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...venho cada vez mais buscando o desafio de trazer a criança para perto da linguagem da transformação e da criação. Procuro estar criando não apenas formas fechadas, belas, harmônicas (...), mas também quero propor à criança a participação ativa, o fazer: que ela sinta vontade de lidar com os materiais e invente, dando a eles a sua forma (...) (MACHADO, 2007, p. 17).> O fragmento utilizado como epígrafe, retirado da introdução da obra O brinquedo-sucata e a criança, de autoria de Marina Marcondes Machado, antecipa, a nosso ver, o maior propósito desta publicação: propor ao leitor possibilidades de aproximar nossas crianças, sejam alunos, filhos, irmãos, dos processos de criação e transformação inerentes à arte e a brincadeira, por meio de reflexões teóricas claras e do desenvolvimento de oficinas relacionadas ao brinquedo-sucata.>> A autora é psicóloga, mestre em Artes Cênicas pela USP (2001) e doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP[4]. Mas a obra em questão, que teve sua primeira edição em 1994, surgiu antes de sua carreira no universo acadêmico: é fruto de sua vontade de socializar o conhecimento adquirido e vivenciado ao longo de cerca de dez anos de experiências como mãe, artesã de brinquedos e arte-educadora. Machado diz tratar-se do livro que ela gostaria de ter encontrado nas livrarias e não encontrou, e assim o define: “Um livro sobre arte-educação acessível, simples, mas profundo; com idéias práticas que não são receitas; um livro que fosse sério e bem-humorado ao mesmo tempo” (p. 17). O subtítulo da obra A importância do brincar / Atividades e materiais, formado por dois períodos, indica as duas partes fundamentais do livro, a primeira, de caráter teórico-reflexivo, compreende quatro capítulos e a segunda, de cunho mais prático, compreende outros três. Ao organizá-los, Machado utilizou numeração contínua em relação às duas partes, é essa seqüência que manteremos ao comentar cada capítulo.>> Em O brincar como experiência cultural, primeiro capítulo, a autora busca principalmente em Johan Huizinga, Janine Lèvy e Bruno Bettelhein algumas referências para desenvolver a idéia de que o brincar é a nossa primeira forma de cultura, constituindo uma linguagem através da qual a criança realiza sua aprendizagem social. A primeira parceira de seus jogos e brincadeiras geralmente é a mãe, e cada gesto, palavra ou movimento são importantes na seqüência de descobertas e possibilidades que se instauram a partir do nascimento. Além do papel da mãe, Machado enfatiza o da família, a qual deve proporcionar à criança que chega um ambiente sadio, possibilitar descobertas e crescimento, tornando possíveis suas experiências. A atitude mais coerente no acompanhamento do crescimento da criança é, para a autora, aquela que une liberdade e proteção, pois assim o bebê vai adquirindo confiança no ambiente e nele mesmo. >> O segundo capítulo, O brincar criativo, se fundamenta basicamente nos estudos de Donald Woods Winnicott. Machado traz à tona os temas “objeto transacional” e “espaço potencial” e os articula com a prática de pais e professores. Sobressai no capítulo a capacidade de a criança, desde muito cedo fazer uso de símbolos, a qual vai possibilitar, dentre outras habilidades, o fazer artístico. É dessa capacidade de simbolizar que a criança faz uso ao transformar os objetos que a cercam em brinquedos e os brinquedos fabricados em outros brinquedos. Por isso o adulto deve permitir que a criança brinque com os brinquedos da maneira que ela quiser, sem se impor ao fato de que a criança não esteja dando ao brinquedo a destinação que lhe foi conferida pelos fabricantes, desde que ela não esteja sofrendo nenhum tipo de lesão ela deve brincar ao seu jeito, assim se sentirá à vontade para criar, e no futuro, empenhar-se em encontrar soluções criativas no seu dia-a-dia.>> As potencialidades da sucata como brinquedo são apresentadas e discutidas no terceiro capítulo, intitulado O brincar com sucata/restos/refugos. Neste capítulo a autora discorre principalmente sobre dois princípios, a nosso ver os mais importantes, que justificam a utilização da sucata nas oficinas de criação de brinquedos: “ela traz consigo o elemento da transformação: é algo que pode ser usado fora do seu habitual” (p.42), além de ser “um brinquedo não-estruturado em que é preciso haver a ação da própria criança para que a brincadeira aconteça” (p.42). No quarto capítulo, Brincar, construir, expressar, a autora nos mostra como é possível integrar a sucata às atividades em sala em aula, de modo a fazer prevalecer os princípios discutidos no capítulo anterior. A atitude de oferecer liberdade e proteção, evidenciada no primeiro capítulo é visualizada pela autora na condução das atividades com sucata. Segundo Machado, que fala de sua experiência como mãe e educadora, é necessário que o professor assuma a atitude da “mãe suficientemente boa”: cuide de seus filhos ao mesmo tempo em que permita a cada um levar suas experiências até o fim, que “forneça a embarcação para que cada um navegue a seu modo” (p. 56).>> Brincadeira exploratória e brincadeira construtiva são abordadas no quinto capítulo. Mas a autora não está interessada em apresentar somente as diferenças entre ambas, pelo contrário, seu enfoque é em mostrar que a primeira – a exploração pura de simples de um contexto que envolva o brinquedo e o brincar – e a segunda – uma situação mais elaborada e sofisticada – acontecem de forma integrada e ambas constituem-se indispensáveis para o crescimento da criança. Fica-nos claro, neste capítulo, que na evolução da brincadeira exploratória para a brincadeira construtiva reside a possibilidade de a criança sair do nível da “sensibilização” e aventurar-se em direção a estágios mais elaborados e significativos da experiência artística. > Machado nos mostra quão importante é o papel do professor em a ação lúdica construtiva da criança: “Se o educador não propuser atividades que estimulem a ação lúdica construtiva, as crianças poderão permanecer num estágio mais primitivo, não saindo de seu egocentrismo e não passando a viver sob os princípios de realidade” (p.61). >> No sexto capítulo nos é apresentado Um Sucatário (de A a Z), que serve como um “guia” para a montagem do sucatário. Além de uma série de dicas importantes sobre a organização deste espaço, Machado oferece ao leitor, no final do capítulo, uma lista de sucata organizada em ordem alfabética. Como utilizar sucata criativamente, último capítulo, traz um conjunto de quatro oficinas com materiais distintos: madeira, papel, lata e tecido. As atividades sugeridas podem ser desenvolvidas tanto com crianças como com adultos, e há uma preocupação da autora em orientar o condutor dos trabalhos na maneira mais lúcida de administrar o espaço, o material e o tempo. >> O brinquedo-sucata e a criança constitui uma obra importante, não só no sentido didático, mas também na criação de um senso de responsabilidade com o meio em que vivemos em dois aspectos fundamentais: pelo aproveitamento da sucata e pela compreensão da relação entre o brinquedo e a criança. E para ilustrar esse aspecto, convém citar, para finalizar, uma das formulações mais pertinentes da autora na conclusão de seu livro: >
Notas: [1] MACHADO, M.M. O brinquedo-sucata e a criança: A importância de brincar / Atividades e materiais.São Paulo, Edições Loyola, 2007 (6º edição). [2] Aluna do Curso de Pedagogia da FAE – Faculdade Anglicana de Erechim. [3] Mestre em Estudos Literários - Professor do Curso de Pedagogia da FAE - Faculdade Anglicana de Erechim. [4] A autora publicou também "A poética do brincar", Edições Loyola, (1998) e "Cacos de infância – teatro da solidão compartilhada", Fapesp/Annablume, (2004).
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