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Resumo:
Este ensaio analisa a Fonte [2] como
um paradoxo, pois a considera um signo sem significado. Sendo assim,
não serão analisados nem seu significado duplo (o de urinol e o de obra
de arte), nem seu significado múltiplo (uma possibilidade constante
de agregar valores sobre o corpo). A análise se debruçará sobre o movimento
que gera essa ausência de significação, não o percurso que transforma
o corpo, mas o movimento que o corpo faz para se tornar corpo. Palavras
Chave: Fonte, readymade, paradoxo, xadrez, notação Abstract:
This paper analyses the Fountain as a paradox, as we consider it as
a sign without a signification. Like this, nor its double mean (of vessel
or piece of art) neither its multiple mean (a constant possibility of
aggregating values about the body) will be analyzed. The analysis will
be directed to the movement that creates this absence of signification,
not the passage that transforms the body, but the movement of the body
to become body. Keys
word: Fountain, readymade, paradox, chess. A Fonte
é um paradoxo pela significação atípica que processa, uma significação
auto-destrutiva, que anula o signo. Contudo, a anulação do signo se
dá por uma anulação anterior, a do significante pelo significado. Dessa
forma, desenhando uma operação de existência efêmera, que se manifesta
a partir de uma origem e desintegra-a, consequentemente se anulando.
É o filho que mata sua mãe enquanto esta ainda o gesta. A operação
de auto-anulação do signo pode ser entendida a partir da expressão matemática
frequentemente usada para se entender o que é um signo: Signo = Se +
So [3]. Sabendo que o significante
e o significado estabelecem entre si uma relação de semelhança, de proximidade,
um se refere ao outro e de forma alguma são iguais. Podendo existir
vários significados para um signo com apenas um significante, como observa
Roland Barthes. “podemos considerar que cada sistema de significantes
(léxicos) corresponde, no plano dos significados, um corpo de práticas
e técnicas; esses corpos de significados implicam, por parte dos consumidores
de sistema (isto é, “leitores”), diferentes saberes (segundo as diferenças
de “cultura”), o que explica uma mesma lexia (ou grande unidade de leitura)
possa ser diferentemente decifrada segundo indivíduos, sem deixar de
pertencer a certa ”língua”; vários léxicos – e, portanto vários corpos
de significados – podem coexistir num mesmo indivíduo, determinando,
em cada um, leituras mais ou menos “profundas”. [4] Sendo assim,
a distância aparentemente ínfima entre o significante e o significado
é grande o suficiente para que se crie distorções e ramificações. O
paradoxo se instaura nesse intervalo, propondo que o ponto de onde se
partiu não existe. Ou seja, o significado passa a ser a negação do significante
(So = - Se), o que nos leva a expressão: Signo = Se + (-Se) ou Signo
= Se -Se. Um exemplo dessa operação pode ser observado na pintura Ceci
N'est Pas Une Pipe de René Magritte (1928 – 29). A Fonte
pratica essa operação de des-siginificação. Porém, sendo um signo sem
significado pode-se cair no erro de confundi-la com um curinga. A carta
do jogo de baralho que não possui um significado a princípio, mas que
se significa de acordo com o contexto que se encontra, tornando-se o
signo que falta em uma seqüência. Diferente do curinga, a Fonte
não adquire um novo significado de acordo com o contexto, pois ela só
se afirma como não possuidora de significado se já tiver englobado o
contexto em seu sistema. O contexto é parte da Fonte e não pode
re-siginificá-la. Se a Fonte fosse comparada a um curinga só
poderia ser comparada a um baralho de curingas, onde não há marcos para
a significação dentro do jogo. A Fonte,
bem mais que um signo sem significado, diz sobre um movimento, há um
deslocamento que a torna sem significado. Um urinol só é Fonte pela
existência anterior de um gesto. Um gesto similar ao que ocorre no jogo
de xadrez, a chegada do peão a oitava casa [5]. Um deslocamento que gera um signo sem significado, o peão pode
se tornar qualquer peça, contudo no momento de seu deslocamento passa
por este instante de completa a-significação. Não é nada, apenas possibilidade
de tudo. A Fonte é a suspensão desse instante. Mas, a obra não
é o objeto, como Duchamp já havia anunciado, ou mesmo quando compara
sua prática artística com o xadrez: “uma partida de xadrez é uma coisa visual e plástica e, se não é geométrica no sentido estático da palavra, é um mecanismo por que as peças se movimentam. As peças não são mais belas do que a forma do jogo, mas o que é belo – se é que a palavra 'belo' pode ser empregada – é o movimento. Então, há uma mecânica, no sentido, por exemplo de um Calder. Existem certamente, no jogo de xadrez, coisas extremamente belas no domínio do movimento, mas não no domínio do visual. É a imaginação do movimento e do gesto que, nesse caso, faz a beleza.”[6] Mas, se
a obra é o gesto e não o objeto, o que é o objeto? O urinol é escritura,
ou melhor, notação. É o que sobra do movimento, é o vestígio que faz
com que nós nos lembremos dele após seu fim. É o motor que impele a
imaginá-lo, refazê-lo e a partir daí, fazer novos movimentos. Sendo
o objeto uma notação, sua materialidade tem pouco valor. O objeto pode
ser substituído com facilidade por uma fotografia, e não há problemas
em reproduzi-lo, ou miniatrizá-lo e coloca-lo em uma mala[7]. Se a Fonte
é uma notação, como no xadrez, podemos representá-la de acordo com a
notação desse jogo: Ug8!! +. Onde “U” é urinol, “g” é galeria, “g8”a
casa que permite a dessignificação do urinol, pois “ O paradoxo da Fonte reside na manutenção de sua coesão como signo apesar de uma falta tão vital. Contudo a falta de um significado não cria um abismo que corrompe a estrutura do signo, mas cria uma movimentação que impede que o signo se dissipe. Sua coerência se mantém devido ao movimento perpétuo gerado pela ausência. Referências Bibliográficas MINK, J. Duchamp. Lisboa: Taschen, 1996. BARTHES, R. Elementos de Semiologia. São Paulo: Editora Cultrix, 2004. VENÂNCIO, P. Marcel Duchamp. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. FOUCAULT, M. Isto não é um Cachimbo. Rio de Janeiro, 2004. CABANE, P. Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. PAZ, O. Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
Notas: [1] Cursando o Mestrado em História e teoria da Arte no Centro de Artes – UDESC. [2] Marcel DUCHAMP, Fountaine,
1917/1964. Readymade: urinol de porcelana. 23,5 x [3] Onde Se = significante e So = significado [4] Roland BARTHES, Elementos de Semiologia. p. 49-50. [5] Uma regra do jogo de xadrez estabelece que quando o peão chega a oitava casa do tabuleiro, ele é promovido a outra peça, é retirado do tabuleiro e substituído por qualquer outra peça, com exceção do rei. [6] Marcel Duchamp in: Paulo VENANCIO, Marcel Duchamp. p. 32. [7] Como nas Caixas Malas, caixas de cartão com réplicas em miniatura, fotografia e reproduções a cores da obra de Duchamp (Janes Mink:1996)
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