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Resumo:
O texto apresentado – “Quem tem medo da arte contemporânea na escola?
Eu não” – surgiu a partir de observações e indagações da realidade dos
estudantes de Licenciatura na disciplina de estágio I da Universidade
Estadual de Santa Catarina. Através deste artigo busco uma alternativa
para o ensino de arte contemporânea na escola, percorrendo alguns aspectos
do livro de Anna Marie Holm intitulado “Fazer e pensar Arte” (2005).
Palavras-chave:
Arte Contemporânea- Escola-Formação Inicial Key words: Contemporary Art – School- Initial formation in Visual Arts Era o último dia de aula do Estágio I, disciplina do curso de Licenciatura em Artes Plásticas da UDESC e da qual sou monitora. Não era um dia comum, além do fato de ser o último, era o dia em que consegui levar para casa um pequeno livro que descobrira na semana anterior. Percorrendo esta obscuridade que são as lembranças, iluminando pequenas cenas, lembro de quando vi o livro a primeira vez. Senti uma necessidade imensa de pegá-lo, mas tive que, na minha adultice, esperar até que percorresse muitas mãos antes de chegar às minhas. Um impulso bobo me percorria: quero, quero, quero. Só sosseguei quando o peguei nas mãos e ao folheá-lo, senti que precisava tê-lo. Mas ele não existia na biblioteca e nem em livrarias. Por fim, consegui-o emprestado. O livro chama-se “Fazer e pensar Arte” da autora Anna Marie Holm [2005]. Tento restabelecer
o motivo do meu interesse. Estaria nas figuras? No design do livro?
No título? Na raridade? O título por si só se preenche de uma das preocupações
que vivenciei neste semestre durante a monitoria de Estágio. No ano
anterior eu era aluna e agora era monitora. Muitas coisas mudaram entre
estas duas palavras. Mas uma permaneceu: É possível ensinar Arte Contemporânea
na Escola? Pergunta por vezes provocada pela professora titular da disciplina,
enveredada pelos textos, questionada pelos alunos e buscada por mim.
Esta indagação- e seus desdobramentos- Como ensinar Arte Contemporânea
na Escola? Qual material necessário? Qual o conteúdo possível? Porque
não se ensina Arte Contemporânea na Escola? De que temos medo? Todas
estas indagações pareciam ter um possível esclarecimento nas discussões
que fazíamos baseadas em livros, em vídeos[2], em
conversas e muitas vezes no silêncio. Quantas e quantas vezes ouvi e
repeti a frase: ah a licenciatura não é para mim. Afinal, sentíamos
como se tivéssemos que descobrir uma fórmula mágica e para qual o trabalho
não compensaria. Todo este caminho percorrido me parecia estar um pouco
ali, naquele livro, o que talvez tenha o feito tão especial. Iniciando
sua leitura, percebi de início algumas colocações importantes para provocar
minhas dúvidas: Assim como
uma aula de arte, bela ou não, será sempre conseqüência da concepção
de arte de cada professor. Caem por terra, portanto todos os métodos
e fórmulas prontas para o ensino da arte. Se aceitarmos este princípio,
cada professor terá de encontrar seu próprio caminho, a partir de suas
escolhas estéticas e de como concebe o sujeito a ser educado: autor
ou reprodutor [HOLM, 2005, p.7]. A competência
de inserir a Arte Contemporânea nos Currículos faz parte da práxis docente.
Não deveríamos esperar por um grande Autor, por um Método que dissese:
Arte Contemporânea-Metodologia de Ensino. Não este Método, não seria
um, mas vários elaborados na práxis cotidiana de cada um de nós, coloridos
por nossas trocas e recortados/colados por diferentes contextos. O livro
segue: [...] mais que qualquer outro, este livro, portanto,
não pode ser lido como um manual para o ensino de Arte, nem como método
a ser seguido, muito menos como um receituário de técnicas artísticas.
Mas pode e deve servir de inspiração para que cada professor procure
seus desafios. E o registre para compartilhar [IBID, 2005, p.7]. Outra
pergunta parecia estar mais esclarecida: porque ensinar Arte Contemporânea
na Escola? Ensinamos
arte nas escolas não necessariamente para formar artistas, mas para
aproximar a sociedade da arte contemporânea, formar um publico capaz
de apreciar a arte de nossos dias, e renovar os nossos valores artísticos
[IBID, 2005, p.8]. Se não
apreendermos a criticar, a pensar sobre o mundo que nos circunda e que
está em nós, qual seria a função da Escola a não ser uma mera reprodutora
de concepções de alguns privilegiados? Pensar a aula de Artes enquanto
espaço fundamental de desacomodação é pensar o Museu, o Artista, os
coletivos de Artistas, o Sistema de Arte e a própria Arte enquanto mutáveis
e inseridos em certos contextos, passíveis a reformulações e olhares
questionadores, não apenas a olhares contemplativos. Algo que
percebi nas aulas de arte que visitei junto com algumas colegas do Estágio
I, foi de que o Fazer é muito
presente nas aulas. Todas elas tinham o momento do
Fazer e um Fazer balizado
em técnicas tradicionais como Pintura, Desenho, Cerâmica. Anna Marie
Holm [IBID, 2005] problematiza o Fazer
em vários trechos do livro. De início, lendo frases como: “(...) essa forma de trabalhar-testando coisas, fazendo experiências- está aperfeiçoando
meu trabalho (...) as crianças
são curiosas, pesquisadoras, mergulham nos projetos” [IBID, 2005,
p.9]. Pensei que ela não trazia algo novo acerca do Fazer que eu havia observado nas escolas. Mas seguindo a leitura
me deparei com: “o processo de trabalhar com imagens promove
uma auto-realização que nem sempre pode ser detectada no produto final.
A execução em si é a parte mais forte do trabalho. A avaliação final
dos trabalhos produzidos por crianças é uma invenção dos adultos. O
que ocorre durante a experiência estética é mais amplo” [IBID, 2005,
p.9]. Aqui estava
algo muito diferente do que observei. O fazer nas escolas era muitas
vezes finalizado com questionamentos e em outras vezes não havia questionamento
algum. Pensar o processo enquanto multiplicador de sentidos e de questionamentos
me parece ser o mais natural, ou o que mais se próxima de uma poética.
Assim como pensar o conhecimento como mutável, que nunca chega a um
fim. Outra questão problematizada no livro e que acho interessante compartilhar
é quanto aos materiais que servem de suporte para as aulas, como já
dito anteriormente, muitas vezes eles saem de técnicas tradicionais
da Arte: “(...) muito frequentemente escolhemos técnicas de
desenho/pintura/modelagem para elas. Mas pela minha vivencia, quando
as crianças têm a oportunidade de escolher materiais diferente, elas
o fazem” [IBID, 2005, p.10]. Uma questão
me parece ser necessária questionar no texto de Anna Marie Holm. Ela,
como muitos autores, generaliza a criança. Ao falar sobre o ser humano
criança ela parece igualar o comportamento de todas, esquecendo que
esta é uma faixa etária na qual cada indivíduo apesar de apresentar
características comuns não deixa de possuir sua individualidade. Segundo
Miranda: “A ênfase á natureza infantil encontra seu fundamento,
segundo muitos autores e mesmo ao nível do senso comum, ao processo
biológico da criança. Sem dúvida, ela é um ser em formação biológica,
ainda não plenamente constituída do ponto de vista maturacional. Contudo,
o desenvolvimento biológico não corresponde a toda a realidade da criança.
Mesmo porque o aspecto biológico se caracteriza como um componente do
desenvolvimento que sofre as determinações da condição social do indivíduo”
[Miranda, 1985, pág. 128]. O livro
apresenta diversos exercícios que compõe parte das aulas ministradas
por Anna Marie Holm na Dinamarca e alguns comentários que foram feitos
em seu diário após cada aula. Alguns exercícios são muito simples e
talvez por isso extremamente atraentes e adaptáveis a realidade das
escolas brasileiras. Além disso, existe uma preocupação com a diversidade
dos materiais, prática quase nula nas aulas que observei: Entre os
exercícios, um deles me lembrou um fato ocorrido durante a semana em
que eu ainda não estava com o livro. Meu primo de cinco anos desenhava
em casa um desenho bem previsível. Em cima, um sol amarelo sorrindo,
dois pares de nuvens ao lado, e embaixo uma árvore frondosa, com raízes
aparentes e uma figura central, também sorrindo, que como era um desenho
para mim, acabava por ser eu. Pedi a ele, só para desconcertar, desenha
um cachorro? Ele me respondeu que não sabia desenhar um cachorro. Mas
que iria tentar. Perguntei-me, mas afinal para que servem as aulas de
Arte da Escola dele? Se fossem tradicionais, poderiam servir para que
ele ampliasse seu repertório de formas, mas nem isso! Pareciam servir
apenas para lhe dar a certeza de que cachorro não era algo que ele pudesse
desenhar. Vendo o exercício de Anna Holm intitulado cheiro de cachorro molhado, não pude deixar de pensar: talvez seja
para isso que as aulas de arte poderiam ser-experimentar o desconhecido,
“(...) ter coragem para enfrentar a incerteza
é parte do artístico” [IBIDEM, 2005, p.13]. Outro exercício,
O lance de dados, que consiste
em estabelecer um número para cada cor, e partir do lance de dois dados
somar as cores correspondentes aos números, descobrindo assim combinações
de cores novas. Este exercício além de trabalhar com noções de mistura
de cores amplia esta noção e dá a possibilidade de criar nomes de cores,
de sair da palheta tradicional. A maioria dos exercícios busca a aproximação
das crianças com artistas reconhecidos pelo sistema de Arte. Eles são
apresentados a um artista, muitas vezes pessoalmente, visitam seu ateliê,
vão a exposições, e depois apreendem a técnica do artista para desenvolverem
seus próprios trabalhos. Acredito que isto é extremamente importante
e necessário às aulas de Arte e possível. Estimular o contato das crianças
com Artistas locais, e perceber que o professor precisa ir a Museus,
conhecer a agenda cultural de sua Cidade, Estado, País, Mundo, enfim,
fazer parte desta, parece ser a única forma de se ensinar Arte na Escola.
O livro é leitura indispensável para aqueles que buscam um confronto
com a Arte Contemporânea e com as maneiras de ensiná-la na Escola. Referências
Bibliográficas COCCHIARALE,
F. Quem tem medo da arte contemporânea? São Paulo: Massangana, 2006. HOLM, A.M.
Fazer e Pensar Arte. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo,
2005. 161p. MIRANDA, M.G. Psicologia Social. In: O processo de socialização na escola: a evolução da condição social da criança. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Notas: [1] Acadêmica do curso de Licenciatura [2] Entre os vídeos assistidos, um deles destaca-se
pela relevância quanto ao tema, sendo este o vídeo de Fernando Cocchiarale
intitulado Quem tem medo da arte contemporânea? Este faz parte
do livro do mesmo autor com o mesmo título.
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