significativos obstáculos à inclusão, o qual não pode ser ignorado.

Diehl [2006] tem uma linha de leitura semelhante quando se refere à atitude e percepção do professor quando identifica que não se deve ter nenhum pré-conceito sobre dança, recreação e esporte desenvolvidas nas aulas de Educação Física ou em outros projetos especificados para crianças e jovens portadores de deficiência mental.

Já a outra metade aponta uma visão que está bem de acordo com as citações acima. O entrevistado três afirma que: “O termo necessidades especiais já exige certa reflexão. Um aluno que se destaca diante da maioria da sua classe pode ser considerado PNE (Portador de Necessidades Especiais). Ele pode não ter nenhuma deficiência, e sim uma facilidade acima da média e necessitar de uma atenção especial. Outro com o braço quebrado também. Acho que deficiência envolve muito mais do que incapacidade por algum motivo orgânico. Pode significar uma capacidade acima da média, e por isso o indivíduo ter necessidades especiais. Considero também aquele aluno inseguro ao extremo como PNE, visto que se não for estimulado pelo professor e pelos colegas talvez não freqüente as aulas, por medo, vergonha acima do que é considerado normal ou mais comum”.

Acho que o mais difícil é incluir o PNE no grupo, e não me refiro em apenas deixá-lo freqüentar o espaço comum, e sim realmente incluir, aceitar a diferença, porém, sem enfatizá-la. É difícil tanto para a família, professores e colegas. Às vezes, ele precisa de ajuda, assim como qualquer indivíduo precisa, mas focalizar/enfatizar a necessidade especial não é nada saudável”, (entrevistado 3).

Esta observação do professor entrevistado, sobre o termo necessidade especial e o grau de ênfase à necessidade especial confere com Diehl [2006] quando afirma que vários referenciais literários e também pesquisas evidenciam a patologia e os cuidados que devem acompanhá-la. Porém, com o conhecimento devido, deve-se propor e oportunizar situações diferenciadas a este público. A autora garante que muitas vezes o resultado do trabalho pode ser impressionante.

Semelhante à resposta do entrevistado 3, segue a resposta do entrevistado 4:

As maiores dificuldades passam, no meu modo de entender, na aceitação de que pessoas com corpos fora dos padrões socialmente aceitos podem produzir espetáculos de qualidade, além da entrada desses referidos espetáculos no circuito habitual da dança. Tais atitudes estão a se modificar e já há diversos exemplos de grupos, compostos por pessoas com e sem deficiência, com percursos artísticos consideráveis”.

Ambos destacam em suas respostas a aceitação, em sentidos parecidos, porém o professor 3 destaca mais sobre a parte do aprendizado na aula propriamente dita e o professor 4 salienta os espetáculos artísticos que releva bem a seguinte passagem deste estudo sobre dança inclusiva: Todo esse processo deve levar em consideração a possibilidade de mudança da imagem social e inclusão dessas pessoas, através da arte de dançar, uma necessidade premente no Brasil [AMOEDO, 2001].

O mesmo autor coloca que quando bailarinos com corpos diferentes forem incluídos em todas as companhias de dança por seus talentos e essa diferença não for mais alvo de tantas surpresas, teremos atingido uma real inclusão dessas pessoas na dança, e o termo Dança Inclusiva poderá ser descartado.

Assim como é evidenciado em outra citação: Assistir a corpos deficientes dançando nos obriga a ter dois pontos de vista e nos ajuda a reconhecer que, se uma dança é justificada pela capacidade física do bailarino, ela não é limitada pela mesma [BELLINI, 2001].

Na questão número 7, sobre o destaque de alguma especificidade (peculiaridade) no trabalho de dança com Síndrome de Down, obteve respostas diferenciadas, sendo que o entrevistado número 1 não respondeu a essa questão. O entrevistado número 2 coloca como importante desenvolver a expressão corporal e rítmica através da dança.

O professor número 3 expõe a concentração como um fator que dificulta o trabalho, sugerindo que a aula deva ser conduzida com atividades que o professor propõe, não permitindo assim que só sejam feitos exercícios que os alunos desejam. Sugerindo a postura que o professor deve assumir.

Este entrevistado também coloca um relato justificando o motivo pelo qual acha o seu trabalho encantador:

Acho encantador que na dança, podem expressar suas emoções, liberando sentimentos, e parecem gostar muito do momento em que dançam. Não só no meu trabalho, mas em apresentações que assisti pude observar a alegria que sentem e transmitem. Uma menina com Down se apresentou comigo no teatro, dançando e no final deu um pulo e disse: ‘Eu arrasei!’”.

Esse relato sobre a menina portadora de Down pode revelar o nível de estímulo que ela encontrava-se em relação ao seu próprio sucesso na dança, e esse fato remete às observações de Diehl [2006] sobre a importância de o professor dar estímulos ao seus alunos nas atividades, podendo ser feito no desenvolvimento das tarefas, e também dando os parabéns quando o aluno finaliza, especialmente em apresentações públicas, independentemente do nível do sucesso alcançado, para que este estímulo sirva para evitar a desistência do aluno e valorizar a sua iniciativa como já sendo um sucesso.

O entrevistado 4 destaca a grande predisposição, na maioria dos casos, deste público, para atividades artísticas. Ao professor cabe garantir às pessoas com deficiência a oportunidade de usar o seu potencial criativo, artístico e intelectual ao máximo, não só para seu benefício, mas também para o enriquecimento de sua comunidade.

Conclusões e Recomendações

O presente estudo afirmou com evidências, a importância do trabalho dos professores de dança que trabalham com os portadores da Síndrome de Down, principalmente no que se refere à inclusão e à promoção da qualidade de vida desses alunos, usando a dança como um instrumento eficaz, mostrando que é possível desenvolver este tipo de trabalho. E que esta tendência está crescendo em proporções mundiais com pessoas com deficiência em geral.

Pode-se observar o quanto este campo de trabalho é necessário, e o quanto necessita ainda e cada vez mais de profissionais dispostos a desenvolver trabalhos relacionados.

A deficiência tem sido discutida através dos tempos e atualmente observa-se que nossa sociedade é exposta a uma convivência mais próxima no seu cotidiano com pessoas com deficiência. Se por um lado isso traz questionamentos e estranhamentos, tornando explícita uma situação real, por outro lado nos aproxima desta realidade, humanizando-nos. O contato mais próximo seja como professor, colega, familiar ou mesmo pesquisador já é certo grau de inclusão.

Esta pesquisa pode no futuro ser ampliada para um maior público de profissionais desta área que atuem numa área mais restrita geograficamente. Reconhece-se que o pouco tempo para a realização desta pesquisa foi uma dificuldade para o desenvolvimento da mesma. Porém mesmo com as dificuldades encontradas, este trabalho contribui para refletir sobre o assunto abordado, e quem sabe como um propulsor para futuras pesquisas mais aprofundadas sobre o tema. Afinal, reafirma-se a importância e a relevância desta área de pesquisa.

Referências Bibliográficas

AMOEDO, H. Dança e diferença: duas visões, dançando com a diferença, a dança inclusiva. IN: SOTER; PEREIRA. Lições de dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001. 241p.

BELLINI, M. Dança e diferença: duas visões, Corpo, dança e deficiência: a emergência de novos padrões. IN: SOTER, PEREIRA. Lições de dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001. 241p.

BISSOTO, M.L. O desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem do portador de Síndrome de Down: revendo as concepções e perspectivas educacionais. Ciências & Cognição; 02, v. 04, Disponível em www.cienciasecognicao.org. Acesso em: 02 Nov 2007.

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Notas:

[1] ULBRA/Canoas, RS.

 

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano VI - Número 10 - Novembro de 2008 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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