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Resumo: O presente artigo busca estabelecer uma posição redimensionada frente ao conceito de imagem, nomeando seus termos a partir de uma “Bildwissenschaft” como propôs Hans Belting “por uma antropologia da imagem”. E, para tanto, duas obras de arte se relacionam nesse contexto teórico-especulativo: O Objeto Ativo de 1959 de Willys de Castro e a fotografia intitulada de Abbas Kiarostami. Palavras-Chave: Imagem, Meio, Corpo, Antropologia. Abstract: The present article intend to establish a redimensionate position infront of the concept of the image. Nomenating its terms by a “Bildwissenschaft” as proposed by Hans Belting as a “Bild-Anthropologie”. So, for in such a way, two works of art are relacionated in this teorical-speculative context: The “Objeto Ativo” by Willys de Castro and the untitled fotography by Abbas Kiarostami. Keywords: Image, Media, Body, Bild-Anthropologie. Para ser caro a uma proposta de ir tanto mais fundo quanto se permitam os objetos de seu estudo, é, antes de tudo, conveniente que se pergunte o que antecede estes objetos. O que é uma imagem? Da forma que ao conceito de imagem - que não se define em uma simples assertiva de argumentos - cabe o fundamento de toda discussão que aqui se coloca não se faria duvidar de certa posição diante deste trabalho que apresenta a imagem como o verdadeiro objeto deste ensaio. Enquanto os objetos aqui oferecidos se diversificam (fazendo referência a uma suposta disparidade entre as obras aqui analisadas) para atender às necessidades na exploração desse conceito, o que fica visível, mais do que respostas em direção a uma verdade sobre a razão ontológica da imagem, é que a matéria primordial desses objetos está de tal forma imbricada na construção desse conceito, que seria no mínimo se postar diante da clausura ignorar essa questão. Em completa oposição a essa negligência, a questão da imagem se torna aqui mais importante que os motivos e temas aos quais ela parece querer iluminar. Ao vermos uma coisa nos colocamos diante dela como referência tirânica de que aquela coisa pertence ao fiel intervalo em que nos permitimos enxergá-la enquanto imagem. A imagem, pois, obedece exclusivamente à lógica do olhar? Seria bastante simples nos segurarmos na certeza de que é o olhar quem precede à coisa e não o contrário. O fato é que essa questão é muito menos relevante do que muitas vezes se supõe e, o que fica patente nessas premissas, é uma crença - quase sempre infrutífera - baseada no mito de uma entificação inaugural, tal qual uma essência ou mesmo um fenômeno. Por isso, dizer que “o mundo já existia muito antes de nós nascermos” significa retornar a uma experiência de conhecimento que faça sentido dentro da condição restrita que se permite essa estreita visada que o ponto de vista humano e, portanto, antropológico, oferece. É nesse sentido que uma Antropologia da Imagem (Bildvinssenshaft) como propõe Hans Belting se torna pertinente a um estudo de objetos tão variados quanto a humanidade de uma forma geral pôde oferecer como legado. Hans Belting recorreu à Vernant para buscar no contexto da antiga Grécia uma topologia conceitual no que parece ser a origem da distinção entre aparência e ser. Vernant, segundo Belting, teria se debruçado nos limites do significado da palavra grega eidolon em contraste com o conceito de Kolossos no pensamento pré-clássico. O eidolon encarnaria uma imagem fantasmática, uma imagem sem corpo físico e, portanto, a imagem em si, totalmente despida de categorias físicas. Acrescentando a esse binômio que se forma com a idéia de kolossos enquanto imagem materializada, o meio (medium) pelo qual a imagem pode se manifestar, um terceiro marco que seria o corpo (e sua inevitabilidade no cerne deste processo) Belting emite os termos fundamentais de sua posição acerca de uma discussão sobre esse mito de uma entificação inaugural: Em termos antropológicos eu contestaria qualquer dualismo rígido, que tão freqüentemente separa a representação interna da externa – utilizando-nos aqui da terminologia atual em pesquisa neurobiológica – e que, portanto, as designa para duas áreas inteiramente distintas. [...] As imagens não existem só na parede (ou na tevê) nem somente em nossas cabeças. Elas não podem ser desembaraçadas de um exercício contínuo de interação que deixou tantos vestígios na história dos artefatos [BELTING, 2005, P. 73]. Belting ainda reitera sua convicção quando, citando Bernard Stiegler, escreve que “nunca houve imagens físicas sem a participação de imagens mentais, uma vez que uma imagem, por definição, é algo que é visto (e só é algo quando é visto).” Ainda citando Stiegler, continua – “Reciprocamente, as imagens mentais também dependem de imagens objetivas, no sentido em que aquelas são o retour ou a rémanence destas. A questão da imagem sempre diz respeito ao vestígio e à inscrição” [BELTING, 2005, P. 73]. É assim, baseado nessa triangulação indissociável entre imagem, medium e corpo, que Hans Belting procura um patamar seguro para o entendimento do fitar[2] enquanto termo ordenador da realidade percebida, fazendo referência ao trabalho de Debray e Freedberg para justificar essa violência que o próprio Belting reconhece na fatidicidade do “fitar”. O fitar seria, então, o limite da indissolubilidade entre a aparência do visto e o ser de quem vê; um gesto do corpo; a forma como o corpo se manifesta em relação às propriedades visíveis. Mas se o fitar se dirige às coisas visíveis é porque essas oferecem a ele essa visibilidade? Não há, portanto, coisas idênticas a si mesmas, que, em seguida, se ofereçam a quem vê, não há um vidente, primeiramente vazio, que em seguida se abre para elas, mas sim algo de que não poderíamos aproximar-nos mais a não ser apalpando com o olhar, coisas que não poderíamos sonhar ver ‘inteiramente nuas’, porquanto o próprio olhar [gaze] as envolve e as veste com sua carne [MERLEAU-PONTY , 2005, P.128]. O que caracteriza, no entanto, a imagem como apresentação da coisa vista é o fato de que a coisa para se oferecer ao olhar, precisa - de uma forma mais ou menos imperiosa - obedecer à lógica deste e permanecer heterogênea na homogeneidade da imagem vista. A imagem pressupõe sua unidade e é a consciência que delineia os aspectos do mundo. A consciência é o lado de dentro do corpo, o fitar (gaze) o lado de fora. O fitar nesse sentido se coloca como princípio estruturante e é nesse exato ponto que Hans Belting parece estabelecer um ponto de contato significativo com a obra de Merleau-Ponty, já que esse princípio estruturante do gaze se dá na interseção entre a percepção e a consciência; entre o sujeito e o fenômeno. Existe, entretanto, um ponto para o qual Belting dá atenção especial, quando considera sobre a obra de Vernant “uma ruptura no pensamento grego que teria sido necessária para causar a nossa compreensão do conceito de imagem.” Se referindo, assim, ao surgimento do termo eikon que teria desvalorizado o eidolon e definido para este uma “significação negativa” enquanto “cópia ou imitação inerte”, já que o eikon encerrava em si tanto a idéia de ser como a de aparência, atraindo para ele a necessidade de uma definição ontológica, tão logo o eidolon apenas se justificasse na medida de um conceito que fosse inteiro aparência, sem as atribuições consideráveis e cabíveis ao desígnio do ente. Toda a necessidade aparente dessa distinção filosófica entre aparência e ser baseada nessa distância abismal que é a etimologia me parece, todavia, um caminho bem mais sinuoso, se considerarmos que a palavra imagem deriva diretamente da palavra latina imago, derivada da mesma raiz do imitatio. A primeira tem uso recorrente para se referir a um retrato de pessoa morta, a uma sombra ou um espectro. A segunda se aproxima consideravelmente do conceito atual que temos de imitação. Já o eidolon grego, segundo Junito de Souza Brandão, “pressupõe o indo-europeu weid que exprime a idéia de ‘ver’ e ‘saber’. Não há que se estranhar [continua Brandão] no caso o ver e o saber: é que sendo o eidolon uma réplica do morto ele é uma imagem que se vê e, por conservar um resíduo latente de consciência, é algo que se sabe. Em termos de mito e religião grega eidolon é uma espécie de “corpo astral, insubstancial”, um simulacro que reproduz os traços exatos do falecido em seus derradeiros momentos” [BRANDÃO, 1991, P. 322]. O eikon, por sua vez, ainda que sua origem me pareça obscura, pode ser encontrado na República de Platão sob o desígnio de cópia[3], contrariando assim, em certo aspecto, o argumento de Vernant de que tal “significação negativa” conferida ao termo eidolon fosse justificada no simples surgimento do termo eikon, já que para este último o peso negativo do valor de cópia também teria emergido nos escritos de Platão. O que não se pode perder de vista é que em todos os casos, os conceitos parecem se dirigir para a idéia de um duplo, porque se trata não de uma forma unificada do ser, mas de um conhecimento, uma apreensão “insubstancial” do mundo. É, então, o ponto que parece consensual para essa imagem que tentamos decifrar/reconstruir. Trata-se da manifestação presente de uma ausência. Se a imagem diz respeito à aparência e não ao ser, é porque ela se conecta diretamente à inexistência daquilo que ela apresenta ou representa. É nesse ponto que alcançamos a origem da exata contradição que para sempre caracterizará a imagem: imagens, como todos concordamos, fazem uma ausência visível ao transformá-la em uma nova forma de presença. A presença icônica do morto, todavia, admite, e até mesmo encena intencionalmente, a finalidade desta ausência – que é a morte [BELTING, 2005, P. 69]. A morte para Belting simbolizaria essa ausência “praticada” pela imagem. Mas é justamente a imagem que determina a morte enquanto ausência, já que é ela que faz referência ao morto e, portanto, o morto só pode ser alguma coisa através da consciência do corpo em que está inscrito. “[...] logo, a medialidade de imagens é originada da analogia ao corpo físico e, incidentalmente, do sentido em que nossos corpos físicos também funcionam como meios – meios vivos contra meios fabricados.” E aqui, a referência a obra de Damien Hirst se faz tão pertinente quanto conciliadora, na medida em que esse, se servindo do cadáver de um tubarão imerso em formol, declarou no termo central de sua obra - A imagem seria, dessa forma, “a impossibilidade física da morte na mente de uma pessoa viva” (The physical impossibility of death in the mind of someone living[4]). Oportunamente, o Objeto Ativo de 1959 de Willys de Castro me parece uma forma muito significativa de tratar a imagem enquanto conceito. Não simplesmente por uma relação tópica dos monocromáticos tridimensionais com o surgimento da arte conceitual, mas pela natureza simplória e significante desse objeto, que se estende verticalmente pela parede à altura dos olhos como referência tática de que é justamente aos olhos que a imagem se oferece. “A execução duradoura e límpida” garante que a homogeneidade da pintura seja o fio condutor de uma idéia de imagem que faça questionar a própria natureza da neutralidade que a modernidade declarou ao branco. A “tela em branco” seria o espaço vazio onde o pintor interviria com seu gesto para fundar a expressão que elevasse aquela tela ao estatuto de arte. Desmentindo essa trajetória, Willys de Castro garante que o branco ali é o próprio propósito da pintura. O que está sendo exposto é justo essa dualidade que precisamos enfrentar no aprofundamento do conceito de imagem, quando a imagem prescinde desse enfrentamento fatal com o seu medium. O esforço a fim de sublimar o objeto de material artístico, tem o principal desígnio de encontrar o ponto em que as propriedades de ambos [idéia geradora e brutalidade da matéria] entram em concerto, transcendendo da opacidade da condição de coisa para a transparência da apreensão de ordem fenomenológica [DE CASTRO apud CONDURU, 2005, P. 154]. Assim, enquanto a forma da pintura se entrega ao recebimento frontal do olhar, a forma tridimensional da escultura tenta se ocupar da dimensão tátil da imagem, oferecendo um escoamento da visão ao entorno da coisa vista; o desígnio protuberante que rompe com a continuidade linear da parede; o volume do corpo. Como se a história não pudesse comprovar de fato essa distinção essencial que construiu entre as imagens da pintura e as da escultura. A relação entre imagem e medium no contexto da História da Arte merece um pequeno espaço no correr destas linhas, porque diz respeito a um domínio cultural da imagem, e, talvez aí, uma antropologia encontre nesse trabalho um momento de reconhecimento dos mais significativos. De Duve diria: The medium in its specificity is not simply a matter of physival constituents; it comprises technical Know-how, cultural habits, working procedures and disciplines – All the conventions of a given art whose definition is throughout historical – even more so that the self-critical (or self-referential, but better called reflexive) tendency of modernism is to take those conventions for subject-matter and to test their aesthetic validity[5] [DE DUVE, 1990, P. 252]. Se um formalismo moderno reduzia à forma o conteúdo de uma obra de arte, ele não pôde fazê-lo sem, contudo, emitir um julgamento de valor que definisse essa forma enquanto sustentáculo de uma suposta evidência de qualidade. Nessa busca de uma forma pura revelada por uma construção artística historicamente fabricada a arte não poderia se deitar no berço dourado da abstração sem que a planaridade da pintura ganhasse um estatuto de centralidade; enquanto o medium se sobrepunha à imagem, a escultura se encotrava no limite (excedido) onde esse medium (picture) se tornaria um “objeto arbitrário”. The essential norms or conventions of paiting are also the limiting conditions with which a marked-up surface must comply in order to be experienced as a picture. Modernism has found that these limiting conditions can be pushed back indefinitely before a picture stops being a picture and turns into to an arbitrary object[6] [DE DUVE, 1990, P. 246]. De Duve, em seu ensaio “The monochrome and the Blank Canvas” fala justamente de uma resistência que o modernismo – especificamente o modernismo de Greenberg – mostrou ao se deparar com a nova realidade da arte, em obras como as de Frank Stella e as dos minimalistas que se desfazendo das convenções limites da pintura levaram as suas obras ao patamar indeterminado de “objetos”. Esse, no entanto, não é simplesmente o caso do Objeto Ativo de Willys de castro. Ao colocar sobre a superfície de seu objeto uma tela rigorosamente pintada, o que ele faz é justamente reafirmar o conteúdo cultural e histórico de sua obra, definindo para o domínio de seu medium uma imagem que não pode ser descolada. Estando, ainda, impregnada de uma subjetividade (individual e coletiva). Portanto, menos que um compromisso com o revolucionário, no contexto do Objeto Ativo havia um compromisso com o caráter público e institucional da imagem, ao que a simples constatação da nova realidade dos monocromáticos na Arte Moderna não pode reduzir o entendimento desse momento singular na história que é o Objeto Ativo. É, de toda forma, significativo para a história da Arte Moderna essa relação tão geograficamente desconectada que a arte construtiva viu se desenvolver no contexto das Américas. De um lado a figura de Greenberg cujo formalismo ascético se desenvolveu para uma redução do estatuto da arte ao limite de um conteúdo formal que dizia respeito quase que exclusivamente ao domínio da pintura, e como a pintura, por sua vez, procurava um lugar de competência exclusiva sua – a bidimensionalidade. Flatness was unique and exclusive to that art... Flatness, two-dimensionality was the only condition paiting shared with no other art, and so modernist paiting oriented itself to flatness as it did to nothing else[7] [DE DUVE, 1990, P. 250]. De outro lado os objetos dos minimalistas encabeçados por Frank Stella, que conduzidos por um sentimento de repulsa ao enclausuramento formalista se viram no cerne de uma ruptura ostensiva com a tradição dos suportes. These works - and there are many others – depart form the two-dimensionality of painting by adding a three-dimensional element to it. They deliberately seem to transgress the limit where, according to Greenberg, a picture stops being a picture and turns into an arbitrary object. Moreover they claim this arbitrariness as a quality in itself[8] [DE DUVE, 1990, P. 248]. E no centro o recorte conciliador de Willys de Castro que através de uma confusão estratégica – e, talvez, não conflitante - entre os suportes da pintura e da escultura que nos leva ao ponto onde um a posteriori do medium não pode ser entendido como a experiência fundamental. A imagem, então, parece ser um conceito que ultrapassa esse domínio específico que Greenberg acreditava constituir a pintura. Ora, se é justamente esse positivismo moderno que se preocupou com o estabelecimento de competências específicas para tantas áreas do conhecimento como a Teoria da Arte ou a Antropologia, o que aqui se acredita revelar é que estudar um objeto tão evasivo quanto o Objeto Ativo de Willys de Castro é, por si só, em sua natureza crítica e anti-convencional, extrapolar os limites de uma “Teoria da Arte” e penetrar sensivelmente no espaço de uma “Antropologia da Imagem”.
Objeto Ativo de 1959. Fotografia de Abbas Kiarostami. A Fotografia Como Religião, A Arte Como Crença Na busca pela sua Antropologia da Imagem, Hans Belting procura estabelecer que o universo da imagem não coincida perfeitamente com o universo da arte. Eis porque para ele, falar de imagem necessitaria de um discurso “levemente diferente”. Ora, a expectativa aqui será também, então, levemente diferente. Sem me incorrer dos abusos de uma linguagem neutra, para mim, é tão válido falar de imagens através da arte, quanto falar de estruturas familiares através da antropologia. Supondo que todas as realidades são construídas, nem a imagem do mundo pode ser apresentada sob um discurso absolutista ao ponto que o próprio Merleau-Ponty tratava seu objeto de entendimento a partir dessa desconfiança, quando atribuía a todo objeto visto o princípio de uma “fé perceptiva”[9]. Da mesma forma que o Objeto Ativo, as fotografias de Abbas Kiarostami tem muito a nos dizer sobre a imagem. Pode ficar assim suspeita a diversidade dos objetos aqui apresentados que anunciei no início, pelo lugar que a fotografia hoje ocupa no espaço da Instituição Arte, mas não só a disparidade cultural entre os países de nascimento desses dois artistas, a saber, seja uma declaração irrefutável de diferença, como os caminhos pelos quais suas obras – no caso os Objetos Ativos e as fotografias de Abbas Kiarostami – se estabeleceram como arte são, também, sensivelmente distantes. Não obstante, seria perfeitamente possível encontrar os dois objetos lado a lado em uma sala de museu. A começar pelo fato de Abbas Kiarostami ter sido abraçado pelo ocidente como cineasta e, assim, ainda o é. Mas apesar do incontestável labor estético do novo cinema iraniano muitos historiadores da arte – talvez ainda imbuídos por aquela lógica moderna do estabelecimento de competências – hão de reiterar a necessidade de manter o devido distanciamento entre a prática do cinema e o sistema de canonização das artes plásticas. Não é esse o meu caso. Se eu aqui me reporto as suas fotografias em preterindo o seu cinema, é por simples conveniência e, em todo caso, por escolha mais do que por qualquer sentido de domínios do conhecimento. As fotografias de Kiarostami são sempre fotografias de paisagem. São, como bem definiu Youssef Ishaghpour, “imagens da natureza sem homens, revelando-se ao olhar de uma solidão essencial em busca de absoluto”[10]. E, de fato, Kiarostami não estava tão preocupado com a fotografia quanto era a imagem o verdadeiro objetivo de seu gesto. Kiarostami recorre freqüentemente ao enquadramento de árvores – muitas vezes uma só arvore isolada na colina – na paisagem desértica que remete diretamente a uma vivência particularmente geográfica de sua origem iraniana. Certo dia em que não tinha nada o que fazer, comprei uma câmera Yashica bem barata e tomei o caminho da natureza. Eu queria me confundir com ela. Ela me conduzia. [...] Minhas fotografias não são resultado de meu amor à fotografia, mas do amor que dedico à natureza [KIAROSTAMI apud ISHAGHPOUR, 2004, P.89]. Dessa passagem, extraímos o que realmente nos interessa das fotografias de Kiarostami. O desprendimento que tinha do dispositivo que utilizava para captar as imagens é justamente o resultado dessa separação muitas vezes idealista que diz respeito ao domínio do corpo (consciência) mais que ao domínio do medium. “Para quem nasceu em um apartamento e está habituado aos grandes edifícios, aos carros, aos engarrafamentos, aos túneis, à linguagem publicitária e cuja vida se passa sob um céu cinzento e encoberto a natureza tem uma significação inteiramente diversa. Em minha opinião essa natureza é o oposto da natureza humana e de suas necessidades.”[Ibidem] É esse “inteiramente outro” que Ishaghpour suscita das palavras de Kiarostami como a qualidade sugestiva da imagem da natureza enquanto tema (subject matter) que Kiarostami coloca - quase como um pintor - em suas fotografias. A imagem da arte, então, não pode estar livre de significados, ela não é uma imagem pura. Ora, mas a imagem da percepção também não é. Ela não vai diretamente da coisa aos olhos, como se nada na passagem pudesse significar ou transformar-se: Meu corpo, como encenador da minha percepção, já destruiu a ilusão de uma coincidência de minha percepção com as próprias coisas. Entre mim e elas há, doravante, poderes ocultos, toda essa vegetação de fantasmas possíveis que ele só consegue dominar no ato frágil do olhar [MERLEAU-PONTY, 2005, P. 20]. Falar da imagem através da arte é perfeitamente legítimo para uma antropologia da imagem, porque nem aqui, nem alhures, existe essa instância precisa em que a imagem natural é ela mesma independente de qualquer construção ou intencionalidade. “A natureza não tem nada de natural: ela é uma função da cultura, essencialmente quando se retorna a ela para redescobrir as fontes. Uma vez que uma paisagem só tem realidade para aquele que a contempla (Schelling) – coisa bem mais rara do que se pensa -, não é de estranhar que a paisagem tenha sido inventada por citadinos e pintores [...] Dizia Cézanne que ‘entre camponeses, bem, algumas vezes duvidei que soubessem o que é uma paisagem, uma árvore’” [ISHAGHPOUR, 2004, P.91]. A paisagem aqui é uma árvore que repousa intocável na terra seca dos altos planaltos do Irã. Estampada no medium preto e branco da fotografia, a imagem da árvore só é visível porque destoa de todo aquele branco que parece emanar uma iluminação quase espiritual da terra infecunda daquela natureza expansiva. A imagem da árvore coincide ali com sua própria sombra (imago); é a ausência de luz, e representa o ser pontual que sobrevive sob o espaço iluminado de uma natureza quase intolerante; de uma luz autoritária que se sobrepõe a tudo. Há que se considerar, então, que não seja “por acaso que, há muito tempo, uma religião da luz nasceu nesses planaltos e montanhas.” A abstração metafísica que tinge, ao que se diz, a espiritualidade iraniana, com sua porção de irreal, de distanciamento, talvez provenha dessa elevação, como se o mundo fosse desde já uma imagem imaterial, suspensa um pouco mais alto, diante de sua própria materialidade ” [IBID., P.93]. A sombra, dessa forma, carimba sobre a percepção um significado de negação que é tão iluminador quanto a positividade da luz. Ela se manifesta de forma a tornar visível o corpo do objeto (Objeto Ativo) e é, ainda assim, uma presença fantasmática, que se erige sobre condição a da qual o branco não pode declarar em termos absolutos a sua transparência. A neutralidade do branco, dessa forma, se perde na medida em que é esse mesmo branco que impede a passagem de luz e produz essa forma de presença ausente que é a sombra. Em todo caso, quando a luz consegue atingir toda a superfície desse objeto equilibrando os vetores de luz que incidem sobre sua presença materializada numa sala de museu, o branco novamente se mostra inerte, e se dissolve na neutralidade moderna coincidindo – apesar da projeção no espaço – com o branco perene das paredes do Museu. É, assim, de se supor que o museu para Willys de Castro seja como a natureza que envolve a árvore de Kiarostami. Eis porque sua crença no racionalismo moderno se revela um valor cultural tanto quanto a espiritualidade que Kiarostami depositava na sua relação com a natureza. Ao triângulo essencial de Belting formado pela imagem, pelo medium e pelo corpo, adicionemos esse quarto componente histórico-cultural, que também não se pode dissociar – porquanto esteja dissolvido no processo como um todo - nem do medium, enquanto produto da técnica, nem da imagem ou do corpo que tantas vezes parecem habitar o pretensioso patamar de “instâncias naturais”. Contudo, o que merece exaustiva atenção ao final desse exercício diletante é o entendimento de uma antropologia – aqui, referentemente, uma antropologia da imagem – menos como um domínio específico de determinados objetos de estudo do que como um bravo esforço em nome de um conhecimento decisivamente amparado nos limites de uma experiência essencialmente humana. Se é que, assim, e a partir daí, seja possível um entendimento em respeito a uma verdadeira “natureza humana” como o próprio Kiarostami parecia acreditar; uma natura naturans da natureza em oposição a uma natura naturata do homem. A Imagem-Palavra O discurso sobre as imagens nos trouxe parcialmente até esse limiar onde uma teoria não faz senão nos negar um “habitar a verdade”. Nessa divisão feita através da linguagem surge uma significativa “reforma do entendimento”, assim como nos declarou Merleau-Ponty, “ao término da qual a evidência do mundo”, ou de um quadro, “que parecia a mais clara das verdades, surge apoiada em pensamentos [...] onde o homem natural não mais se reconhece.” Embora seja lícito que Merleau-Ponty recorra à imagem do “homem natural” para reportar seu discurso do entendimento do mundo àquele estado que “antecede” ao advento da reflexão, também ele – e não só por vestir a armadura do filósofo – não se faria negar que tal “homem natural” não é pensável, porquanto não seja objeto e nem objetivo de uma teoria fundada nos aspectos concretos do mundo. No exato momento em que pensamos nele, o “homem natural” desaparece tal qual fosse uma lembrança; uma imagem vaga que não se pode tocar. O fato é que a compreensão que temos das coisas não pode emergir em um pensamento sem atravessar essa “floresta de símbolos” que, em muitos aspectos, se vincula a uma herança que caberia chamar cultural, não fosse o nome tão repleto de significações transbordantes e já tão desgastadas. Da Grécia Antiga, uns diriam; do Renascimento falariam aqueles que ainda se reportam a tal período para uma análise do pensamento atual nas artes visuais. Seja como for, essa herança não pode ser – ao menos não tão facilmente - dissociada da experiência. A fenomenologia de Merleau-Ponty esbarra, por vezes, na tentativa de captar esse espaço pré-reflexivo que, apesar disso, não é absolutamente natural. Espaço que o próprio filósofo conveio dar a medida relevância sob os nomes de “Mundo Cultural” ou “Mundo Histórico”. A imagem de que falamos, portanto, só se pode ter em vista a partir dessa distinção categórica, já tão antiga, entre aparência e ser. O “homem natural”, dessa forma, não pode figurar aqui à medida que o entendimento que construímos do natural há muito tempo nos obrigou a despi-lo de toda humanidade. Talvez nem o camponês de Cézanne o seja. Pois, daqui, é que pretendo retomar a idéia de imagem, conquanto muitas vezes tão simplista seja, em analogia ao complexo termo que é a palavra, visto que dessa, pouquíssimos duvidariam de sua natureza social. Portanto o enigma das imagens – ser ou significar a presença de uma ausência – resulta, pelo menos em parte, de nossa capacidade de distinguir imagem de medium. Estamos dispostos a creditar imagens em referência a alguma coisa ausente: de fato, podemos ver aquela ausência que se repagina na visibilidade paradoxal que pode ser chamada de medium. Pode-se objetar que isso também se aplica ao significado e significante da semiologia, mas é preciso ser dito que a semiologia, por sua vez, obteve essa mesma relação do antigo discurso da imagem [BELTING, 2005, P. 76]. Mas consideremos também que o discurso em semiologia da língua (lingüística) se aplica de outra forma, ou de forma sutilmente diferente se assim se quiser ponderar. Ainda assim, a idéia não é nova e Renato Rodrigues em seu ensaio sobre os Objetos Ativos a fez parecer bastante razoável: Desse modo, Willys de Castro introduziu um "signo" em sua pesquisa, transformando os procedimentos pictóricos então usuais. Segundo Ferdinand de Saussure, ele se divide em duas partes, o "significante" e o "significado", que uma vez combinadas produzem uma "forma lingüística". O significante é a "imagem visual" e o significado é o "conceito", e a ligação entre ambos é arbitrária, como também é arbitrária a ligação do signo com seu referente [RODRIGUES, 2006]. O que não se pode perder de vista, é que a associação que fazemos da língua com a palavra escrita não diz respeito à natureza da primeira, mas à força cultural que nos impõe a visualidade que é o princípio da segunda. A adaptação do termo de Saussure “imagem acúsitca” para o coeficiente conciliador da “imagem visual” feita por Renato Rodrigues é uma deformação que não se pode desconsiderar. Seria demasiado simplório e superficial argumentar que a língua é um órgão que atua no exercício do fala, mas não me parece nem um pouco grosseiro dizer que em uma cultura cuja visualidade tem papel central na vida das pessoas, essa confusão sobre o entendimento da língua como uma estrutura visual é, de toda forma, mistificadora e esconde o verdadeiro caráter da língua, que é a fala. Lengua y escritura son dos sistemas de signos distintos; la única razón de ser del segundo es la de representar al primero; el objeto lingüístico no queda definido por la combinación de la palabra escrita y la palabra hablada; esta última es la que constituye por sí sola el objeto de la lingüística. Pero la palabra escrita se mezcla tan íntimamente a la palabra hablada de que es imagen, que acaba por usurparle el papel principal; y se llega a dar a la representación del signo vocal tanta importancia como a este signo rnismo. Es como si se creyera que, para conocer a alguien, es mejor mirar su fotografía que su cara [SAUSSURE, 1945, P. 47]. Ainda assim, há que se reconhecer que a analogia entre a imagem e palavra pode ser incrivelmente enriquecedora para o estudo do conceito de imagem, embora Saussure negue a reversibilidade dessa importância para os limites da sua ciência. Não que seja a imagem em si produto de um processo de significação, mas que, talvez, não seja tão exatamente como se costuma crer, que toda imagem anteceda quaisquer significações. Talvez, ao significado-conceito ao qual Rodrigues estabelece em oposição ao significante-imagem, devêssemos atribuir um valor de “significação cultural” à medida que é desse caráter histórico-cultural que tentamos, muitas vezes, nos ocupar com uma antropologia da imagem em Willys de Castro. O primeiro problema a ser aqui enfrentado seria a autonomia da ciência de Saussure que, se valendo dos princípios de uma “lingüística interna”, trás o seu entendimento para a unidade irredutível do signo enquanto categoria abstrata. Dessa forma quando Saussure propõe sua divisão entre um significado e um significante, alguma coisa fica de fora. Ignora-se, assim, o sujeito que fala. No entanto, quando me pronuncio – para usar uma expressão cara a Merleau-Ponty – “ouço-me com minha garganta”[11]. Não podemos simplesmente nos desprender da idéia de que toda a palavra está associada ao ser que ouve, assim como toda imagem é determinada pelo ser que vê. O surdo desaprende a falar, tal qual o cego não pode descrever visualmente a imagem que tem na cabeça. Se as minhas palavras possuem um sentido não é porque ofereçam essa organização sistemática que o lingüista desvendará, mas porque essa organização, como o olhar, relaciona-se consigo mesma: a fala operante é a região obscura de onde vem a luz instituída tal como a surda reflexão do corpo sobre si mesmo constitui aquilo que chamamos de luz natural [MERLEAU-PONTY, 2005, p. 148]. A despeito do que existe de natural, de fato, nessa luz, o caminho que se quer oferecer encontra abrigo numa definição de signo que vai além do significado-significante de Saussure, não porque esses não testemunhem, com alguma verdade, sobre o processo de significação, mas porque o significante, tanto quanto a “imagem visual”, não está perdido nesse imenso universo de fantasmas flutuantes, que “para o lingüista é um sistema ideal, um fragmento do mundo inteligível.”[12] Vê-se, então, porque a poesia concreta parecia isolar seus trabalhos ao abrigo de uma autonomia da imagem que dizia muito menos das palavras empregadas, do que das formas que se constituíam a partir delas. Eles, desse modo, operaram no cerne dessa inversão textual que pressupõe a imagem ao exercício significante da palavra; contrariando o caráter de “língua” de Saussure para afirmar sua “inteligibilidade” em um “sistema ideal”. O cartaz-poema de Willys de Castro retoma, mais uma vez, a relação problemática do espaço do quadro com a idéia de representação. E digo “mais uma vez” por entender que a imagem, por se tratar de um duplo, já nos deixou embaçada muito antes uma idéia sustentável de apresentação, mesmo quando o paradigma concreto justificava serem os elementos plásticos da pintura abstrata, tão concretos quanto as coisas às quais a pintura figurativa dizia representar. Eis um problema significativo para a abstração de Willys de Castro: Como pode ser abstrato um quadro onde figuram palavras se não é possível a nós – que vemos ou lemos – enxergar uma palavra sem que vestígios de significação sejam projetados em nossa consciência? E, afinal, o que é a significação que tanto se parece com a construção de um mundo fictício sob o qual conservamos idéias e imagens de um mundo supostamente concreto? A simples visão de uma forma abstrata não nos oferece essa mesma margem ficcional do mundo como conhecemos? Estabelecido o horizonte no meio do quadro, segue abaixo dele as palavras “down” e “deep”, numa disposição vertical que sugere uma descida irreversível até o limite do espaço da tela. Ao final, repousa a palavra “deep” embarreirada pela impossibilidade de extrapolar os limites do quadro. O indivíduo mais “ignorante em arte”[13] que fosse estranharia se o quadro estivesse posicionado de lado ou de cabeça pra baixo, tal é a imperatividade das palavras na visão de um observador alfabetizado. É importante lembrar que se tratava de um poema. E nenhum dos Cartazes-Poemas de Willys de Castro, as palavras fogem à direção de leitura convencional – horizontal. Mas, diferentemente dos poemas tradicionais, o espaço onde as palavras estavam inseridas, nesse, caso era o espaço representacional do quadro. Tratava-se de uma forma hibrida de poema, como fora no exemplo anterior do Objeto Ativo, e a proximidade com esta série vai mais além do que se pode observar em textos como o de Renato Rodrigues. Cartaz-Poema de 1959 De fato, Willys de Castro parecia entender que o observador lê uma pintura da mesma forma que lê um poema ou um livro de estórias. Não foi por acaso que chamei a atenção para o caráter social da língua, embora meu verdadeiro alvo fosse a parte cultural e histórica que se comprometem com esse denominado social. No Cartaz-Poema, o espectador é chamado a ler o texto que percorre de cima abaixo o quadro. Os olhos seguem, embora o rosto permaneça fixo, da esquerda para direita como se desenvolve a escrita grega e, apesar disso, a imagem sugere uma coluna e se entrega ao eixo vertical em oposição à horizontalidade da leitura como que para estabelecer o plano cartesiano que representa de forma analítica o paradigma da bidimensionalidade. Da esquerda para direita, de cima para baixo. Muito embora sejam deflagrados uma série de obstáculos ao aproximar o caráter lingüístico dessa obra com a fenomenologia[14] tal e qual parece emergir quando o observador do Objeto Ativo precisa movimentar seu corpo para enxergar a totalidade da obra (Analogamente ao movimento dos olhos do observador do Cartaz-poema), o que não se pode negligenciar é que a lingüística, propriamente dita, não fala de imagens visuais como sugere Renato Rodrigues, mas da língua falada. E nessa mesma direção o observador do Cartaz-Poema fala para si quando diante da obra e no exato momento que a lê. É, então, que o significante se mostra como a parte do signo que corresponde ao fenômeno da leitura-audição, por se justificar como significante justamente no instante em que a língua se manifesta. El significante, por ser de naturaleza auditiva, se desenvuelve en el tiempo únicamente y tiene los caracteres que toma del tiempo: a) representa una extensión, y b) esa extensión es mensurable en una sola dimensión; es una línea [SAUSSURE, 1945, P. 90]. Porque o significante é linear, à escrita convém seguir a linearidade do tempo representada culturalmente na linha horizontal. A verticalidade do Objeto Ativo dispõe uma leitura aparentemente controvertida assim como o Cartaz-Poema. O espectador é convidado a lê-la ao entorno dela, contudo, a disposição do significado não se abre nesse desenvolvimento paradigmático – da esquerda para direita como na escrita - e espera o confronto geral com o sentido do espaço para emergir, mas nem por isso a horizontalidade do movimento é ou pode ser negada ao processo. Seria descriterioso, em todo caso, afirmar que o Objeto Ativo se conecta diretamente com a positividade do plano cartesiano. É necessário considerar que o espaço em que o observador se move é o espaço do mundo real (embora isolado em uma sala de museu), e que, dessa forma, está sujeito aos encalços do movimento do corpo num espaço não idealizado. Mas a verticalidade do objeto, de toda forma, vem justificar esse princípio de perpendicularidade ao qual está associado todo limite do espaço do quadro. Nesse jogo de relações entre a obra e o espectador o que fica exposto é essa horizontalidade da leitura que se atribui à pintura desde que o ocidente assim reconhece a representatividade desse suporte. “O mundo já existia muito antes de nós nascermos.” Também o Objeto Ativo parte de uma idéia de Willys de Castro que reconhece que a vanguarda é parte de uma continuidade histórica. Não pode haver imagem sem medium; o significado, também, não pode vir à tona quando não há significante. Esta es la razón de que la cuestión del origen del lenguaje no tenga la importancia que se le atribuye generalmente. Ni siquiera es cuestión que se deba plantear; el único objeto real de la lingüística es la vida normal y recular de una lengua ya constituida. Un estado de lengua dado siempre es el producto de factores históricos, y esos factores son los que explican por qué el signo es inmutable, es decir, por qué resiste toda sustitución arbitraria [SAUSSURE, 1945, P. 92-93]. É nesse distintivo ponto que uma antropologia da imagem não pode ater-se à idéia de uma entificação inaugural, como se alguma coisa se oferecesse antes da outra, e, menos ainda, ao preceito de um “homem natural” que possa nos mostrar o sutil aparecimento de uma natureza humana evocada no momento de uma constituição do ato perceptivo puro. Também o futuro não representa essa ruptura crônica com o passado e o presente – por contestação ou necessidade histórica que seja. O minimalismo, dessa forma, não pode desvincular seu alcance cultural de uma direta participação no modernismo norte-americano, e nem a obra Neoconcreta de Willys de Castro se limita ao simples rompimento com o postulado crítico do Concretismo paulista. É preciso haver tradição para que também exista vanguarda: “O mundo já existia muito antes de nós nascermos”. Referências Bibliográficas BELTING, H. Por uma antropologia da imagem. In: Revista Concinnitas n. 8. Rio de Janeiro, 2005. BRANDÃO, J.S. Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 1991. DE CASTRO, W. Objeto Ativo em, “Willys de Castro”. São Paulo: Cosac Naify, 2005. DE DUVE,
T. The Monochrome and the Blank Canvas. In: Reconstructing Modernism:
Art in ISHAGHPOUR, Y. O real, cara e coroa. In: Abbas Kiarostami. São Paulo: Cosac Naify, 2004. MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2005. LICHTENSTEIN, J. (org.). A Pintura - vol. 5: Da imitação à expressão. São Paulo: Ed. 34, 2004. RODRIGUES, R. Os Objetos Ativos de Willys de Castro. In: Estud. av. vol.20, no.56. São Paulo: USP, 2006. SAUSSURE, F. Curso de Lingüística General. Buenos Aires: Editorial Losada, 1945.
Notas: [1] Mestrando em História e Crítica de Arte (UERJ). [2] Traduzido do termo inglês gaze. [3] Ver PLATÃO. A República - livro X. In: A Pintura - vol. 5: Da imitação à expressão. LICHTENSTEIN, J. (org.). São Paulo: Ed. 34, 2004. p. 21 [4] Título da Obra de Damien Hirst. [5] “O medium, na sua especificidade, não é simplesmente uma questão de constituintes físicos; ele compreende conhecimento técnico, procedimentos de trabalho e disciplina - Todas as convenções de uma dada arte cuja definição é, por toda parte, histórica - mais ainda de modo que a tendência auto-crítica (ou auto-referencial, mas melhor chamada reflexiva) do modernismo é tomar essas convenções como tema e testar sua validade estética.” (Trad. Livre) [6] “As normas e convenções essenciais da pintura são também as condições limite com as quais uma superfície marcada pode ainda ser experimentada como uma pintura. O modernismo descobriu que essas condições limite podem ser empurradas para trás indefinidamente antes que a pintura deixe de ser uma pintura e se torne um objeto arbitrário.” (Trad. Livre) [7] “A planaridade é unica e exclusiva dessa arte... planaridade, bi-dimensionalidade é a única condição que a pintura não compartilha com nenhuma outra arte, e, desse modo, a pintura moderna se orientou mais para a planaridade que para qualquer outra coisa.” (Trad. Livre) [8] “Esses trabalhos - e existem muitos outros - fugiram a forma da bi-dimensionalidade da pintura adicionando uma terceira dimensão como elemento deles. Eles parecem deliberadamente transgredir o limite onde, segundo Greenberg, uma pintura deixa de ser pintura e se torna um objeto arbitrário. Mais ainda, eles clamam essa arbitrariedade como uma qualidade em si.” (Trad. Livre) [9] Ver MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2005. [10] ISHAGHPOUR, Youssef. O real, cara e coroa. In: Abbas Kiarostami. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 89 [11] MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 140 [12] Ibidem. [13] Seja lá o que for que isso significa. [14] Embora me pareça bastante superficial a aplicação de uma teoria fenomenológica ao Objeto Ativo, por conta desse simples deslocamento.
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