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Neste número vamos refletir brevemente sobre a evolução do jogo dramático para o teatro, tema que consideramos importante no contexto da escola e fora dele.

Do jogo ao teatro: algumas considerações

Não é comum imaginarmos crianças realizando uma encenação teatral, atuando, representando papéis, orientadas por uma história escrita no formato de texto dramático. Porém facilmente vemos crianças, nas suas brincadeiras, inventando personagens e dispondo-as em histórias que sua imaginação criou. Nesta manifestação infantil estão evidentes alguns princípios do teatro, da representação, do drama. Essa brincadeira, necessária e natural na infância constitui-se uma das maneiras pelas quais a criança conhece o mundo, as pessoas e as diferentes situações, sensações e emoções.

Estudiosos, como Olga Reverbel, Maria Clara Machado, Peter Slade, denominam “jogo dramático” essa atividade. Ela é, portanto, uma atividade que segue as regras da linguagem teatral. É uma brincadeira séria, pois lida com a representação da realidade, e essa é uma forma de conhecer melhor o mundo e de viver com ele. Dentre as várias características que o jogo dramático possui, destacamos inicialmente que o mesmo é realizado em grupo, constituindo uma criação coletiva, abandonando, dessa forma, a condição de simples brincadeira ou passatempo (que, por ventura pode vir a receber) para revelar-se como um trabalho produtivo, através do qual o conhecimento do indivíduo é articulado.

A base, tanto do jogo dramático quanto do teatro, ou seja, da encenação teatral, é o drama que, no sentido original do termo, significa “eu faço”, “eu luto”. Assim, ambos estão marcados pelo conflito, pela contradição entre vontade e ação, que é definida pelas personagens com suas características próprias. É importante salientar que, tanto o jogo dramático como o teatro são formas de expressão que se constituem numa idéia imaginada e na vontade de expressá-la, de demonstrá-la. Toda forma de expressão necessita de uma linguagem específica para manifestar-se, de um código particular, através do qual a idéia imaginada é expressa. Tratando-se do jogo dramático e do teatro, esse código é definido pela linguagem teatral, ou seja, pelo empenho artístico na representação de uma realidade. Afirmamos em outra oportunidade, quando abordamos os processos de leitura envolvidos na recepção da linguagem teatral, que esta se constitui na confluência de outras, ou seja, ela é a soma da verbalização do texto, da atuação dos atores e dos diversos elementos cênicos (cenários, figurinos, luzes e sons) de que o teatro contemporâneo dispõe para transformar o texto dramático em encenação (GRAZIOLI, 2007, p. 4).

Dessa maneira podemos distinguir jogo dramático e teatro, de acordo com o nível artístico/estético como a representação da realidade, tendo em vista a articulação da linguagem teatral, é efetuada. O jogo dramático vale-se da linguagem teatral de maneira pouco elaborada. Ele simplesmente acontece, sem maiores preocupações com acabamento ou com a utilização sistemática dos elementos cênicos. Os atuantes (que não são atores, mas sim “jogadores”) estão presentes a todo o momento e improvisando a partir de um projeto ou roteiro inicial, possível de ser transformado no decorrer da ação. Todos participam de alguma maneira: atuando, dando idéias, sendo uma personagem principal ou figurante, colocando no jogo dramático suas idéias, sentimentos, histórias particulares e emoções. O teatro, por sua vez, é o produto final de um processo desenvolvido a partir de um determinado texto dramático, que define personagens, bem como ações e diálogos para estas, e emprega a linguagem teatral de maneira mais elaborada, utilizando os elementos cênicos, possibilitando aos atores poderem atuar com clareza, a ponto de poderem repetir a encenação.      

Assim sendo, o jogo dramático é uma das maneiras adequadas de utilização da linguagem teatral pelas crianças. Ele possibilita que elas se expressem de modo criativo, e que sejam introduzidas e conduzidas, por meio do jogo, à linguagem teatral mais elaborada. Autores como Olga Reverbel, Viola Spolin, Ingrid Dormien Koudela e Richard Courtney assinalam a propriedade que o jogo dramático possui de conduzir o “jogador” para estágios cada vez mais elaborados, a ponto de colocá-lo em contato com a atividade teatral propriamente dita. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino de primeira a quarta série) também registram essa característica:

Inicialmente, os jogos dramáticos têm caráter mais improvisacional e não existe muito cuidado com o acabamento, pois o interesse reside na relação entre os participantes e o prazer do jogo. Gradualmente, a criança passa a compreender a atividade teatral como um todo, o seu papel de atuante e observa um maior domínio sobre a linguagem [cênica] e todos os elementos que a compõem (1997, p. 85).

No que se refere ao papel do professor na realização do jogo dramático, vale ressaltar que, inicialmente, ele deve conhecer a fundamentação teórico-prática dessa atividade. De posse deste conhecimento, cabe a ele proporcionar condições para o desenvolvimento da atividade teatral na sua sala de aula, facilitando o processo de criação dos alunos, fazendo-se presente, conduzindo e participando do jogo. Ele precisa estar sempre atento, disponível, apresentar idéias iniciais para o desenvolvimento dos jogos, mudar o rumo da história, quando isso se fizer necessário, enfim, como em qualquer outra atividade, deve desenvolver sua função de condutor. 

Professores Fabiano Tadeu Grazioli e Gisele Martini, editores de Teatro Comentado


ISSN 1806-2962

Revista Digital Art& - ISSN 1806-2962 - Ano XI - Número 14 - Dezembro de 2013 - Webmaster - Todos os Direitos Reservados

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